Escassez de mão de obra, preços inflacionados das matérias-primas, cenário de baixo crescimento em 2022 e, principalmente, juros em alta. As perspectivas econômicas para o ano que vem ameaçam interromper o ciclo de bonança vivido pelas incorporadoras nos últimos três anos. A alta da Selic, que está em 7,75% e deve passar de 11% no ano que vem, tende a drenar a liquidez do setor de construção. Além de devolver recursos para a renda fixa, juros em alta afugentam tomadores de empréstimos.

Na avaliação do economista Eduardo Giannetti, o setor vai atravessar um momento delicado, uma vez que a concessão de crédito vai diminuir e a conjuntura macroeconômica vai piorar no ano que vem. “A tempestade perfeita às avessas que o setor imobiliário viveu na pandemia acabou”, afirmou Giannetti, durante o Abecip Summit, na terceira semana de novembro. Para ele, com aumento de juros, desaceleração do crescimento, inflação alta e incerteza fiscal, termina o período favorável. Estamos num processo de deterioração permanente das contas públicas. Esse diagnóstico é endossado pelo presidente do Sindicato da Habitação em São Paulo (Secovi-SP), Basílio Jafet. Para ele, o setor vai enfrentar um ou dois anos difíceis. “Ainda há um grande déficit habitacional, especialmente nas maiores cidades, com a necessidade de construir 1,5 milhão de novas moradias por ano, mas os fatores negativos puxados pelos juros vão atingir o crescimento.”

A expectativa da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) é de estagnação para o setor em 2022. “O ano que vem será desafiador, mas, além de uma demanda reprimida, pode ser que as pessoas procurem por imóveis como reserva de valor para não depender da volatilidade do mercado financeiro”, disse o vice-presidente da CBIC, Celso Petrucci. “Prevejo números de vendas de imóveis próximos aos deste ano.” Um cenário bem diferente do de 2021, quando a projeção da CBIC foi elevada de 2,5% para 4%, o melhor resultado desde 2013.

“Os juros afetam menos os tomadores do mercado de baixa renda porque a formação de taxas vem do funding do FGTS e, por isso, temos recursos e taxas ” Luiz Antonio França presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras.

Os números mostram que a alta dos juros, de forma rápida e intensa, tem sido vista como um veneno para o mercado da construção. Isso é mais perceptível nos imóveis de menor valor. A economista e coordenadora de Projetos da Construção do FGV/Ibre, Ana Maria Castelo, fez as contas tomando como exemplo um financiamento de R$ 200 mil e demonstrou as dificuldades para o setor. Em primeiro lugar, a prestação aumenta. Segundo cálculos da economista, em outubro de 2020, quando os financiamentos custavam em média 8% ao ano, a prestação inicial era de R$ 1.381,77. Seis altas consecutivas na Selic depois, as taxas chegam a 8,99% ao ano. Apesar de o aumento não chegar a um ponto porcentual, o valor da prestação ficou 8,3% mais alto, em R$ 1.496,61.

A alta dos juros não encarece apenas as prestações. Para calcular os riscos do crédito imobiliário, os bancos consideram a renda mensal do comprador. Juros mais altos exigem uma renda maior. Ainda segundo os cálculos de Ana Maria, se a taxa subir de 8% para 8,99% a renda mínima exigida vai aumentar de R$ 5,89 mil para R$ 6,65 mil. A alta será de 12,9%, considerando que cada prestação pode representar até 30% da renda mensal.

A retomada de lançamentos após a pandemia contou não só com o crédito abundante, mas também com a folga de caixa das incorporadoras. Capitalizadas, elas puderam reduzir sua dependência dos bancos e financiar diretamente o comprador pelo menos durante o período de construção. A alta das taxas elevou os riscos deste momento de transição, segundo a economista da FGV. “As famílias que compram imóveis novos podem ter uma surpresa ruim na hora da entrega do apartamento com o repasse do financiamento em taxas mais elevadas”, disse ela.

Claudio Belli

“A tempestade perfeita às avessas que o setor imobiliário viveu na pandemia acabou” Eduardo Gianetti Economista.

BAIXA RENDA Nem tudo são problemas, porém. Quem pode injetar algum dinamismo nos canteiros de obra em 2022 é o mesmo que terá o orçamento mais comprometido pela alta da inflação e dos juros: a baixa renda. Para o presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras (Abrainc), Luiz Antonio França, a população menos favorecida tem demonstrado resiliência nas últimas crises. “Os juros afetam menos os tomadores do mercado de baixa renda porque a formação de taxas vem do funding do FGTS e, por isso, temos recursos e taxas.” E, a partir de 2023, haverá mais dinheiro disponível. Segundo o diretor de regulação do Banco Central (BC), Otávio Damaso, a implementação da última etapa das normas prudenciais do setor financeiro de Basileia III, prevista para 2023, deve liberar em até R$ 6 bilhões em exigências de capit al dos bancos para a concessão de empréstimos imobiliários. “Será significativo”, o que vai beneficiar o setor, disse ele.