A era dos grandes impérios globais talvez não esteja chegando ao fim, mas muitos players enxergam que se dividir para crescer pode ser a melhor opção. A Johnson & Johnson é um deles. Em novembro anunciou a repartição do seu conglomerado em duas empresas de capital aberto, movimento que deverá ser finalizado nos próximos dois anos. Ao cabo desse período, haverá uma gigante na área de produtos médicos e farmacêuticos e outra no segmento de produtos de consumo. O nome da centenária multinacional norte-americana passará a ser carregado pela companhia especializada no setor de saúde, que agrupará as já existentes operações farmacêutica e de tecnologia médica, com faturamento de US$ 79 bilhões em 2021. Já a divisão de consumo, mais popular, com marcas como Band-Aid, Listerine e Tylenol no portfólio, seguirá solo e sob um novo nome – ainda não anunciado. No ano passado, essa vertical gerou US$ 14,6 bilhões em vendas globalmente.

A aposta é que a especialização resolverá as assincronias entre os negócios. O setor de saúde enfrenta forte regulamentação e demanda altos investimentos em pesquisa e inovação, mas traz melhores margens em um ritmo de expansão acelerado. Já a briga das prateleiras tem mais concorrentes, como Unilever e P&G, e avança a passos lentos, mais suscetível às flutuações do mercado. Analistas, no entanto, questionam a decisão da Johnson & Johnson de unir a área farmacêutica, responsável pelos medicamentos de uso controlado e produção de vacinas, como a contra a Covid-19, com a área de equipamentos médicos. Para esses críticos, faltam casos semelhantes bem-sucedidos no mercado, o que se dá justamente pelas diferenças entre os setores.

Em entrevista à DINHEIRO, Gustavo Galá, presidente da Johnson & Johnson Medtech Brasil, explica que, no novo formato, as atuais unidades terão mais autonomia para seguir rumos diferentes e em seus respectivos segmentos. “Mas, em termos práticos, não prevejo impacto na operação, apenas mais foco para crescer”, disse. Há nove anos, a gigante farmacêutica Abbott fez um spin-off e gerou a AbbVie, que hoje é maior que a empresa original. A General Electric (GE) e a Toshiba Corp também seguiram na empreitada de desmembrar seus conglomerados para provar ao mercado financeiro — já fatigado dos grandes grupos com negócios díspares — a sua capacidade de se reinventar.

Cada uma das centenárias aposta em uma fórmula. No caso da japonesa, a pressão de investidores motivou a divisão em três: uma focada em energia e infraestrutura; a outra, em unidades de disco rígido e semicondutores; e uma terceira para cuidar da participação na empresa de chips de memória flash Kioxia Holdings e outros ativos. A GE fará a repartição em empresas focadas nas suas unidades de saúde, energia e aviação. Neste caso, o movimento é uma tentativa de superar a crise que a acompanha desde 2008. A Abbott, que atua no core da J&J, queria entre outras estratégias mitigar riscos com patentes e dependência de algumas linhas de produtos.

SAÚDE RECUPERADA A receita global da operação de tecnologia médica da J & J cresceu 17% em 2021, o melhor resultado entre as divisões da companhia. Para 2022, a perspectiva é aumentar o ritmo. (Crédito:Shapecharge)

Mitigar potenciais danos jurídicos ao negócio, aliás, acaba sendo muitas vezes um propulsor clássico nas corporações que decidem se dividir. No caso da Johnson & Johnson, a companhia enfrenta milhares de ações judiciais movidas nos Estados Unidos e no Canadá com acusações que associam o uso do seu talco a casos de câncer de ovário, um litígio que custa bilhões de dólares. As lideranças globais afastam, como seria esperado, qualquer relação entre os episódios e a fragmentação da multinacional. Para o mercado, o motivo por trás da nova estratégia é a pressão de investidores sobre o fraco progresso na unidade de consumo, que está praticamente estagnada há cinco anos, período em que a taxa de crescimento médio ficou em 1%. Em 2021, o negócio saltou 4% no faturamento, para US$ 14,6 bilhões.

A NOVA J&J A Johnson & Johnson que passará a existir após da divisão do grupo seguirá disputando com grandes rivais como Roche no setor farmacêutico e Medtronic no de tecnologia médico-hospitalar. O grupo entrega o legado de seu nome, que remonta à fundação, em 1886, para as operações que vêm ganhando mais mercado e têm o melhor horizonte de crescimento. Em 2021, com a retomada das cirurgias eletivas desde o início da pandemia, a empresa lançou 20 produtos no portfólio de equipamentos médicos, divisão que aumentou o faturamento em 17%. Já no pipeline da indústria farmacêutica, a projeção é saltar dos atuais US$ 52 bilhões de receita para US$ 60 bilhões até 2025. “Em qualquer mercado existem incertezas, mas no de saúde a demanda sempre vai existir”, afirmou Gustavo Galá, líder J&J Medtech no Brasil.

Boa parte das tecnologias com soluções para a área médica é desenvolvida fora do Brasil e trazida — muitas vezes até mesmo adaptada — para o País, onde a companhia tem parque fabril em São José dos Campos (SP), que opera para as já existentes unidades de negócio. Mas as soluções para o setor médico nem sempre estão atreladas às máquinas e hardwares. Também faz parte da estratégia da Johnson & Johnson Medtech oferecer treinamentos, engajar pacientes e até promover inclusão de grupos minoritários nesse mercado. De toda forma, a retomada dessa indústria traciona uma perspectiva otimista por parte da companhia na operação nacional: a de aumentar seu alcance no mercado 16% neste ano, para atender uma rede com 6 milhões de pacientes no Brasil ainda este ano. O número no ano passado foi de 5 milhões.

Em 2021, o mercado nacional de equipamentos médicos movimentou R$ 28 bilhões, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos (Abimo). Paulo Henrique Fraccaro, superintendente da entidade, diz que “devemos ter em 2022 uma demanda 20% acima dos anos pré-pandemia”, ainda que a inflação tenha grande impacto sobre os preços. Para Galá, o mercado já voltou ao patamar pré-pandemia na esfera privada. “O setor público, no entanto, onde a procura é maior, deve levar mais tempo até se recuperar”, disse. De olho na demanda que deve ser destravada nos próximos anos, a J&J Medtech Brasil segue com 15 projetos em andamento com startups e prevê 24 lançamentos até o fim do ano. Ainda assim, precisará de foco no setor, onde sua concorrência aumenta na mesma medida que a pressão por custos.

ENTREVISTA: Gustavo Galá presidente da Johnson & Johnson Medtech Brasil

Claudio Gatti

Como está o mercado brasileiro nesse setor?
Depois da queda em 2020, no ano passado, alcançamos uma rede com 5 milhões de pacientes e, para este ano, projetamos chegar a 6 milhões. Voltamos aos patamares pré-pandemia no setor privado, e o ano já começou com alta da demanda.

O que é a inovação que a J&J Medtech oferece para esse mercado?
Quando pensamos nessas soluções, não estamos focando em produtos, tecnologias ou em projetos de inovação aberta, especificamente, mas nas demandas e no que falta no mercado. Por isso, temos também projetos com olhar para a comunidade, que apresentam, por exemplo, novas perspectivas de equidade de gênero e de raça para o setor de saúde. É um trabalho de formiga, mas que, se somado, pode ajudar a promover mudanças na indústria.

Quais são essess esforços para melhorar os índices de inclusão no mercado?
Temos, por exemplo, o programa 1000 Devs, que, no ano passado, capacitou 80 jovens em vulnerabilidade social em desenvolvimento de software. Essa formatura foi o momento mais emocionante que vivi desde que assumi a operação. Todos estão no mercado de trabalho, e com certeza eles farão tanta diferença quanto fizemos na vida deles.

No que a empresa aposta em novidades tecnológicas para o setor?
No ano passado, lançamos mais de 20 produtos e, neste ano, prevemos trazer 24 novos produtos para o Brasil. Um dos mais esperados é uma solução para a ortopedia, área que é muito forte aqui, que oferece análise precisa para cirurgia de implante de quadril por computador, com modelagem digital. Essa solução aumenta a precisão, reduz o tempo de cirurgia e melhora os resultados do paciente. Por isso, estou sempre desafiando a equipe a entender a necessidade do cliente local, e não apenas aceitar as soluções que vêm de fora.

E que necessidades são essas no mercado brasileiro?
A pressão sobre custos é uma questão central no mercado da região, e o Brasil não é diferente nesse ponto. Por isso precisamos pensar em como escalar essas soluções. É isto que temos em mente quando sentamos como gestores de grandes hospitais e, por isso, a sinergia com o ecossistema de inovação aberta é um fator crítico. O Brasil é um dos países onde há mais startups de medtech no mundo, por isso é um mercado muito importante para a companhia.

Quais são as perspectivas para a operação aqui?
O céu é o limite nesse mercado. O objetivo é duplicar a rede de 6 milhões de pacientes em até cinco anos. O setor retomou o crescimento, e a perspectiva é de um pipeline de lançamento agitado nos próximos anos, além de dar continuidade ao trabalho de inovação aberta. O Brasil é um mercado-chave em ortopedia e em cirurgia geral para a J&J Medtech.

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