DINHEIRO ? Em seis meses, encerra-se a administração Judicial na Bombril e a empresa poderá voltar às suas mãos. O senhor pretende tocá-la ou vendê-la?
RONALDO SAMPAIO FERREIRA ?
Eu confio na Justiça. Tenho certeza absoluta que a Bombril vai ficar comigo depois de tanto tempo de briga. Infelizmente, a Justiça no Brasil é lenta. Aliás, o próprio ministro do Supremo (Nelson Jobim) disse que ela é lenta. Quando eu vendi a Bombril e as garantias eram as próprias ações da empresa eu imaginei o seguinte: caso o comprador, Sérgio Cragnotti, não pagasse ou parasse de pagar eu receberia a empresa no dia seguinte. Foi o que meu advogado disse. Não pensava que iria entrar num imbróglio desse tamanho. A execução judicial começou em 2002. Estamos em 2005 e vai se estender por mais seis meses. Vai até fevereiro, março do ano que vem. Mas como já disse tenho certeza de que vou ter a Bombril de volta. Não há outra alternativa. Só existe um credor, que sou eu. Um credor que levou um cano milionário. Eu acho que eu tomei, se não o maior, um dos maiores canos do mundo. Tenho US$ 200 milhões a receber. E a Bombril não vale US$ 200 milhões. Eu até queria dinheiro. Mas fico feliz em ficar com a Bombril.

DINHEIRO ? Mas o senhor não disse se pretende ou não vendê-la após uma possível vitória nos tribunais…
FERREIRA ?
Pego uma empresa doente, capenga, com dívidas e que necessita de ajustes. Mas é a empresa que minha família fundou e vou correr esse risco. A idéia é profissionalizar a Bombril e fazer com que ela retome o brilho de outros tempos. Não tenho, hoje, a intenção de vendê-la. Mas tudo tem um preço. Se me oferecerem o dobro do que ela vale, eu vendo.

DINHEIRO ? É uma questão de honra reaver a Bombril?
FERREIRA ?
Não. Se pensasse assim, transformaria esse caso em uma obsessão. Não é questão de honra e sim uma questão de direito. Vou lutar até o fim pela Bombril. Não gostaria que mais tarde meus filhos olhassem para mim e dissessem: ?pai, você tinha uma grande empresa na mão, levou um cano tremendo, foi enganado, traído e não lutou por ela??.

DINHEIRO ? O senhor falou em traição. Quando a família começou a perder a empresa?
FERREIRA ?
A Bombril foi fundada por meu pai, Roberto, em 1948. Eu era menino. Antes de ingressar na empresa, trabalhei no mercado financeiro e depois em uma agência de propaganda. Entrei na Bombril para dirigir o marketing. Meu irmão mais moço, Marcos, nunca trabalhou lá. O mais velho, Fernando, sim. Estava comigo o tempo todo. Mas esse tinha obsessão em vender. E acabou vendendo por uma ninharia uma empresa que tinha em caixa US$ 80 milhões. Ele vendeu por menos que isso, em 1990. Ou seja, o empresário Sérgio Cragnotti pagou a Bombril com o próprio caixa da empresa. Um negócio de louco. O Fernando induziu o mais novo a vender sua parte. Tínhamos 33% cada um. Eu tinha direito de preferência numa possível venda da parte de meus irmãos, mas eles me driblaram também nisso. De um dia para o outro vi o Cragnotti com mais de 60% das ações, ditando as regras dentro da nossa casa.

DINHEIRO ? E quando o senhor decidiu vender sua parte? Não se preocupou em buscar informações do Cragnotti?
FERREIRA ?
O que sei é que o italiano acabou com a empresa. Há suspeitas até de roubo lá dentro. Dizia-se que ele era um bilionário. Nunca foi. Ele era um simples executivo do poderoso grupo italiano Ferruzzi. Rico ele nunca foi. Ficou rico depois que comprou a Bombril e comprou a Cirio. Chegou a ter a Cica no Brasil. Era um sujeito enrolado. Quando meus irmãos venderam a empresa eu fui obrigado a
ficar sócio do Cragnotti. Fiquei com ele durante dois anos, como minoritário. Aí vi
que Cragnotti era loucão e decidi repassar a minha parte. Vendi a minoria das
ações pelo dobro do que meu irmão vendeu a maioria, em 1990. Mas o resultado
foi esse calote histórico.

DINHEIRO ? Se o senhor fosse negociar com o Cragnotti hoje, mudaria o que? Onde o senhor errou?
FERREIRA ?
Se hoje eu fosse fazer um contrato com um sujeito como o Cragnotti… Não sei. Eu pedi, na ocasião, como garantia do negócio, uma carta de crédito de
um banco internacional de primeira linha. Se tivéssemos essa carta, hoje não
estaria aqui conversando sobre a Bombril. O italiano não conseguiu a carta de crédito. Eu pensei: se os bancos não deram é porque ele não é bem visto no mercado, não tem crédito na praça. Meu advogado disse que ele estava começando
a carreira empresarial, que deveríamos dar uma chance. E veio com a brilhante
idéia: ?Ronaldo, vamos ficar com o controle acionário da Bombril como garantia?.
Eu dei uma de bobo e perguntei: ?Como? Eu vendo 33% e fico com o controle, é
isso?? Na teoria, tudo bem. O problema é que, na prática, eu venho há cinco anos lutando pela empresa. Deveria ter batido o pé com a história da carta de crédito. O bobo no mundo só se estrumbica.

DINHEIRO ? Que Bombril o senhor espera encontrar?
FERREIRA ?
A Bombril é a única empresa do mundo que não tem dono. O devedor deu calote, perdeu a companhia, mas o credor não ficou com ela. Isso é loucura. Como fica uma empresa com mais de dois mil funcionários que não sabem a quem responder. Quem é o presidente? Para onde vai? E os administradores nomeados pela justiça fazem o que querem. Para abrir uma fábrica, para tomar um decisão é preciso estudo, leva tempo. Os caras fecham fábricas, abrem fábricas, lançam marcas da noite para o dia. Será que eles sabem o quanto custa tomar uma decisão operacional? Aconteceram erros primários na Bombril.

DINHEIRO ? Pode dar um exemplo?
FERREIRA ?
Entrou um concorrente forte no mercado que é a Assolan. E a Bombril se encontrava na UTI. No ano passado, a produção parou várias vezes. Não havia dinheiro sequer para comprar matéria-prima. Então a Assolan encontrou a líder agonizando. Você estava lá, bonitão, com 90% do mercado e de repente entra uma marca forte para competir com você. No mínimo, o que se deve fazer é tanta ou mais propaganda que a rival e, se bobear, dar um desconto no produto. E o que os administradores fizeram? Aumentaram o preço e não gastaram nem um tostão de propaganda da lã de aço.

DINHEIRO ? A Bombril não apresentou alguns bons resultados no último semestre?
FERREIRA ?
Aquele lucro de R$ 137 milhões é fictício, lucro contábil. Mas tem a geração de caixa positiva, é verdade. Não vou dizer que foi tudo ruim. Mas os administradores judiciais não são os donos. Se você tem problema no estômago o médico receita antibiótico. Você toma o antibiótico até ficar bom. Volta e diz: doutor estou ótimo. E o médico tira o antibiótico. A Bombril está tomando antibiótico há anos.

DINHEIRO ? Mas a Justiça nomeou administradores justamente porque a Bombril estava doente…
FERREIRA ?
Eu pedi a intervenção. Era uma proteção contra o Cragnotti. Quando o Cragnotti saiu, foi preso, já não havia mais a necessidade de ter o governo nessa história. Era para tirar a turma do Cragnotti, que acabou com a Bombril. Entraram os italianos bons, nomeados pelo governo da Itália na holding Cirio, que controla a Bombril, e passei a ter um canal muito bom com eles. Ao mesmo tempo a Justiça brasileira interveio na empresa aqui no Brasil. A partir do momento em que comecei a ter um bom diálogo com a Itália, resolvendo diretamente o caso Bombril, não havia mais a necessidade de terceiros no caso. Enfim, agora, a Justiça se deu conta disso e em seis meses os administradores daqui estarão fora.

DINHEIRO ? Hoje, a Bombril tem ligação com a Itália?
FERREIRA ?
Existe a Holding Cirio Finanziaria. Abaixo dela, a Bombril Holding, dona da Bombril. Após o processo, a Bombril Holding some e fica só a Bombril. E a Círio segue seu caminho. A Bombril volta a ser 100% brasileira.

DINHEIRO ? Após esses seis meses, o senhor pode assumir a empresa no dia seguinte?
FERREIRA ?
Não se sabe ainda como será o processo. Provavelmente haverá um leilão. É praxe da Justiça em processos de execução. Eles pegam todos os bens, leiloam e com o dinheiro pagam o credor. Claro que o credor também pode dar seu lance. Mas uma coisa é certa: sei que não vou receber os US$ 200 milhões nunca. Ninguém vai pagar esse valor no leilão. A outra hipótese é o processo terminar num grande acordo entre devedores ? os italianos ? e o credor, eu.

DINHEIRO ? Uma vez resolvido o problema jurídico, os bancos devem abrir as portas novamente para a empresa?
FERREIRA ?
Acredito que sim. Todo mundo me conhece. O mercado financeiro vai saber que existe um empresário por trás da Bombril. Hoje não tem dono. O banco nem recebe uma empresa orfã.

DINHEIRO ? O senhor vai pegar a Bombril num bom momento econômico do Brasil?
FERREIRA ?
O Brasil tá complicado. Mas eu diria que economicamente vai bem, muito embora o PT diga que essa política é dele e na verdade não é. É do governo Fernando Henrique. Evidentemente, está na hora de baixar juros. Ninguém mais consegue se manter com esse juros. Qualquer um que vai tomar dinheiro em banco precisa depois vender ouro para pagar o empréstimo. O engraçado é que o PT sempre disse que era contra juros altos e os lucros absurdos dos bancos. Mas os bancos nunca ganharam tanto dinheiro como agora. As exportações, por sua vez, vão muito bem. O Furlan (Luiz Fernando, ministro do Desenvolvimento) faz uma ótima gestão. Roberto Rodrigues, da Agricultura, também realiza um excelente trabalho. Basta ver os resultados no campo. Furlan e Rodrigues são dois dos poucos acertos do governo Lula.

DINHEIRO ? E o cenário político?
FERREIRA ?
É uma piada. Eu não votei no PT, mas achava que era hora de o PT entrar. Existia aquela coisa de que eles eram intocáveis, santos, que eram a cura para todos os males. E no final eles mostraram que são iguais a todos os outros. Ninguém atrapalhou a vida deles. Eles que se atrapalharam. É uma corrupção nunca vista. Eu não gosto quando dizem: ?Ah, mas já houve corrupção antes?. O povo votou no PT para não haver mais.

DINHEIRO ? O PT acabou?
FERREIRA ?

Acho que não. Deve ter gente boa lá.