Dólar acima de R$ 4, economia em marcha lenta, chegada de novos competidores, mudanças na legislação e incertezas geradas pela falência da Avianca Brasil. A combinação de todos esses fatores sinalizou, nos últimos meses, fortes turbulências no radar das três principais empresas áreas que atuam no País: Latam, Gol e Azul. Mas não passou de um alarme falso. O mercado aéreo, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), está ganhando altitude.

No segundo trimestre deste ano, as brasileiras do setor registraram lucro de R$ 194,1 milhões, e reverteram o prejuízo de R$ 1,6 bilhão contabilizado no mesmo período de 2018. “Os números foram surpreendentes diante de uma conjuntura de aumento de custos para as companhias e fraca demanda por voos, especialmente no segmento corporativo, o mais rentável e importante para os resultados financeiros”, afirma o economista e consultor Marco Antonio Tavares, especialista em setor aéreo. “Fica evidente que os ajustes operacionais promovidos pelas empresas foram fundamentais para essa virada.”

A empresa que melhor simboliza a guinada do mercado é a Latam, maior companhia área da América Latina, criada a partir da fusão da brasileira TAM com a chilena LAN, em 2012. Em menos de uma semana, o CEO Jerome Cadier fez dois importantes anúncios, que devem ajudar a redesenhar o mapa da aviação: a venda de 20% do capital do grupo para a americana Delta Airlines, por US$ 1,9 bilhão (aproximadamente R$ 8 bilhões), e a criação de um novo programa de fidelidade, o Latam Pass, que já nasce como o quarto maior do segmento no mundo. “Agora conseguiremos ofertar melhores condições, sobretudo em voos para o exterior”, disse o executivo, durante o lançamento do programa, na segunda-feira 30.

O novo Latam Pass unifica os antigos programas Multiplus e Latam Fidelidade e adota a mesma marca já utilizada nos demais cinco países nos quais o grupo atua. A companhia garante que, embora seja uma importante estratégia para turbinar seus negócios em toda a região, para os passageiros as regras para acúmulo de pontos e resgate de passagens continuarão as mesmas. A Latam promete ainda lançar mais promoções para facilitar o resgate de bilhetes com o uso de pontos. “O programa foi concebido com base no pedido dos passageiros e participantes do programa, que queriam uma simplificação”, disse Fabrício Angelin, diretor do Latam Pass no Brasil. “Juntamos o melhor do Latam Fidelidade e da Multiplus em um só programa, agora muito focado no resgate aéreo, preferência de 85% dos clientes, e com muito mais promoções”, afirmou (leia mais na entrevista ao final da reportagem).

Embora o novo programa de fidelidade traga horizontes promissores para a companhia, a entrada da Delta na composição acionária tem sido o grande destaque do noticiário mundial. O negócio faz a Delta superar a principal concorrente, a American Airlines, e rivais globais de peso na Ásia e na Europa. Juntas, Delta e Latam voam para 435 destinos, 131 a mais, por exemplo, do que a Turkish Airlines, a empresa aérea com sede em Istambul e maior número de conexões no mundo. O negócio anunciado na última semana representa mais um passo no plano de se tornar o maior grupo de aviação do mundo. A Delta já detém participações importantes em companhias como Aeroméxico, Air France-KLM, China Eastern, Korean Air e Virgin Atlantic. Desde o ano passado, está em negociação para a compra de uma fatia da Alitalia. Agora, a americana ganha uma parceria robusta na América do Sul. “A Delta buscou um parceiro que agregasse a ela conectividade e destinos brasileiros”, afirmou Cadier.

Foco na liderança: o CEO da Latam, Enrique Cueto, afirma que aliança com a Delta aumenta a conectividade e fortalece a empresa na liderança regional (Crédito:Ed Turner/Divulgação)

Pelo acordo está previsto investimento de US$ 350 milhões para ampliar as sinergias com a Latam. A Delta já adiantou que vai adquirir quatro aviões Airbus A350 da frota de longo curso da Latam, além de outros dez jatos que ainda serão entregues à companhia. Segundo Cadier, o ajuste será fundamental para evitar que aeronaves fiquem ociosas diante de mudanças feitas para melhorar o aproveitamento dos Boeing 777 que compõem sua frota.

As cifras e o detalhamento de parte do plano agradaram. No dia do anúncio, os papéis da Latam em Nova York e no Brasil subiram 47%. A Delta possui uma das mais robustas e capilarizadas malhas aéreas do mundo, a partir de seu principal hub de operações em Atlanta. A companhia opera também bases importantes em Detroit, Los Angeles, Minneapolis, Nova York e Salt Lake City. “A Latam passará a ter acesso a um conjunto e estruturas e tecnologias da Delta que estão no estado da arte da aviação comercial no mundo. Isso será um diferencial para ela na concorrência doméstica”, destacou Volney Aparecido de Gouveia, economista e professor do curso de Ciências Aeronáuticas da Universidade de São Caetano do Sul, em São Paulo. “A decisão melhora a posição da Latam na concorrência com a Gol e a Azul no mercado doméstico.”

Ganhar musculatura no mercado doméstico é, sem dúvida, a grande preocupação da Latam. Em agosto, pelos cálculos da Anac, a companhia deteve 35,9% de participação de mercado em rotas nacionais, atrás da Gol, com 38,2%. A Azul, que incorporou a maior parte dos voos da extinta Avianca Brasil, respondeu pela fatia de 25,5%. Nos voos internacionais, no entanto, as posições se invertem, e a Latam voa muito mais alto que os concorrentes. Enquanto a empresa domina 68,7% das rotas para o exterior, Azul e Gol detêm 18% e 13,3%, respectivamente. “A aliança com a Delta fortalece nossa empresa e nossa liderança na América Latina, ao oferecer a melhor conectividade por meio de nossas redes de rotas que são altamente complementares”, disse, em comunicado, o presidente da Latam, Enrique Cueto Plaza.

O aporte da Delta chega em um momento em que céus brasileiros têm sido invadidos por companhias aéreas estrangeiras, animadas com o sinal verde para a participação delas em até 100% do capital de empresas brasileiras e a possibilidade de operar também voos domésticos. A espanhola Air Europa foi a primeira a pedir à Anac autorização para isso e aguarda resposta para estruturar sua operação por aqui. “A abertura ao capital estrangeiro nas companhias aéreas brasileiras está despertando o interesse não apenas das low costs, mas também de companhias tradicionais”, afirmou David Goldberg, da consultoria especializada em aviação Terrafirma.

O negócio entre Latam e Delta afeta diretamente a Gol, que tem a companhia americana como sócia de 9% do capital. A fatia será vendida. Mas a Gol tentou minimizar os impactos. Em nota, a companhia destacou que o compartilhamento de voos com a companhia americana representa apenas 0,3% da receita total e 3,5% dos resgates de pontos do programa Smiles. A companhia disse ainda que todos os clientes que compraram passagens de voos compartilhados por Gol e Delta terão seus bilhetes honrados normalmente. Outro efeito-colateral do negócio é a saída da Latam da aliança Oneworld, liderada pela American Airlines, rival da Delta no mercado americano. Por enquanto, a Latam Brasil não deve ingressar na SkyTeam, aliança que tem a Delta e empresas europeias como KLM e Air France (também sócias da Gol). De acordo com Cadier, a estratégia no período será fortalecer acordos com outras empresas. “Deveremos ter uma definição de code share com a Delta dentro de 120 dias, e o acordo completo será implementado entre 18 a 24 meses.”

VETO CHILENO A compra é o maior investimento da Delta desde a fusão com a Northwest Airlines, em 2008. Ainda assim, a Delta vinha realizando nos últimos anos uma série de aquisições menores visando a expansão para novos mercados, comprando participação em empresas como a mexicana Aeromexico, a europeia Air France-KLM e a sul-coreana Korean Air Lines. A American Airlines também estava interessada em comprar uma participação na Latam, com quem já tinha um acordo de transporte de passageiros. American e Latam tentavam havia meses um acordo semelhante ao anunciado com a Delta. No entanto, as negociações foram vetadas pela Justiça do Chile, onde fica a sede da Latam, em decorrência da concentração de voos das duas companhias em rotas para os Estados Unidos.


ENTREVISTA

“Estamos dispostos a crescer no Brasil, mesmo com a entrada de novos players”

Fabrício Angelin, diretor do Latam Pass no Brasil

Divulgação

Qual é a avaliação da companhia sobre o atual momento da aviação comercial no Brasil, com a entrada de novos players?
Acreditamos no Brasil e no produto que oferecemos aos clientes. Anunciamos investimento US$ 500 milhões na renovação dos nossos produtos e serviços. Metade desse montante tem como foco a operação da Latam no Brasil. Além disso, investimos quase US$ 300 milhões para incorporar a Multiplus e criar o Latam Pass, que já nasce como o quarto maior programa de fidelidade do mundo. Também trabalhamos para tornar a Latam a companhia aérea mais pontual do Brasil. Somente neste ano, abrimos 11 novas rotas domésticas no País e outras sete novas rotas internacionais. Todos esses números e investimentos dão uma medida do quanto estamos dispostos a crescer no Brasil, mesmo com a entrada de novos players.

O que muda com chegada da Delta?
Nossa aliança estratégica com a Delta significa que vamos crescer juntos, criando a melhor conectividade de voos das Américas e uma experiência de viagem cada vez melhor para os passageiros. Estamos muito orgulhosos com esta aliança porque ela combina as forças das principais companhias aéreas do continente. Voaremos para mais de 435 destinos em todo o mundo e vamos transportar mais passageiros entre a América do Norte e a América Latina do que qualquer outra aliança.

Por que a Latam decidiu criar um novo programa de fidelidade?
O ano de 2019 é importante para a companhia porque marca uma série de entregas para a experiência do cliente. Nas conversas periódicas que temos com nossos passageiros, percebemos que existem três pontos importantes para a tomada de decisão: malha aérea, produto e programa de fidelidade. Neste cenário, já investimos em novas rotas, apresentamos cabines remodeladas de nossos aviões, nos tornamos a empresa mais pontual do Brasil. Agora, investimos no Latam Pass, pilar estratégico para o cliente e, portanto, para a companhia. Juntamos o melhor do Latam Fidelidade e da Multiplus em um só programa, agora muito focado no resgate aéreo, preferência de 85% dos clientes, com muito mais promoções.

Quais são as metas para o Latam Pass?
Com o novo programa, temos o objetivo de ampliar ainda mais o acesso dos clientes aos voos da Latam por meio da união de três grandes atributos: o mais vantajoso resgate, a oferta até o último assento disponível da aeronave e a malha aérea que mais conecta a região com o mundo. Queremos, portanto, que o nosso cliente chegue até o fim da jornada e aproveite o programa. Ou seja, que realize o resgate de seus pontos.

Com a unificação, qual o benefício de ganho de escala com o novo programa?
Continuaremos incentivando o acúmulo de pontos, claro, pois é importante que o cliente tenha pontos para utilizar, mas nosso grande foco é o resgate. Resgate de produtos e, principalmente, o resgate de passagens aéreas.