A Justiça de São Paulo autorizou a gestão do prefeito João Doria (PSDB) a retirar usuários de drogas à força da região da Cracolândia para submetê-los a avaliação médica. Em decisão liminar, o juiz Emílio Migliano Neto, da 7.ª Vara da Fazenda Pública, ressalta que a internação compulsória dos viciados, no entanto, continuará dependendo de aval do Judiciário para cada paciente, conforme prevê a legislação federal.

A sentença provisória acolhe pedido da Prefeitura feito na terça-feira, dois dias após ação policial na Cracolândia que prendeu traficantes e dispersou os usuários. Embora secretários de Doria tenham afirmado publicamente que a intenção original da demanda à Justiça era poder hospitalizar dependentes químicos sem precisar de autorização judicial caso a caso, a Prefeitura informou ontem que nunca pleiteou aval para internação compulsória em massa, como Promotoria e Defensoria Pública haviam interpretado e criticado. Ambos disseram que vão recorrer da decisão de ontem.

O teor da liminar não foi divulgado porque o magistrado decretou segredo de Justiça no processo, mas o Estado apurou que ela autoriza a abordagem apenas de dependentes maiores de 18 anos que estiverem na região da Cracolândia. A decisão também determina que somente agentes de saúde e do serviço social da Prefeitura, com apoio da Guarda Civil Metropolitana (GCM), poderão realizar a ação. Após a apreensão, os usuários devem ser levados para avaliação de psiquiatras para saber se a internação compulsória é necessária.

A autorização é válida por 30 dias, a partir da expedição do mandado, que deve ocorrer no início da próxima semana. Na prática, o juiz deu prazo de experiência para avaliar a eficácia da medida no tratamento de dependentes químicos pela gestão Doria. Esse prazo poderá ser prorrogado ou não, mediante novo pedido da Prefeitura.

Como o aval para a busca e a apreensão de usuários para exame foi circunscrito à região da Cracolândia, no centro de São Paulo, os agentes da Prefeitura não poderão retirar à força viciados que estiverem em outras áreas da cidade, como na Avenida Paulista, onde a GCM registrou 200 dependentes na madrugada de ontem.

O secretário municipal da Saúde, Wilson Pollara, afirmou que os critérios de escolha de quais usuários serão abordados e dos métodos de contenção dos dependentes ainda não foram definidos pela gestão. “Estamos estabelecendo todos os protocolos. Vamos discutir isso amanhã (hoje) em um almoço com a presença do prefeito e de toda a equipe do projeto Redenção. Vai ser algo definido por psiquiatras”, disse.

Embora as regras de abordagem ainda não tenham sido desenhadas, Pollara afirmou que as avaliações compulsórias deverão começar o mais rápido possível. “O juiz só nos deu 30 dias. Temos de fazer rápido.”

Segundo o secretário, a expectativa é de que 10% do “fluxo” de viciados, estimado em 800 pessoas, seja alvo do formato de abordagem forçada. “Serão as pessoas com alteração psiquiátrica grave, que se negam a receber avaliação médica. Estimamos que aproximadamente 70 a 80 pessoas estejam nessa condição na Cracolândia.”

Em nota, a gestão Doria afirma que a busca e a apreensão de usuários “é um instrumento a ser utilizado em última instância e com total respeito aos direitos humanos”. Para o promotor Arthur Pinto Filho, da Saúde Pública, o pedido da Prefeitura é “esdrúxulo”, “genérico” e “sugere caçada humana” a pessoas que vagam pelas ruas. O Ministério Público Estadual classificou a medida como “retrocesso” e “uma afronta à Lei Antimanicomial”.