Um brasileiro que aplicou R$ 100,00 na caderneta de poupança há dez anos tem hoje R$ 198,03 em sua conta. No mesmo período, ao ficar negativo em R$ 100,00 no cheque especial, acumulou uma dívida de R$ 4.394.136,97. É com essa informação simples e chocante que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) pretende mobilizar a sociedade contra os juros altos cobrados pelos bancos. Para isso, a entidade vai utilizar um sapo como símbolo, numa tentativa de repetir o sucesso do pato, que serviu de bandeira contra o aumento de impostos nos últimos anos. Ao lançar luz sobre um dos mais graves problemas econômicos do Brasil, a campanha possibilitará um amplo debate sobre os entraves à verdadeira queda de juros no País, tanto para consumidores quanto para empresas. Não há uma receita única nem simples, mas os empresários afirmam que o grande problema está na excessiva concentração bancária.

Nos últimos dois anos, a taxa básica anual de juros (Selic) despencou de 14,25% para 6,75%. Descontada a inflação esperada para os 12 meses seguintes, a taxa real caiu de 6,79% para 2,89% no mesmo período, segundo levantamento da Infinity Asset Management. A redução fez com que o Brasil saísse da incômoda liderança mundial dos juros reais básicos e ocupasse a quinta colocação. “Acontece que os juros cobrados do consumidor e das empresas continuam sendo os maiores do mundo”, afirma Paulo Skaf, presidente da Fiesp. “O que os bancos cobram é um convite para ninguém consumir nem investir.” Um ranking elaborado pelo Banco Mundial mostra que o Brasil não apenas tem a maior taxa de empréstimo do planeta como ela é mais do que o dobro da cobrada na Argentina, a segunda colocada (confira o quadro comparativo “Liderança vergonhosa” abaixo).

Diante da enorme distorção, a Fiesp vai reunir, na terça-feira 13, dezenas de entidades em sua sede, na capital paulista, para dar início a uma campanha intitulada “Diga não aos juros mais altos do mundo”, com a hashtag #ChegadeEngolirSapo. A decisão de adotar um sapo como símbolo foi tomada a partir da experiência com o pato na campanha anterior, que impediu a recriação da CPMF e incutiu na sociedade uma ojeriza a qualquer tentativa de aumento de impostos. No auge do Fla x Flu político dos últimos anos, no entanto, o pato inflável da Fiesp acabou também sendo utilizado em todos os tipos de protestos nas ruas, inclusive contra a própria elite empresarial.

O pato: símbolo da campanha contra a alta de impostos também foi utilizado em protestos de rua (Crédito:Vanessa Carvalho/Brazil Photo Press)

Na sexta-feira 9, os leitores do site da DINHEIRO tiveram acesso, em primeira mão, aos detalhes da campanha, que vai espalhar sapos infláveis na Avenida Paulista, considerada o cartão-postal de São Paulo. Balões e sapos de plástico serão distribuídos nas portas das cerca de 40 agências bancárias da avenida, num claro recado de que a culpa dos juros altos é das instituições financeiras. Os panfletos que serão distribuídos durante a campanha comparam as taxas anuais cobradas no cartão de crédito (323%) e no cheque especial (334%) com a Selic (6,75%). “Por que bancos ainda cobram taxas de juros astronômicas e injustas no Brasil?”, indaga o texto impresso na cartilha. Há um ano, a taxa média cobrada de pessoas físicas e jurídicas era de 32,2% ao ano. Cada redução do juro médio em um ponto percentual significava a injeção na economia de R$ 30,8 bilhões em consumo e investimentos (confira quadro “Mais consumo e investimento” ao final da reportagem).

Na avaliação da diretoria da Fiesp, o principal problema é a concentração bancária. No ano passado, segundo os últimos dados do Banco Central (BC), os quatro maiores bancos – Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil e Caixa – eram responsáveis por 79% do total do crédito no País. Há 10 anos, respondiam por 55% “Não somos contra o lucro dos bancos, mas oligopólio não dá”, afirma Skaf (leia a entrevista ao final da reportagem). Procurada pela DINHEIRO, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) rebateu os argumentos do setor industrial. “A Febraban não endossa as análises que apontam na concentração bancária a causa das altas taxas de juros praticadas no País”, afirma a entidade, que preferiu responder às questões por escrito por meio de sua assessoria de imprensa. “O Brasil está sujeito a altos custos na intermediação financeira que escapam do controle das instituições financeiras e contribuem para elevar o spread bancário.”

A entidade que representa os bancos diz que “a concentração é algo comum no setor bancário do mundo todo. Essa não é uma característica unicamente brasileira e está ligada ao fato de que o setor é intensivo em capital e exige investimentos em montante elevado”. O BC concorda com a posição da Febraban, salientando que o único país que não têm concentração bancária na área de varejo são os Estados Unidos. “Há um falso entendimento de que concentração é igual à falta de competição”, diz Otávio Damaso, diretor de Regulação do BC. “No Brasil, não tem nenhuma barreira legal, no âmbito regulatório, para a entrada de players internacionais.” O diretor do BC salienta, no entanto, que as cerca de mil cooperativas de crédito existentes no País exercem um papel importante em mercados específicos, e prevê que, até abril, haverá uma regulamentação para as fintechs, que podem ampliar a concorrência. Quanto ao risco de os grandes bancos comprarem as fintechs, Damaso lembra que, recentemente, foi anunciado que o BC e o Cade trabalharão juntos para evitar concentração no setor.

Questionada sobre se o lucro dos bancos nas operações não é excessivo, a Febraban diz que “as taxas de juros altas não implicam, necessariamente, em maior rentabilidade do setor bancário. Além disso, spread bancário e lucro dos bancos não são sinônimos”. Por definição, o spread bancário é a diferença entre a taxa de captação dos bancos e a taxa que é cobrada dos clientes. A entidade ressalta que o spread nas operações de crédito com recursos livres nos empréstimos para pessoas físicas caiu de 61,7 pontos para 47,2 pontos nos últimos 12 meses. Desse total, 25% são lucros dos bancos e 75% correspondem aos custos. No ano passado, os quatro maiores bancos com ações em bolsa de valores – Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander – lucraram R$ 57,6 bilhões, alta de 14,6% em relação a 2016, segundo levantamento da Economatica. Na avaliação da Fiesp, se trata de uma rentabilidade desproporcional em relação a outros setores da economia brasileira.

Para tentar mostrar que o lucro do setor não é excessivo, a Febraban contratou a consultoria Accenture, que elaborou uma pesquisa sobre as cinco maiores instituições existentes em vários países. A constatação foi a de que o Brasil tem, de fato, um dos maiores spreads do mundo. Porém, isso não seria válido para a rentabilidade dos bancos. No País, a rentabilidade média dos cinco maiores bancos é de 16,2%, índice superior ao da Colômbia (14,8%), mas inferior ao do Chile (17,8%). Com relação aos elevados custos na intermediação financeira, a Febraban cita uma lista de problemas: inadimplência, depósitos compulsórios, carga tributária e gastos operacionais com segurança e pessoal.

Existe no Brasil, há décadas, um debate interminável sobre a relação causa e efeito entre juros e inadimplência. Para os bancos, os juros são altos porque a inadimplência é elevada, ou seja, o risco de calote justifica a adoção prévia de taxas elevadas. Para os empresários, a inadimplência é alta porque os juros são elevados, ou seja, se os bancos cobrassem menos juros, haveria menos calotes. “Será que o brasileiro é tão mais inadimplente do que o colombiano?”, indaga André Rebelo, assessor de assuntos estratégicos da presidência da Fiesp. “Será que a retomada de um bem é tão mais fácil no Peru do que no Brasil?” Tanto a Colômbia quanto o Peru têm juros bem menores que os do Brasil. Para a Febraban, há uma “extrema dificuldade na recuperação de garantias em empréstimos não pagos”, o que aumenta o custo da operação.

Nesse quesito, o BC evita entrar na polêmica e aponta o cadastro positivo como a solução para reduzir os juros dos empréstimos. “Hoje, a própria instituição financeira não conhece bem para quem ela está emprestando”, diz Damaso. “Então, o que ela faz? Ela coloca uma taxa igual para quem tem histórico ótimo e para quem tem histórico irregular.” A aposta do BC é a de que o cadastro positivo possibilitará a adoção de juros menores para quem é bom pagador. Com a invasão dos sapos na rua, a Fiesp pretende angariar o apoio da população, que não tem mais estômago – nem bolso – para engolir tantos juros. Indagado sobre se os banqueiros seriam bem-vindos no lançamento da campanha, na terça-feira 13, Skaf imediatamente respondeu: “Lógico! Eles podem vir e serão bem-vindos. Vou convidá-los, mas eles não virão.”


“Há um falso entendimento de que concentração é igual à falta de competição”

Otávio Damaso, diretor de regulação do Banco Central (BC)

Quatro bancos concentram 79% do crédito. Não falta concorrência?
Há um falso entendimento de que concentração é igual à falta de competição. Em quase todos os países, existem poucos bancos de varejo.

Ter mais competidores não seria bom?
É bom, é positivo, enquanto o mercado continuar eficiente, porque um número excessivo de players pode ser prejudicial. Não estou dizendo que é nosso caso.

Existem barreiras para a entrada de bancos internacionais?
Não tem nenhuma barreira legal, no âmbito regulatório.

Como aumentar a concorrência?
Há cerca de mil cooperativas em localidades e nichos específicos Isso é importante. Outro movimento é o de inovação. Uma proposta de regulamentação das fintechs deve ser publicada em abril.

Como evitar que os grandes bancos comprem as fintechs?
O nosso papel é o de controlar os riscos sistêmicos. Foi anunciado recentemente que o BC e o Cade vão trabalhar juntos.

Qual a relação entre a inadimplência e os juros altos?
O patamar da inadimplência não tem a ver com a questão do patamar dos juros. Um dos principais itens da nossa agenda é o cadastro positivo. Hoje, a própria instituição financeira não conhece bem para quem ela está emprestando. Então, o que ela faz? Ela coloca uma taxa igual para quem tem histórico ótimo e para quem tem histórico irregular.


“Não somos contra o lucro dos bancos, mas oligopólio não dá”

Paulo Skaf, presidente da Fiesp

Qual o foco principal da campanha?
O foco é reduzir os juros na ponta e o spread bancário. A Selic caiu, mas acontece que os juros cobrados do consumidor e das empresas continuam sendo os maiores do mundo. O que os bancos cobram é um convite para ninguém consumir nem investir. É um convite para quebrar as famílias e as empresas.

Como reduzir os juros na ponta?
Não há uma única receita. Mas, com certeza, é preciso diminuir a concentração bancária. Não somos contra o lucro dos bancos, mas oligopólio não dá.

Qual o papel do Banco Central?
O Banco Central tem o papel de estimular a concorrência entre os bancos, atraindo mais instituições. Quando se tem pouca concorrência, o preço é alto. No caso, os juros.

Por que não temos mais bancos estrangeiros operando no Brasil?
Deve ter barreira, deve haver dificuldade. Com o tamanho do lucro dos bancos no Brasil, os estrangeiros não iriam querer vir pra cá? É difícil quebrar um oligopólio. E mais: por que os bancos brasileiros não vão disputar mercado nos Estados Unidos? Porque lá o lucro é bem menor. Eles preferem ficar lucrando aqui.

A inadimplência alta justifica a cobrança de juros altos?
Claro que não. É o contrário. A inadimplência cresce porque os juros são absurdos. O pato foi um sucesso contra o aumento de impostos. Espero que o sapo vire o símbolo da indignação das pessoas em relação aos juros altos.

Colaborou: Leonardo Motta