Três anos atrás, o procurador da República Deltan Dallagnol rejeitou um caso “com potencial” porque planejava uma viagem para a Indonésia que já estava paga.

Foi convencido de aceitar o caso quando seus colegas disseram que uma equipe de procuradores cuidaria do expediente até o seu retorno.

Com 33 anos, ele acabava de terminar seus estudos em Harvard e decidiu assumir a investigação que logo levaria ao maior escândalo de corrupção da história do país.

Dallagnol, hoje com 37 anos, é surfista amador e um homem de forte religiosidade. No Twitter, se apresenta como “Seguidor de Jesus. Marido e pai apaixonado. Procurador da República por vocação”.

Ele chefia a chamada “Força Tarefa”, um grupo de procuradores que conseguiu resultados inéditos ao desvendar os canais obscuros que financiam a política e que apenas com a estatal Petrobras movimentaram mais de 2 bilhões de dólares.

A “Lava Jato avançou por duas razões: um novo modelo de investigação (com a colaboração de criminosos em troca de uma redução de suas condenações) e por uma série de fatores aleatórios fortuitos, frutos da sorte, que se não houvessem acontecido é provável que esse caso não existisse”, declarou em entrevista à AFP em seu escritório de Curitiba (sul) na tarde de quinta-feira (26).

O delator acidental

“Sorte? Pergunta pela sorte? Poderia conversar 20 minutos sobre isso”, afirma, sorridente, enquanto relata o episódio que levou à prisão por acaso de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras e o primeiro “delator premiado”.

No fim, ele se revelaria a ponta do iceberg que revelou a rede político-empresarial que drenou a Petrobras por uma década e que começou com uma inspeção de rotina.

Costa não era procurado pelas autoridades. Alberto Youssef, um doleiro operador do mercado negro de câmbio, sim.

A Polícia deparou-se com um e-mail demonstrando que Youssef havia dado um carro a Costa a troco de nada e foi ao escritório do ex-executivo questionar essa ligação. Como o local estava fechado, foram buscar as chaves e, contrariando o procedimento, deixaram o lugar sem vigilância.

Quando retornaram, o porteiro do prédio afirmou que havia visto “movimentos estranhos”, lembra Dallagnol. Decidiram analisar as imagens das câmeras de segurança e constataram um agitado grupo de pessoas – familiares de Costa – que subia e descia levando documentos, papéis e dinheiro.

“Isso colocou Costa no centro da investigação. E ele foi a ponta que revelou o esquema da Petrobras, o grande esquema de desvio de recursos públicos”, indicou. “Foi algo absolutamente fora do nosso controle”.

Juízes firmes

Outro golpe de sorte, segundo Dallagnol, foi a designação dos juízes. Todos os sorteados para o caso nas quatro instâncias “são firmes”, garante.

Em sua visão, se tivessem sido sorteados juízes com uma visão “hipergarantista” da lei, que supervaloriza os direitos do acusado e que é contrária às prisões, o caso teria naufragado.

O mais visível deles é o juiz de primeira instância Sérgio Moro, que, para muitos, personifica o combate à corrupção sistêmica da política brasileira.

Mas tanto Moro quanto Dallagnol são questionados por supostamente abusar das prisões preventivas ou induzir os presos a firmar acordos de cooperação, um ato que deveria ser voluntário.

Uma estratégia que aparentemente tem dado resultados. A delação premiada de 77 ex-executivos da construtora Odebrecht, em fase de consolidação, deveria “duplicar” o número de investigados, segundo o procurador.

“Estamos investigando milhares de delitos bilionários praticados por centenas de pessoas”, acrescentou. Até à data, há 259 denunciados e dezenas de políticos e empresários condenados a penas de prisão.

‘Não é uma cruzada moral’

“A ‘Lava Jato’ não é uma cruzada moral”, defende-se o procurador quando perguntado sobre a possível influência de sua fé batista em seu trabalho.

“Temos no Brasil uma regra de impunidade. Uma pesquisa mostrou que o porcentual de corruptos punidos é de 3%. A ‘Lava Jato’ aparece como uma ilha de justiça e de esperança num mar de impunidade”, aponta.

Afeito a grandes metáforas para enfatizar suas denúncias, Dallagnol prefere a moderação na hora de medir o impacto que a investigação terá sobre a institucionalidade e a política do país.

“Algumas pessoas tendem a acreditar que haverá um antes e um depois da ‘Lava Jato’. Casos criminais não mudam o país. São capazes de promover a punição de algumas pessoas, de recuperar o dinheiro desviado, mas se não houver uma mudança das estruturas que levam à corrupção, de nada adianta”, afirma.

E sobre o futuro da investigação, ele acredita que a Lava Jato “já adquiriu consistência e acho improvável que caia fácil pelas mãos de um juiz. Porque é uma investigação feita com cuidado, com provas fortes (…) Isso atrai uma certa proteção”.