Líder do varejo de material de construção no País, a Leroy Merlin está com obras em casa. Os desafios de abastecimento durante a pandemia tornaram a dependência das importações da China insustentáveis para a empresa. Sob risco de não ter os produtos para as campanhas de fim de ano, após os sucessivos fechamentos de portos em decorrência das ondas da variante delta na Ásia, a companhia chegou a um ponto de inflexão: é hora de aumentar a participação do Made in Brasil na operação. Antes, trouxe de fora uma peça fundamental para o plano. No fim de 2020, o executivo espanhol Ignacio Sánchez assumiu os negócios da região, depois de 12 anos como CEO para a Espanha. “Aumentaremos as compras de fabricantes nacionais em 20% até 2024”, disse, em entrevista à DINHEIRO. Por aqui, o executivo conduz a transformação da cadeia da Leroy Merlin à luz do que a rede fez no Velho Mundo. Mas a adaptação, claro, tem sotaque brasileiro. “Há uma necessidade grande de modernizar as fábricas. Estamos fechando compras dos próximos dois anos para que os fornecedores tenham condições de investir na infraestrutura produtiva.”

A Leroy Merlin começou as reformas na própria operação para suportar as vendas on-line, que cresceram nove vezes durante a pandemia e são responsáveis por 8% do faturamento em 2021. Para o próximo ano, a empresa projeta a participação do comércio eletrônico em 10%. “Ainda temos muito a fazer internamente para alcançar esse patamar”, disse o executivo, que planeja investir 4% da receita em 2022 para reforçar a malha logística e acelerar a transformação digital. Além de desenvolver 150 projetos de tecnologia por ano, a companhia aprovou um aporte de R$ 60 milhões para automatizar o centro de distribuição em Cajamar (SP). A expansão da rede de lojas físicas será outra ponta do ciclo, responsável pelo último trecho de entrega. “Queremos inaugurar mais 20 lojas nos próximos cinco anos para chegar a uma cobertura de 80% do território.”

Mas Sánchez estabelece o teto de 20% para a fatia do e-commerce da Leroy Merlin no Brasil. Mesmo com a experiência na Europa, as especificidades logísticas em um país de dimensões continentais, onde “não se trabalha a última milha, e sim as últimas 4,5 mil milhas”, tornam o processo mais complexo e custoso por aqui. Acima do fixado pelo executivo, a demanda passaria a desequilibrar a operação, segundo a análise interna. Por isso, a empresa considera injustificável comercializar produtos fabricados a mais de 15 mil quilômetros, que “além de caros, são extremamente poluentes”.
CADEIA A competitividade é outro ponto de atenção para a companhia, mas não pela concorrência no seu mercado. A receita da multinacional no Brasil foi de R$ 7 bilhões em 2020, crescimento de 30% – acima do setor, cuja alta foi de 10% no período, segundo o IBGE. O principal desafio de Sánchez nessa frente será elevar os patamares de produtividade da cadeia de fornecedores para garantir produtos de qualidade a preços competitivos.

DENTRO DA LOJA Mesmo com avanço do e-commerce, a rede pretende inaugurar mais 20 operações físicas nos próximos 5 anos. (Crédito:Divulgação)

Outro pilar de crescimento nos planos para o País, a Leroy Merlin finalizou o mapeamento da cadeia de produtores, identificando aqueles com potencial de crescimento para atender a demanda da companhia pelos próximos cinco anos. “Os primeiros resultados dessas tratativas devem começar a aparecer na rede em seis meses”, afirmou o executivo. Mas a expectativa de crescer 12% no próximo ano já está antecipando a pressão sobre esse ecossistema.

DESAFIOS À beira do verão e com atrasos nas categorias de móveis para jardim e climatização, que dependem do transporte de cabotagem, o aquecimento do setor segurou a alta das vendas no ano. A companhia deve fechar 2021 com faturamento de R$ 8 bilhões, 15% acima do período anterior. “As reformas de casa e as entregas da construção civil estão puxando o consumo, que deve manter os índices nos próximos anos”, afirmou. Em 2022, a meta para a operação nacional é ultrapassar R$ 9 bilhões e, nos anos seguintes, conforme o mercado amadurece, seguir somando R$ 1 bilhão à receita.

Na Espanha, as transações com a cadeia de fornecedores aumentaram seis vezes em dez anos. Por aqui, antes de alavancar, a Leroy Merlin precisa driblar os obstáculos do próximo ano de eleições presidenciais com inflação galopante e avanço da taxa Selic, que podem pressionar o consumo para baixo. O caminho para elevar a resiliência dos negócios, de acordo com o executivo, passa pela simplificação dos impostos, mas “o sistema mais inteligente é estimular um cenário de muita atividade econômica”. Mesmo com a perspectiva de turbulência no futuro, a única certeza de Sánchez agora é que a democracia é a única saída para construir um futuro melhor.