Uma combinação inédita de fatores permitiu ao governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), realizar no primeiro ano de gestão a mais ampla reforma previdenciária e administrativa da história recente do Estado. Percepção generalizada da crise fiscal gaúcha, renovação de 51% da Assembleia Legislativa, costura de alianças e divisão de tarefas entre ala política e equipe técnica, além de empenho e carisma do chefe do Executivo, compuseram o quadro definido pela secretária do Planejamento, Leany Lemos, como “bonança perfeita”.

Para críticos, porém, Leite apenas segue os passos do antecessor, José Ivo Sartori (MDB), primeiro governador a parcelar salários e extinguir fundações e empresas públicas.

Aos 34 anos, Leite, que tinha como experiência apenas um mandato de prefeito em Pelotas, conseguiu aprovar na Assembleia um projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) sem reajuste em relação a 2018. Derrubou a exigência, prevista na Constituição estadual, de plebiscito para privatização das estatais Companhia Estadual de Energia Elétrica (Ceee), Companhia Riograndense de Mineração e Sulgás, além de obter aval para a venda das empresas. Alterou ainda o Código Ambiental do Estado, excluindo dispositivos caros a ecologistas gaúchos.

A maior vitória, no entanto, foi a aprovação, entre dezembro e janeiro, de um conjunto de oito projetos de lei e uma proposta de emenda à Constituição (PEC) batizado de Reforma RS. Destinada a propiciar uma economia de R$ 25 bilhões em dez anos aos cofres estaduais, a iniciativa foi apelidada de “pacote da morte” por sindicalistas. O texto incluía revisões dos Estatutos dos Servidores Civis e dos Servidores do Instituto Geral de Perícias, mudanças no Plano de Carreira do Magistério e novas alíquotas de contribuição previdenciária de servidores civis e militares, entre outras medidas.

O magistério respondeu com a maior greve da história da categoria, apoiada por moções de Câmaras Municipais de 315 dos 497 municípios gaúchos.

A primeira tentativa de votação, em regime de urgência, fracassou em dezembro. Para evitar uma derrota que marcaria as propostas com o selo da impopularidade, Leite recuou, propondo que a matéria fosse apreciada em convocação extraordinária durante o recesso, em janeiro. A estratégia funcionou: dos nove projetos, oito foram aprovados por margens de 32 a 41 votos, entre 55 deputados. A economia prevista ficou menor (R$ 18 bilhões em dez anos), com a retirada do projeto de alteração de alíquotas previdenciárias de servidores militares.

Contas

Mesmo enxuta, a reforma é vista como um alívio para um Estado que parcela salários do funcionalismo desde 2015, tem mais aposentados e pensionistas (60%) do que servidores ativos (40%) e amargava, em 2018, uma dívida de R$ 73,3 bilhões. “Temos dois critérios: trabalhamos sempre com a verdade e não colocamos bodes na sala”, disse o chefe da Casa Civil, Otomar Vivian, ao comentar as sucessivas vitórias do governo na Assembleia.

Deputado estadual de 1991 a 1994 e de 1999 a 2002, Vivian é o cérebro político do governo Leite. Expoente do Partido Progressista (PP), o ex-deputado atendeu ao chamado para integrar o governo logo após o segundo turno, em 2018.

A aproximação era natural: o PP havia retirado a candidatura ao governo do então deputado e hoje senador Luis Carlos Heinze para apoiar Leite (que enfrentou no segundo turno o candidato à reeleição Sartori) e ouviu do eleito a garantia de que não disputaria a reeleição.

Para Vivian, a Assembleia Legislativa tem um “número mágico” que fascina e assusta gerações de governadores: 33. Os que alcançam essa cifra de votos favoráveis podem governar com uma maioria confortável, enquanto os que não a atingem amargam dias traumáticos no Palácio Piratini.

A fim de compor uma base viável, o governo traçou uma estratégia em três tempos. Primeiro, consolidar os partidos da aliança pró-Leite (PSDB, PP, PTB, PRB, PPS, PHS e Rede); em seguida, conquistar o MDB de Sartori; e, por último, atrair os aliados do ex-governador. Ao fim da costura, o tucano obteve respaldo de 41 dos 55 deputados, em um total de 13 partidos. PDT, PT e PSOL, com 14 deputados, estão na oposição, enquanto o Novo, independente, apoia o governo em questões de reforma do Estado.

Novos

A engenharia política de Leite foi favorecida pelo alto índice de renovação da Assembleia gaúcha, de 51%, na eleição de 2018. Com as bancadas renovadas, o governador dedicou parte importante da agenda no primeiro ano de mandato a audiências com deputados. “Os 55 deputados representam 11 milhões de gaúchos”, costuma afirmar Leite, ao justificar a atenção dada a cada parlamentar.

Na proposta orçamentária de 2020, o governo destinou a cada parlamentar uma verba de emendas de R$ 1 milhão. “Tornamos mais democrática a destinação de verbas para emendas”, afirmou o líder do governo na Assembleia, Frederico Antunes (PP). “Antes, a liberação desses recursos dependia da relação do parlamentar com o governo. Agora, cada deputado terá acesso a esses recursos, independentemente de partido. As destinações devem respeitar o mínimo de 50% para saúde, mais porcentuais para educação e segurança.”

A oposição torce o nariz para as realizações de Leite. “O DNA do atual governo é o mesmo de Sartori: austeridade como um fim em si mesma, privatizações e congelamento de salários”, disse o líder do PT na Assembleia, Luiz Fernando Mainardi.

O petista acusa o governador de não ter feito nada em relação à negociação dos créditos do Estado originados das desonerações fiscais impostas pela Lei Kandir, reivindicada por todos os governadores há 20 anos.

A presidente do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul, o sindicato da categoria, Helenir Schürer, afirmou que pretende ir à Justiça para questionar mudanças funcionais e previdenciárias que atingem a categoria. “Leite é representante de Bolsonaro no Estado”, disse a sindicalista, referindo-se ao apoio dado pelo governador ao então candidato à Presidência Jair Bolsonaro no segundo turno de 2018.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.