“César, tudo bem? Estou buscando um expert em liderança no mundo empresarial, mas que ame tanto os esportes quanto eu e saiba como quadras, ginásios e estádios podem trazer importantes lições para a vida. Topa escrever um livro comigo sobre isso?”

O convite irrecusável foi formulado por Maurício Barros, competente jornalista esportivo que, na época, atuava na ESPN e conta com mais de 30 anos de experiência, incluindo veículos brasileiros importantes na cobertura esportiva. Meus olhos brilharam e o coração pulsou forte, com a adrenalina em alta.

Disse a ele que sempre acreditei no esporte como um dos caminhos para compreendermos melhor o mundo à nossa volta e refletirmos como nele nos inserimos, de forma semelhante ao que acontece com Arte, História, Literatura e Filosofia. E respondi sim, pois, de fato, é possível tirar importantes lições sobre o exercício da liderança a partir das diferentes modalidades esportivas.

Aqueles que participaram de algum programa de desenvolvimento de líderes conduzido por mim já exercitaram reflexões sobre os aprendizados que podemos extrair para a liderança, carreira e vida empresarial a partir de cenas, frases e imagens de eventos esportivos. Porém, sempre utilizei a metáfora do esporte de forma impressionista. Agora, tinha enorme oportunidade de aprofundar, com a experiência do Maurício, a sinergia particular existente entre management e esporte.

Depois de longas e profundas conversas, discussões e entrevistas com vários esportistas, começamos a correlacionar exemplos de diversas modalidades com a prática de vários tipos de líderes, homens e mulheres, em inúmeras empresas, comunidades e situações. O match foi inevitável!

O esporte tem grande força na oferta de ótimas metáforas para pensarmos sobre a natureza humana e os desafios da liderança, de forma prática e apaixonante. Com imersão nos mais notáveis exemplos de sucesso da história dos esportes, buscando lições que podemos aplicar no nosso dia a dia, identificamos cinco alavancas que podem impulsionar o nível de eficácia nas diferentes dimensões da vida de um líder – pessoal, familiar, profissional, social e comunitária:

1- Integração: talento e competência são decisivos. Porém, a integração, com construção de espírito de equipe e foco no interesse coletivo, também pode ser determinante. Um dos exemplos mais emblemáticos nesse sentido foi a ascensão, sem grandes estrelas, da Grécia ao topo do futebol europeu, em 2004, surpreendendo o mundo. E a liderança feminina? Quando Hortência e Paula superaram suas animosidades pessoais e focaram no conjunto, ninguém parou o Brasil em sua trajetória rumo ao título mundial de basquete. No mundo corporativo, líderes empresariais que promovem alto grau de integração, entre a tecnologia sofisticada no e-commerce e a humanização no atendimento, elevam a empresa a um novo patamar. O Magalu é um bom exemplo, com todas suas áreas, em conjunto, focadas em oferecer a melhor experiência possível aos clientes.

2- Determinação: o esporte não é uma ciência exata. Qualquer atleta de ponta, no calor da disputa, sabe que a entrega pode superar os 100%. Quem não se lembra da vitória de Ayrton Senna no GP Brasil de Fórmula 1, em 1991, com o câmbio da McLaren travado. O piloto foi implacável na busca de seus objetivos. Também é exemplar a incontestável disciplina do nadador César Cielo, maior medalhista brasileiro em campeonatos mundiais. Líderes de inúmeras empresas têm demonstrado muita determinação para manter resiliência, perseverança e firmeza na busca dos seus objetivos.

3- Superação: Maya Gabeira quase morreu em Portugal, na Praia do Norte, em 2013, quando a tentativa de surfar uma onda gigante não transcorreu bem. Uma fratura na perna e lesões nas costas decorrentes deste acidente prejudicaram quatro anos de sua carreira. Porém, o ano de 2018 marcaria sua redenção. De volta ao mesmo local, ela quebrou o recorde mundial, com a maior onda já surfada por uma mulher. E, recentemente, bateu seu próprio recorde. Vencer a onda de mais de 20 metros de altura envolveu a superação de dores físicas e medos psicológicos. A coragem que sobrou para Maya também não falta a líderes que assumem o protagonismo ao conduzir suas empresas, enfrentando os diversos fantasmas oriundos dessa insistente pandemia e das incertezas das regras do jogo político-econômico do sempre surpreendente Brasil.

4- Inovação: Um dos exemplos mais marcantes de inovação no esporte é o dado por Dick Fosbury, atleta norte-americano que revolucionou o salto em altura. Insatisfeito com o método straddle, o mais utilizado no início dos anos 1960, ele criou uma técnica para saltar de costas. Aqueles que o viram com ceticismo no início tiveram que se render ao Salto Fosbury. Em 1968, ele ganhou absolutamente tudo, culminando com a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos, com quebra do recorde olímpico. Os líderes de empresas tradicionais que criam hubs de inovação, atraindo startups e estimulando a disrupção para reduzir custos e aumentar receitas estão tentando reinventar seus negócios. Bons exemplos no Brasil são dados pelo Cubo, fundado pelo Itaú, e a Smartie, um ecossistema de inovação criado recentemente pela Solví Ambiental.

5- Autogestão: em qualquer atividade profissional, inclusive nos esportes, os líderes precisam ser coerentes entre o discurso e a prática, com integridade e ética nas ações. Além disso, precisam harmonizar as diferentes dimensões da vida, incluindo família, profissão e senso de cidadania dentro da sua comunidade. Vários atletas extremamente talentosos destruíram suas carreiras ao se perderem em vícios ou atitudes na vida privada, como os conhecidos e tristes exemplos do Mané Garrincha, um dos maiores jogadores brasileiros de todos os tempos, e o do polêmico argentino Diego Maradona. Outros são notáveis exemplos de competente autoliderança, como Guga, tenista brasileiro que se tornou ídolo em Roland Garros. Alguns atingiram outro patamar de sucesso ao assumirem as peculiaridades da sua vida conjugal privada, como a Jill Ellis, técnica da seleção norte-americana de futebol feminino que se sagrou campeã mundial, vencendo inclusive o Brasil em pleno Maracanã. Jill, antes de um treino que se tornou célebre, no centro do gramado, abriu o jogo sobre sua vida íntima homoafetiva e, de forma transparente, redobrou a admiração e o respeito das jogadoras. Tirou um fardo das costas e ganhou vários campeonatos desde então.

Porém, muito além dessas cinco alavancas acima descritas, o verdadeiro “pulo do gato”, que pode ser bastante útil para os líderes, foi a lição que aprendemos baseada no ponto em comum dos grandes vencedores do esporte. Todos, em algum momento, tiveram a coragem de “resetar” sua estratégia de trabalho, atitudes e comportamentos para alcançar seus objetivos na vida profissional e pessoal. Reprogramar suas trajetórias, ressignificar práticas, desafiar crenças e transformar atitudes, quando necessário, foram passos determinantes para o sucesso.

Estamos prontos para apertar a tecla “reset” ou continuaremos insistindo nas mesmas práticas para uma realidade que já não existe mais?

Aproveito as lições do esporte para propor uma reflexão estruturada. Faça uma espécie de “Reset Check Point”, ou seja, meça sua propensão a se reinventar e se reprogramar, em cada uma das cinco alavancas aqui abordadas. Dê nota de 1 a 5, avaliando como se encontra em cada uma delas. Em seguida, pense qual nota que você gostaria de alcançar. Por exemplo, você se considera nota 2 em inovação, mas gostaria de estar com nota 4, o que é preciso fazer para migrar da situação atual para o patamar desejado? Esse seria o seu “reset” na alavanca inovação.

Ao ler este texto, se lhe ocorrer alguma ideia, história, fato ou versão que possa servir de fonte de aprendizado, por favor, não hesite em nos provocar. Somos eternos aprendizes, inclusive no tema liderança e nas lições derivadas do esporte que podem enriquecer a prática dos líderes.

Maurício, gratidão pela sinergia. Espero ter trazido a você um grau de compreensão sobre a liderança, pelo menos, na mesma proporção que você me trouxe na qualidade dos insights do mundo do esporte. Afinal, é preciso se transformar para ser um agente da transformação que o momento exige!

*  César Souza é cofundador e presidente do Grupo Empreenda, consultor e palestrante em Estratégia, Liderança, Clientividade e Inovação. Autor de “Seja o Líder que o Momento Exige” é também coautor do recém-lançado “Descubra o Craque que Há em Você” (Buzz, 2020)