O IRB Brasil, maior resseguradora brasileira, está em uma encruzilhada. A companhia foi do céu ao inferno em pouco mais de um ano, e seus problemas parecem estar longe de acabar. Em retrospecto, sua trajetória foi das mais improváveis. Criada pelo Estado em 1939 como a primeira resseguradora brasileira, manteve o monopólio dessa atividade até 2007. Foi privatizada em 2013, quando abriu seu capital no Novo Mercado, segmento da B3 onde as regras de governança corporativa são mais estritas. O futuro parecia sombrio para uma ex-estatal monopolista que viu-se exposta aos rigores da economia de mercado e da concorrência. Nos anos seguintes, porém, rebatizada de IRB Brasil, ela tornou-se uma das queridinhas da bolsa. Os analistas a consideravam uma das poucas companhias abertas que poderiam, ao mesmo tempo, pagar bons dividendos e expandir seus negócios.

Foi assim até o início de 2020. Denúncias de fraude arranharam profundamente a reputação do IRB, forçaram uma troca de comando, e fizeram suas ações despencar de um máximo de R$ 44,90 em 22 de janeiro do ano passado para R$ 6,58 na quarta-feira (10), uma queda de 85,3%. Tudo começou no fim de janeiro de 2020, quando a gestora de fundos Squadra publicou uma longa carta afirmando que havia algo errado com as contas e com os resultados do IRB. A resposta da companhia foi confusa e pouco esclarecedora. Os executivos chegaram a afirmar que algumas ações haviam sido compradas pela Berkshire Hathaway, do bilionário americano Warren Buffett, tradicional investidor em resseguradoras. Parecia a chancela de um expert. Não fosse o desmentido formal e público da Berkshire, dizendo que não tinha nem nunca tivera ações do IRB, e indicando que dificilmente teria.

Foi o suficiente para obrigar a uma troca de comando. Em março, a companhia passou a ser liderada por Antonio Cássio dos Santos, um dos executivos mais experientes do setor e que presidia as operações latino-americanas e europeias (exceto Itália) da seguradora italiana Generali. Nos trimestres seguintes, ele e os executivos que recrutara fizeram o possível para recolocar o IRB nos trilhos. A nova diretoria apurou irregularidades no pagamento de R$ 60 milhões em bônus a ex-executivos e recompras de ações em fevereiro e em março de 2020 acima dos limites autorizados pelo Estatuto da empresa. A remuneração da gestão anterior estivera diretamente ligada à variação das cotações, o que estimulou irregularidades para inflar as cotações. “Todos esses episódios vêm das coisas turvas da alma humana”, disse o atual CEO e presidente do Conselho em meados do ano passado, ao comentar os resultados.

VOLTA AOS TRILHOS Sob a gestão de Antônio Cássio dos Santos (à esquerda), o IRB começou a arrumar a casa após as malfeitorias da gestão anterior. (Crédito:Divulgação)

PECHINCHA Apesar das mudanças no comando e do mea-culpa da empresa, as ações insistem em valer apenas uma fração do que valiam antes do imbróglio. Para comparar, no fim de 2019, antes da crise, as ações eram negociadas com um prêmio de 820% em relação a seu valor patrimonial. Na quarta-feira (10), esse prêmio emagrecera para 69%. A média das empresas listadas na Bolsa é 357%. Empresa rentável, com pouco mais de um terço do mercado brasileiros de resseguros (que movimentou estimados R$ 1,3 bilhão em 2020), o IRB vê suas ações sendo negociadas no proverbial preço de banana.

Isso aguçou o apetite dos especuladores, que tentaram reproduzir no Brasil algo semelhante ao ocorrido na última semana de janeiro nos EUA. Na ocasião, o mercado acionário americano foi agitado pela atuação conjunta de pequenos investidores que se mobilizaram por meio das redes sociais. Ao comprar milhões de ações da rede de varejo GameStop, eles conseguiram quebrar fundos de hedge que haviam apostado na baixa das cotações.

Em um só dia, 28 de janeiro, as ações do IRB avançaram 17,8%, mas retornaram ao patamar anterior nos pregões seguintes. A suspeita de que havia algo errado levou o Ministério Público Federal (MPF) a anunciar uma investigação. A procuradoria desconfia que a ação coordenada dos investidores pode ter sido uma tentativa de manipulação do mercado, e solicitou informações à B3. Em comunicado, o IRB afirmou “não ter conhecimento de nenhum fato ou ato relacionado às suas atividades que não tenham sido informados ao mercado que possam ter sido capazes de justificar a oscilação dos papéis”.

Não foi a única especulação envolvendo o IRB nas últimas semanas. Indicado em 24 de março do ano passado, Cássio dos Santos acumula a presidência do Conselho de Administração e o cargo de CEO. As regras da B3 para o Novo Mercado proíbem que isso ocorra por mais de 12 meses. Ou seja, em pouco mais de um mês, ele terá de encontrar alguém para ocupar uma das duas cadeiras em que está sentado atualmente. As vagas interessam aos dois maiores acionistas do IRB, os bancos Bradesco e Itaú Unibanco. As fatias de ambos somam 27,3% do capital – os 72,7% restantes estão espalhados pelo mercado. “O interesse na escolha do sucessor é um sinal de que os dois bancos querem retomar o controle do IRB”, afirmou uma fonte. “E isso não é ruim para a companhia”. Por ser uma corporation, a decisão de quem será o CEO cabe ao conselho. Com as ações em baixa e o mandato de Cássio dos Santos se aproximando do fim, os rumores envolvendo o IRB ainda estão longe de acabar.