Na manhã da quinta-feira, 10 de março, João (não é o nome verdadeiro dele) entrou, acompanhado de seus advogados, no 78º Distrito Policial, na Zona Sul de São Paulo. Lá, ele prestou um depoimento longo, acusando de fraude seus antigos empregadores, os sócios da MSK Invest. A empresa, que pediu Recuperação Judicial no dia 20 de abril, se apresenta como uma “assessoria de criptomoedas”. Ou seja, ela diz assessorar investidores interessados em criptoativos a fazer negócios. Para isso, ela tramita contas em exchanges. Por exemplo, a Binance, fundada pelo empresário sino-canadense Changpeng Zhao.

As acusações de João contra os sócios da MSK são graves. A empresa captou centenas de milhões de reais de milhares de investidores em criptomoedas. No início deste ano, houve problemas com os pagamentos. A MSK prometeu pagar, perdeu o prazo, prometeu de novo e perdeu o prazo. Os clientes de João (e todos os demais) começaram a perder a paciência. Ele tentou ajudá-los. No Boletim de Ocorrência a que DINHEIRO teve acesso, João disse que a MSK se prontificou a pagar vendendo um grande lote de bitcoins de seus sócios. Porém, a MSK informou também ter “problemas” para movimentar o dinheiro.

Para ajudar na solução, João permitiu que a empresa usasse suas contas pessoais em bancos e na Binance para as transações. Com isso, tramitaram alguns milhões de reais pelas contas de João. Incluindo dinheiro de duas empresas suspeitas de atividades ilícitas. João prestou seu depoimento como testemunha protegida porque alguns dos clientes lesados já o ameaçavam de morte. Sua advogada, porém, não se incomoda em aparecer. “É um caso claro de lavagem de dinheiro por meio de empresas fantasma”, disse a advogada Elaine Keller. A Binance é culpada dos problemas de João? “Não diretamente”, disse Elaine. “A Binance não fez nada ilícito. Porém, o fato de ela não conhecer bem seus clientes permitiu que isso ocorresse.”

O que pode ser considerado um elemento de argumentação de uma advogada encontra respaldo nos representantes do setor. Segundo Bernardo Srur, um dos diretores da ABCripto, associação das exchanges brasileiras de criptomoedas, o fato de esse mercado ser muito mais novo que o de serviços bancários exige que os participantes fiquem muito mais atentos aos controles. “Atualmente, os maiores problemas regulatórios do setor são o combate à fraude, à lavagem de dinheiro”, disse Srur.

PIRÂMIDE Glaidson Acácio dos Santos, o Faraó do Bitcoin, movimentou milhões em criptomoedas. (Crédito:Divulgação)

Um caso mais famoso que o da MSK foi o do ex-garçon Glaidson Acácio dos Santos, o Faraó do Bitcoin. Relembrando, Santos montou, no Rio de Janeiro, uma pirâmide financeira usando criptomoedas que levantou milhões de reais de investidores. Eles perderam quase tudo e Santos segue preso. As transações, de responsabilidade de Santos e de seus cúmplices, assim como as dos sócios da MSK, foram processadas em contas da Binance. “A governança da empresa não era boa, e isso impediu a rastreabilidade do dinheiro”, disse Srur. “Isso foi a origem de vários problemas.”

MUDANÇA NA LEI A Binance fez algo irregular no caso da MSK e no do Faraó do Bitcoin? Pela letra fria da lei, não. Mas apenas pelo fato de não haver uma legislação específica sobre o caso. Segundo Srur, boa parte desses problemas será resolvido com a aprovação, pelo Senado, de um Projeto de Lei para regulamentar as práticas com criptoativos. O PL 4.401/2021, que tramita na Câmara dos Deputados desde 2015 e foi aprovado pelos deputados em abril deste ano, não só define os princípios de atuação como também vai colocar o sistema sob a fiscalização do Banco Central (BC), assim como ocorre com os bancos e todos os demais participantes do Sistema Financeiro Nacional. Ele vai, por exemplo, obrigar as empresas que operam no Brasil a ter autorização do BC, algo que não ocorre hoje. E colocar problemas como os que ocorreram a cargo de um velho conhecido, o Artigo 171 do Código Penal — o famoso estelionato.

Procurada, a Binance — que está sendo investigada nos Estado Unidos — informou que “é totalmente comprometida com compliance” e que “atua em total acordo com o cenário regulatório do Brasil (…) e mantém permanente diálogo com as autoridades locais para desenvolvimento do setor no Brasil e no mundo.” A empresa informou também que trabalhou “com a Polícia Federal para levar Glaidson Acácio dos Santos à Justiça em 2021, congelando suas contas e identificando fluxos de receita potencialmente ilícitos em várias plataformas no mundo todo.”