Celso Lafer, 60, toma posse esta semana no Ministério das Relações Exteriores em meio a um desafio fundamental: ou entra para a história como o chanceler que sedimentou o caminho comercial do Brasil em tempos de integração de mercados ou ingressa no clube dos que se deixaram atropelar pelas circunstâncias. Na contramão, o novo chanceler enfrentará o vento forte que sopra no horizonte diplomático. Para começar, o Mercosul está abalado por um desequilíbrio cambial que compromete o futuro do bloco. O maior parceiro comercial brasileiro da América do Sul, a Argentina, está fragilizada e refém do FMI. Os Estados Unidos e o Canadá, enquanto isso, pressionam pela antecipação da instalação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) de 2005 para 2003. Para complicar, há os contenciosos comerciais com o Canadá, que resolveu eleger o Brasil seu inimigo número um. A seu favor, Lafer tem uma longa experiência em comércio e direito internacionais. Foi presidente do Conselho Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), chanceler no desastrado governo Collor e ministro do Desenvolvimento de Fernando Henrique. Ele resume sua nova missão assim: ?O Brasil deve se dar conta que o mundo é mais importante para nós, brasileiros, do que nós somos para o mundo.?

Na semana passada, Lafer iniciou, em São Paulo, a montagem de sua equipe. Manteve Seixas Corrêa na secretaria-geral, Osmar Chofi na chefia de gabinete e nomeou Fernando Barreto na sub-chefia para assuntos econômicos. Também traçou as linhas mestras da nova política diplomática, centrada em comércio. Ele vai reunir no Itamaraty um núcleo de economistas especializados em comércio exterior. Na próxima semana, o presidente Fernando Henrique assina decreto reduzindo para três o número de ministérios integrantes da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Ficarão apenas o Itamaraty, o Desenvolvimento e a Fazenda. Os dois ministérios prometem se aliar para dar mais agressividade às exportações, em contraponto à postura conservadora da equipe econômica. Serão dois contra um. ?Haverá um maior impulso para o comércio exterior?, diz o secretário-executivo do Desenvolvimento, Benjamim Sucsu.

Empresário, culto e hábil negociador, Lafer teve sua volta comemorada. Até por rivais. O jornal La Nación, da Argentina, saudou a escolha como a volta do velho ?amigo?. O estilo duro do Luiz Felipe Lampreia que sai dá lugar ao maneirismo do punho de renda de Lafer. A dúvida é se este é o momento para ser polido. ?O Brasil precisa falar grosso. O cenário é pesado?, diz um embaixador do primeiro time. ?Lafer pode recuperar nossa visão estratégica?, rebate um ministro-conselheiro do Itamaraty.

O novo chanceler considera fundamental, em primeiro lugar, que o governo não se subestime em relação aos mais ricos. Depois, sua política diplomática será definida pelas circunstâncias, a ?geometria variável?, em sua expressão. ?Haverá mais serenidade nas negociações?, diz Maurice Costin, diretor de exportações da Fiesp. O Itamaraty, com Lafer, continuará contrário à antecipação da Alca para 2003. Mas, se a Argentina acenar para o Tio Sam, poderá rever sua posição para não ficar isolado. Vai também acelerar a aproximação do Mercosul com os países andinos para se cacifar nas negociações. ?O problema não é ingressar na Alca, mas saber se você entra como convidado de honra para um banquete ou pela porta de serviço?, argumenta um embaixador brasileiro na Europa. O embaixador do Brasil em Washington, Rubens Barbosa, está empenhado em marcar, antes da rodada de Quebec, um encontro entre Fernando Henrique e George W. Bush. A intenção é saber se o convite para o banquete dá direito a entrada pela porta da frente.