Apenas dois meses. Esse é, na prática, o tempo que resta em 2017 para o governo federal aprovar o seu principal projeto fiscal: a reforma da Previdência Social. O cronômetro foi oficialmente disparado na madrugada da quinta-feira 21, por volta das duas horas, quando o presidente Michel Temer desembarcou na Base Aérea de Brasília, após viagem de três dias aos Estados Unidos (leia reportagem sobre a Assembleia Geral da ONU aqui). Na mesma manhã, Temer se reuniu com o seu núcleo político, que havia preparado relatórios detalhados sobre os últimos acontecimentos de interesse do “PR” – a sigla é utilizada por assessores em trocas de mensagens via WhatsApp para se referir ao Presidente da República. O balanço final indica que a base governista continua sólida, embora com focos de rebeldia. Assim, as batalhas no Legislativo ainda serão duras, imprevisíveis e, talvez, demoradas.

Na quarta-feira 20, o dia tradicionalmente mais concorrido da semana, em Brasília, a DINHEIRO conversou com fontes no Ministério da Fazenda, no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional. Nos gabinetes, os televisores, invariavelmente, estavam sintonizados, ao longo da tarde, no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o encaminhamento da denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) contra o presidente Temer, por obstrução de Justiça e participação em organização criminosa. A defesa do peemedebista tentou convencer, sem sucesso, os ministros do STF a devolver a denúncia para a PGR enquanto não fosse julgada a validade das gravações e da delação da JBS.

O relator do processo, ministro Edson Fachin, indeferiu o pedido, no que foi seguido por outros nove colegas de toga – o ministro Gilmar Mendes foi a exceção. Na prática, a denúncia foi encaminhada pelo Supremo à Câmara na quinta-feira 21. Para Temer, as acusações da PGR são fantasiosas. “É claro que são inverdades absolutas” afirmou o presidente, antes de voltar ao Brasil. Na avaliação do núcleo político do Planalto, se não há mais como barrar a nova denúncia, apresentada pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot, é melhor acelerar a sua votação. Nem o mais pessimista dos aliados acredita que Temer vá perder a batalha, num cenário em que dois terços dos deputados federais teriam de concordar com a abertura da investigação pelo STF.

Aliados ou adversários?: no cargo de presidente em exercício, Rodrigo Maia recebeu parlamentares da oposição, na terça-feira 19 (Crédito:André Dusek/Estadão Conteúdo)

Nesse caso, o “PR” seria imediatamente afastado das funções por até seis meses. “O problema maior não é o risco de derrota, praticamente inexistente”, diz uma fonte no Ministério da Fazenda. “O problema é perder 30 dias para tirar esse assunto da frente.” O calendário apertado tem gerado uma certa angústia na equipe econômica, que teme empurrar para 2018 o debate sobre a reforma da Previdência. “Se ela [a reforma] não for feita agora, deverá e terá de ser feita num futuro próximo”, disse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na segunda-feira 18, após participar da posse na nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge. “Não podemos correr o risco de entrar em 2018 ainda com a Previdência pendente.”

Na Câmara dos Deputados, onde nem sempre os parlamentares parecem sintonizados com a agenda da sociedade, a prioridade é a reforma política. Após dias de intensos debates, quase nada avançou. O Legislativo barrou uma tentativa de mudança do sistema eleitoral do atual modelo “proporcional” para o chamado “distritão”. Na quarta-feira 20, o Plenário da Casa empurrou para 2020 a entrada em vigor da proibição das coligações irrestritas entre partidos nas eleições para deputados e vereadores, assim como a cláusula de desempenho dos partidos. Conclusão: em 2018, fica valendo a mesma regra das últimas eleições. “Ao transferir para 2020, o Plenário dá oportunidade para cada agremiação ajustar a sua estratégia, se planejar e construir essa alternativa em favor dos interesses do País”, diz o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA), líder do partido.

O deputado Celso Maldaner (PMDB-SC) discorda do adiamento para 2020. “Se é bom para os vereadores, por que não é bom para os deputados? Defendo o fim das coligações em 2018”, afirma o peemedebista. Falta, ainda, definir a parte mais importante (para os parlamentares, é claro) do jogo eleitoral: o financiamento das campanhas. Nesse ponto, o Senado Federal assumiu o protagonismo e começou a debater o assunto (leia reportagem ao final da página). O governo estima que vai liquidar os assuntos relacionados à reforma política até o começo de outubro e pretende finalizar a votação da denúncia da PGR até meados do mês, com uma votação expressiva, talvez maior do que a da primeira denúncia. A partir daí, serão cerca de 45 dias para votar as medidas fiscais anunciadas pela equipe econômica, que incluem aumento da alíquota previdenciária do funcionalismo público e o adiamento do reajuste salarial.

Mulher no comando: Raquel Dogde, a nova procuradora-geral da República, tomou posse na segunda-feira 18. Na foto, ao lado do ministro do STF Gilmar Mendes, o único a votar contra a denúncia da PGR em relação a Temer (Crédito:Dida Sampaio/Estadao)

No meio do caminho, há ainda o polêmico Refis, o programa de refinanciamento de dívidas, que tem colocado em lados opostos a equipe econômica e parlamentares da base aliada. Os deputados querem ampliar os benefícios fiscais enquanto a Fazenda prioriza a arrecadação. Durante a viagem de Temer aos Estados Unidos, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no exercício da Presidência da República, recebeu dezenas de parlamentares insatisfeitos com a “intransigência” da equipe econômica. Nos relatórios que o núcleo político preparou para Temer, há um item bastante espinhoso.

Trata-se da insatisfação do PSB e do DEM com ações do PMDB para atrair parlamentares e aumentar a sua bancada. “Se nós somos aliados, nós temos de ser aliados”, afirmou Maia, na quarta-feira 20. “A gente não pode ficar levando facada nas costas do PMDB, principalmente dos ministros do Palácio e do presidente nacional do PMDB.” Maia se referia aos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria Geral) e ao senador Romero Jucá, presidente do PMDB, que teriam convencido o senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) a trocar de partido.

Picuinhas à parte, o presidente Temer não tem tempo a perder. Muito menos o Brasil. O mercado financeiro segue quebrando recordes no Índice Bovespa numa clara demonstração de que o futuro econômico é promissor, se Brasília não atrapalhar. “Na medida em que ficou claro que o governo termina o seu mandato, o mercado deixou de olhar o dia a dia da política e passou a olhar o dia a dia da economia”, diz Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura. Entretanto, a consolidação desse clima positivo depende da aprovação da reforma da Previdência. “Nem que seja uma meia reforma, apenas com a idade mínima”, diz o assessor de um dos senadores com maior trânsito no Palácio do Planalto. A janela de oportunidades está aberta. Mas o tempo é curto.


Eles só pensam naquilo…

Senado Federal discute a criação de um polêmico fundo eleitoral de R$ 3,5 bilhões para 2018. Saúde e educação perderão verbas?

Campanha eleitoral: senador Caiado (à esq.) e senador Monteiro debatem o fundo eleitoral (Crédito:Roque de Sá/Agência Senado)

Termina no dia 7 de outubro o prazo para o Congresso Nacional aprovar qualquer alteração para as eleições de 2018. Até agora, nada de relevante mudou, mas os parlamentares estão angustiados com a falta de dinheiro para a campanha eleitoral. Se prevalecer a regra que vigorou em 2016, apenas pessoas físicas podem doar recursos. Como no Brasil não há uma cultura de doações eleitorais, as campanhas nacionais ficarão praticamente inviabilizadas. Na quarta-feira, 20, no entanto, o Senado Federal entrou em campo para tentar criar um polêmico fundo eleitoral de R$ 3,5 bilhões. A DINHEIRO acompanhou no plenário as quase quatro horas de debates entre senadores que defendiam a proposta e os que a criticavam.

O texto original do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) previa o fim da propaganda partidária e do horário eleitoral gratuito. O dinheiro da compensação fiscal que a União paga às emissoras de rádio e TV seria repassado ao fundo eleitoral, num total de R$ 1,5 bilhão. Com a anuência do Palácio do Planalto, o senador Armando Monteiro (PTB-PE) apresentou um substitutivo que mantém o horário gratuito durante as campanhas, e prevê a destinação ao fundo eleitoral de metade do valor das emendas impositivas apresentadas pelas bancadas de deputados e senadores previstas no Orçamento Geral da União, totalizando R$ 3,5 bilhões. Oficialmente, a eleição de 2014 custou R$ 7,3 bilhões, mais do que o dobro do previsto para o fundo eleitoral. A partir daí, a sessão no Senado pegou fogo. “Não há eleição sem gasto”, afirmou Monteiro. “Sem o financiamento empresarial, temos de buscar recursos públicos.” Inconformado, Caiado rebateu na tribuna. “A Saúde e a Educação vão perder recursos”, disse o senador goiano. “Não vejo como aprovar isso.”

Curiosamente, os dois lados estão dizendo a verdade, mas cada um manipula os dados a seu favor. Do ponto de vista do Orçamento Geral, os setores de saúde e educação não perderão nenhum centavo em 2018, pois a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do teto dos gastos, aprovada no ano passado, prevê que o montante de 2018 será igual ao de 2017, reajustado pela inflação. Porém, como muitas emendas parlamentares são destinadas para saúde e educação, haverá, sim, perdas para essas áreas, se metade desses recursos for repassada para o fundo eleitoral. Sem acordo, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), adiou a votação para terça-feira 26. Assessores que acompanhavam a sessão garantem que os senadores “debatem, discutem e brigam” para passar uma mensagem positiva aos seus eleitores. “Mas, quando o assunto é dinheiro para campanha, eles sempre constroem um consenso”, disse um assessor.