A juíza Marivalda Almeida Moutinho, afastada das funções por ordem do ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça na Operação Faroeste – investigação sobre suposto esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça da Bahia -, era um ‘corpo estranho’ nos dois fóruns onde deveria atuar. Segundo a investigação, quando Marivalda estava presente se fazia acompanhar de uma escolta ‘desproporcional e incomum’.

As informações constam de relatório com resultados de buscas e apreensões da Polícia Federal realizadas no dia 19 de novembro contra magistrados e advogados baianos. Por ordem de Og Fernandes, seis juízes foram alijados de suas funções por 90 dias, inclusive o presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, desembargador Gesivaldo Britto.

Dois magistrados estão presos, a desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago e o juiz Sérgio Humberto Quadros. A Operação Faroeste investiga venda de sentenças em processos de grilagem de 800 mil hectares de terras no oeste do estado.

No Fórum de Formosa do Rio Preto, município localizado a 1026 quilômetros de Salvador, os agentes da Polícia Federal encontraram o gabinete com ‘poucos documentos que remontem à presença’ de Marivalda Moutinho.

As câmeras de segurança mostraram que a última vez que a magistrada esteve presente no local foi no período de 21 a 25 de outubro. Na sala de audiências, os sinais de presença de Marivalda ‘são igualmente pouco perceptivos’.

As câmeras revelaram que a juíza se fazia acompanhar de uma equipe de dez pessoas, entre assessores e seguranças deslocados de Salvador em três veículos – um da própria meritíssima, além de um outro carro oficial e uma viatura ostensiva de segurança da Corte baiana. Todos ficam hospedados em um hotel da cidade.

Na ausência da juíza, os trabalhos ficam todos a cargo de sua assessora direta, que atua como uma espécie de ‘faz-tudo’ de Marivalda, aponta a PF. Isso inclui a interlocução pessoal ou por meio de e-mails com servidores dos cartórios cível e criminal do fórum de Formosa do Rio Preto.

“A análise conjunta das diligências, das apreensões e da exploração dos dados obtidos permite afirmar que a investigada Marivalda Almeida Moutinho se apresenta aos olhos dos servidores do Fórum da Comarca de Formosa do Rio Preto como um ‘corpo estranho’ com sua própria assessoria, fruto de uma espécie de ‘intervenção da Presidência do Tribunal de Justiça’ a partir de Salvador, cujo aparato de segurança ao seu redor se mostra ‘desproporcional e incomum’ diante da ausência de notícias, precedentes e históricos de ameaças e incidentes no Fórum da Comarca de Formosa do Rio Preto”, aponta a Polícia Federal.

Suspeição

Ao decretar o afastamento de Marivalda, o ministro Og Fernandes apontou que a juíza havia sido indicada pelo presidente do Tribunal de Justiça, Gesivaldo Britto, para atuar na comarca de Formosa do Rio Preto no lugar do juiz Sérgio Humberto de Quadros Sampaio.

Atualmente preso preventivamente na Faroeste, Sérgio Humberto levava ‘uma vida de luxo’, segundo os investigadores.

Marivalda é um dos alvos da investigação sobre supostas irregularidades na transferência de 366 mil hectares de terra ao borracheiro José Valter Dias.

Mesmo tendo sido alvo de suspeição no processo, a juíza ‘procurou, em poucos dias, cumprir o mister’ que lhe foi atribuída: confirmar, no mérito, a transferência.

Durante as buscas, uma escrivã do fórum relatou aos agentes que Marivalda ‘não aprovou’ sua conduta de prestar informações à Corregedoria do Tribunal de Justiça da Bahia sobre processos relacionados à suspeição da juíza.

Segundo o relatório da PF, a ‘exceção de suspeição em comento não foi enviada ao Tribunal de Justiça da Bahia por conta de conduta’ da magistrada.

Na Comarca de Formosa do Rio Preto foram encontradas sete folhas de papel A4 com relação de processos que citavam José Valter Dias.

“A magistrada Marivalda Almeida Moutinho está como a cumprir uma missão dada pela Presidência do Tribunal de Justiça da Bahia, a magistrada parece suportar por motivos dignos de apuração ter que trabalhar na Comarca de Formosa do Rio Preto”, aponta a PF.

Santa Rita de Cássia

Cenário semelhante envolvendo a juíza foi identificado pelos federais durante buscas no Fórum de Santa Rita de Cássia, município localizado a 870 quilômetros de Salvador.

Segundo a administradora da comarca, a juíza ‘aparece apenas uma vez por mês, em um único dia incerto, para atender advogados e despachar os expedientes’.

Assim como em Formosa do Rio Preto, Marivalda aparece acompanhada de policiais militares ‘designados pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia’ mesmo que não haja informações de ameaças ou atos que justifiquem a presença do aparato policial.

“No gabinete destinado ao magistrado da comarca não havia documentos, agendas e livros. Estava tudo bem limpo e organizado, demonstrando que de fato a sala estava a espera de um ocupante fixo. Os documentos encontrados no armário de chão eram muito antigos, sendo o mais recente de 2010”, detalha a PF.

Segundo funcionários da própria comarca, a juíza era pouco conhecida e ficava mais tempo em Formosa do Rio Preto. Segundo uma servidora que tinha mais contato com Marivalda, a magistrada apenas despachava causas comuns em Santa Rita, deixando ‘as mais complicadas’ a uma assessora que a acompanhava.

A reportagem entrou em contato, via e-mail, com as comarcas de Formosa do Rio Preto e Santa Rita de Cássia, além do e-mail funcional da juíza Marivalda Moutinho. A defesa da magistrada não foi localizada. O espaço está aberto para manifestação.

Quando a Operação Faroeste foi deflagrada, em novembro,o Tribunal de Justiça da Bahia declarou:

“O Tribunal de Justiça da Bahia foi surpreendido com esta ação da Polícia Federal desencadeada na manhã desta terça-feira (19/11/19). Ainda não tivemos acesso ao conteúdo do processo. O Superior Tribunal de Justiça é o mais recomendável neste atual momento para prestar os devidos esclarecimentos. A investigação está em andamento, mas todas as informações dos integrantes do Tribunal de Justiça da Bahia serão prestadas, posteriormente, com base nos princípios constitucionais.

Pelo princípio do contraditório tem-se a proteção ao direito de defesa, de natureza constitucional, conforme consagrado no artigo 5.º, inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes.”

Ambos são princípios constitucionais e, também, podem ser encontrados sob a ótica dos direitos humanos e fundamentais. Logo, devem sempre ser observados onde devam ser exercidos e, de forma plena, evitando prejuízos a quem, efetivamente, precisa defender-se.

Quanto à vacância temporária do cargo de presidente, o Regimento Interno deste Tribunal traz a solução aplicada ao caso concreto. O 1.º vice presidente, desembargador Augusto de Lima Bispo, é o substituto natural.”