Ceci n’est pas une pipe. A frase francesa, que na tradução literal significa “isto não é um cachimbo”, foi cunhada em 1929, pelo artista plástico surrealista René Magritte, para brincar com a ideia de que é possível distorcer uma imagem se for dito que ela é outra coisa. Décadas depois da icônica obra da arte moderna ser criada, uma estratégia parecida ronda Brasília. Um novo imposto, que incide sobre todas as transações realizadas do ambiente digital, está mais perto do que nunca de ser criado. Ele se parece com a CPMF, tem cheiro de CPMF, se comporta como CPMF, mas para o governo federal, não é uma nova CPMF.

Com potencial de arrecadar mais de R$ 20 bilhões ao ano, ao cobrar 0,2% em transações virtuais, o imposto serviria para sustentar ao menos parte da desoneração da folha de pagamento dos trabalhadores celetistas que recebem até um salário mínimo (R$ 1.045), o que custaria, anualmente, cerca de R$ 45 bilhões. Apesar de haver outras alternativas para elevar a arrecadação de modo ágil, como tributar grandes fortunas ou cobrar dívidas do INSS de grandes devedores, o imposto nas transações bancárias, incluindo e-commerce, parece ser a que mais agrada a Paulo Guedes. Na prática, o imposto se assemelha, e muito, à antiga CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) que perdurou por 11 anos.

Apesar de ter nascido com o objetivo de elevar a arrecadação para investimento em saúde, ela foi ficando na linha de receita pública. Em dezembro de 2019, Guedes chegou a citar a possibilidade de criar o imposto virtual, mas foi desmentido pelo presidente poucas horas depois, já que a iniciativa caiu como bomba entre os apoiadores do militar. Marcos Cintra, eterno defensor dessa modelagem tributária, foi secretário da receita federal e escolhido por Guedes. Caiu do cargo em setembro, por citar a possibilidade de retorno do imposto.

Se o termo é polêmico, a solução encontrada pela equipe econômica foi mudar o nome e tentar mostrar algum tipo de compensação ao bolso do brasileiro. Segundo articuladores do ministério, por ser uma medida sem prazo para terminar, a forma de aliviar o impacto na renda do consumidor seria reduzir os impostos das operadoras de telecomunicações. “Ainda não é nada certo, mas o fato é que a economia mudou para a esfera digital e o sistema tributário brasileiro não acompanhou”, diz à DINHEIRO uma fonte do Ministério da Economia em condição de anonimato. De acordo com ele, a diminuição dos impostos permitiria que o serviço de internet ficasse mais barato para o consumidor final, compensando a taxação das transações. Pode sim, pode não. Afinal, o mesmo foi dito sobre queda do preço do petróleo refletir no preço da gasolina ou sobre redução de Selic em relação ao juro bancário. Uma coisa é a teoria. Outra é o mundo real.

MAC CORD Secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura diz que ideia é levar tema para reforma tributária. (Crédito:Divulgação)

Se o termo CPMF ainda não pode ser falado abertamente, o tal modelo compensatório parece já ter começado a sair do papel. Na sexta-feira (10), o secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura da pasta, Diogo Mac Cord, confirmou que o ministério da Economia contratará uma consultoria para avaliar se há espaço para racionalização dos impostos que incidem sob o setor de telecomunicações. Ele diz que essa análise será realizada com outros órgãos do governo. “Nossa ideia é levar essa discussão para a reforma tributária”, diz.

Na avaliação de Mac Cord, que foi consultor da KPMG e hoje é um dos homens de confiança do ministro Tarcísio Freitas, o cálculo sobre a redução de impostos para as prestadoras de serviços envolve uma questão sensível aos estados e municípios, que é a diminuição da arrecadação. Foi isso que aconteceu quando o governo Dilma Rousseff reduziu a tarifa da energia elétrica. O efeito foi o aumento das alíquotas do imposto estadual, o ICMS. “Quando houve redução no valor da conta de energia elétrica, o que vários governadores fizeram foi elevar a alíquota de ICMS para não perder arrecadação.”

EFEITO NA PONTA Para a professora de finanças e especialista em renda pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Cecília Caetano, a criação de tal imposto teria um efeito nocivo para a população, principalmente os mais vulneráveis. “O governo tentará vender não como uma nova tributação, mas como uma substituição. O problema é que ele desonera o empresário e onera o trabalhador”, diz. O vice-presidente Hamilton Mourão tratou de tocar na ferida na quarta-feira (15). Questionado sobre a possibilidade de discutir o retorno da tributação, ele disse que a CPMF é vista atualmente como “um verdadeiro satã”, mas que o governo e o Congresso não podem se furtar de tratar desse assunto. “Mais cedo ou mais tarde, teremos de fazer esse debate.” Na avaliação de Paulo Guedes, a criação de tal imposto tem forte caráter democrático, já que todos os brasileiros irão pagar de modo igual. Também é o tipo de imposto de difícil sonegação e, nas palavras do ministro, “do empresário ao traficante de drogas, se usar a internet para comprar, será taxado”. Pode chamar do que quiser. Mas seu nome é CPMF.