Irã e os Estados Unidos parecem estar caminhando para uma desescalada de seu conflito, mas o Iraque, um país devastado por guerras e divisões, permanece no olho do furacão após os últimos ataques e represálias – dizem especialistas ouvidos pela AFP.

Mergulhado em 1980 em uma guerra fratricida contra o Irã e sem jamais ter emergido plenamente dessa espiral de violência, o Iraque continuará sendo uma zona de conflito, afirma Randa Slim, do Instituto para o Oriente Médio.

“Como não existe uma desescalada real garantida, existe o risco de continuar havendo represálias de ambos os lados no Iraque”, disse à AFP Erica Gaston, da New American Foundation.

Durante anos, o segundo produtor de petróleo da Organização de Países Exportadores de Petróleo (Opep) tenta existir em meio à presença de seus dois aliados: o vizinho Irã, que não deixa de aumentar sua influência no país, e os Estados Unidos, que invadiram o território em 2003 e o ocuparam por oito anos.

– Pró-iranianismo reforçado –

Nos últimos dias, o equilíbrio de forças parece ter mudado. Ao eliminar o general iraniano Qassem Soleimani, e Abu Mehdi al-Muhandis, chefe das forças pró-iranianas no país, Washington perdeu seu último apoio público local.

“Bagdá não pode condenar publicamente o Irã, pois isso sairá caro para a opinião pública nacional, não como acontece com as críticas contra os Estados Unidos”, afirmou à AFP Ramzy Mardini, especialista em Iraque.

No Iraque, os “pró-iranianos” continuam a ganhar força no Parlamento, no Governo e dentro das forças de segurança.

E, longe da arena política, nas imediações das bases usadas pelos soldados americanos, no deserto ocidental, ou nas montanhas do Curdistão, são as facções treinadas e financiadas por Teerã que amenizam as ameaças existentes.

Essas facções garantem terem formado uma frente unida contra os Estados Unidos e seus aliados regionais, enquanto são esses grupos, de acordo com Washington, que lançam foguetes contra soldados e diplomatas americanos há meses.

Se o Irã, dizem essas facções, vingou a morte de Soleimani, elas têm de vingar a de Al-Muhandis.

Nesse contexto, é possível uma ação de força, afirma Gaston, porque “o Hashd tem muitos milicianos revoltados e determinados a se vingar dos Estados Unidos”.

Diante disso, os atores menores da região, que tentaram manter a porta aberta para Washington, como o presidente da República – o curdo Barham Saleh -, o chefe do Parlamento – o sunita Mohamed al Halbus -, ou manifestantes que desde 1º de outubro protestam contra a interferência do Irã nos assuntos internos do país, quase não conseguem se fazer ouvir.

Na madrugada de quarta-feira, o Irã disparou 22 mísseis contra forças americanas posicionadas em bases iraquianas.

“À noite, houve represálias e, durante o dia, consolidação da política e do domínio de facções pró-Irã”, explica Toby Dodge, professor da London School of Economics.

– Comparação com o Líbano –

Após o assassinato de Soleimani em Bagdá, o Parlamento pediu ao Governo que expulsasse todas as tropas estrangeiras.

Na quarta-feira, porém, quando o Irã respondeu com mísseis, as reações oficiais se tornaram mais comedidas.

Em médio ou longo prazo, depois de lançar seus mísseis no momento exato em que o veículo de Soleimani foi destruído por um drone americano e após o ataque às bases usadas pelos Estados Unidos, o Irã tentará acelerar a partida das tropas americanas do Iraque, segundo Dodge.

São as mesmas tropas que invadiram o Iraque há quase 17 anos, antes que fosse estabelecido no país um sistema político inspirado no modelo libanês.

É constante a comparação do Iraque com o Líbano, um país convulsionado por 15 anos de guerra civil (1975-1990) e ainda abalado por guerras indiretas com Israel, afirma Slim.

“O Líbano é o cenário em que Síria e Israel ‘se comunicam'”, explicou a especialista do Instituto do Oriente Médio à AFP.

“O Iraque pode se transformar nesse cenário para o Irã e os Estados Unidos”, concluiu.