Depois de dois anos acumulando poeira, o sino da B3 que marca as aberturas de capital tem estado bastante ativo em 2017. Neste ano o pregão, testemunhou sete ofertas públicas iniciais, conhecidas pelo nome em inglês Initial Public Offerings, ou IPO. Essas solenidades levantaram R$ 12,8 bilhões. Já é o maior volume financeiro desde os R$ 17,3 bilhões de 2013, e o quinto maior valor desde a retomada do mercado, em 2004. Se confirmados os prognósticos dos analistas, que esperam um total de R$ 25 bilhões até o fim de 2017, este será o segundo melhor ano da história recente.

No entanto, há uma diferença significativa entre o resultado obtido pelos investidores nestas aberturas de capital, e o que ocorreu nos anos mais pujantes do mercado. Agora, quem participou dos IPOs tem lucrado desde o início. Os números provam isso. Entre 2007 e 2010, a grande maioria dos participantes dos IPOs amargava prejuízos nos primeiros dias. Um levantamento realizado com base no sistema de informações financeiras Economatica, as cotações demoravam, em média, oito meses para retornarem aos níveis do dia do lançamento. Agora, quem comprou tem razões para comemorar.

Carrefour: estreia no pregão pelo preço mínimo da faixa de lançamento e ganhos para os investidores (Crédito:Claudio Gatti / Ag. Istoe)

Todas as sete empresas vêm registrando alta em seus papéis. E, excetuando-se as ações do Carrefour, que estrearam no dia 17 de julho, e os Brazilian Depositary Receipts (BDR) da Biotoscana, lançados no dia 27 do mês passado, todos os lançamentos superaram o índice Bovespa (observe o quadro ao final da reportagem). A justificativa para esses resultados melhores do ponto de vista do investidor é simples. As empresas que trazem seus papéis ao mercado estão mais realistas. Os controladores admitem reduções nos preços de lançamento.

Luís Gustavo Pereira, da Guide: “Os empresários estavam esperando uma janela de oportunidade para lançar ações” (Crédito:Divulgação)

Preocupam-se mais com a governança corporativa. E, principalmente, esmeram-se no corpo a corpo com o investidor. Como resultado, os preços de lançamento são mais próximos do que é considerado um valor justo, e há menos pressão de baixa nos primeiros dias de negociação. Um bom exemplo foi o do IPO da Omega Geração, uma empresa de energia renovável. Inicialmente, a faixa de preços para o lançamento estava prevista entre R$ 17 e R$ 22 por ação. No entanto, após sondar o mercado, a companhia percebeu que os interessados estavam dispostos a pagar menos. Assim, o preço do lançamento foi reduzido para R$ 15,60, um desconto de 8,2% em relação ao piso.

Foi o suficiente para garantir o sucesso da oferta. A Omega captou R$ 844 milhões. Desse total, R$ 250 milhões foram para o fundo de private equity Warburg Pincus. O valor restante, R$ 594 milhões, destina-se a reforçar o caixa da empresa e deve custear uma expansão por meio de aquisições. Dois fatores adicionais ajudaram no sucesso. Um deles foi o fato de a gestora Tarpon, que já participava do capital da Omega, ter injetado R$ 84 milhões no IPO, mostrando a confiança do acionista. Outro foi o fato de a Omega não apenas ter listado suas ações no Novo Mercado, como também ter criado estruturas societárias para melhorar a governança e reduzir conflitos de interesse entre os acionistas.

Essa onda realista foi inaugurada no primeiro IPO do ano, o da empresa de locação de veículos Movida, em fevereiro. A companhia baixou de R$ 8,90 para R$ 7,50 o valor de lançamento das ações, como forma de garantir o interesse dos investidores. Quem comprou não se arrependeu. Até a quarta-feira 2, a alta acumulada das cotações era de 33%, ante uma valorização de 4,6% do Índice Bovespa no mesmo período. A abertura de capital do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), realizada na segunda-feira 31, foi um bom exemplo. As ações subiram 8,1% em três pregões, mais que o triplo da alta do Ibovespa.

O que justificou esse movimento das empresas não foi uma súbita dose de generosidade dos empresários, aliada a um desprendimento por parte dos banqueiros de investimento. A explicação é apenas pragmatismo. “Os empresários estavam esperando uma janela de oportunidade para lançar as ações, e ela se materializou nessas semanas”, diz Luís Gustavo Pereira, estrategista de investimentos da corretora Guide. Segundo Pereira, o mercado deverá voltar a ficar adverso no ano que vem, devido à incerteza provocada pela eleição presidencial. Assim, avalia, quem estava com seus processos de abertura de capital praticamente concluídos, aguardando apenas um momento favorável, não perdeu tempo.

Movida: primeiro IPO do ano inaugurou onda de pragmatismo das empresas, que têm lançado suas ações com preços menos inflados (Crédito:Claudio Gatti)

O pragmatismo veio de uma turma muito acostumada a fazer contas, os gestores de fundos de private equity. Com exceção do IRB, todas as empresas que estrearam tinham participações desses fundos em seu capital. Em sua maioria eram investimentos feitos no início da década, e que precisavam ser transformados em dinheiro. “Os fundos não tiveram praticamente saída nenhuma desde 2013”, diz Piero Minardi, vice-presidente da Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital (Abvcap). “Os prazos de desinvestimento estavam estourando.” Era o caso da Península, de Abilio Diniz, que se desfez de parte de suas ações no Carrefour.

O caso da Azul mostra bem isso. A companhia aérea tocou o sino no dia 10 de abril. Desde então, as ações subiram 30,6%, ante um ganho de 3,8% do Índice Bovespa. Apesar de bem sucedida, a decolagem da empresa de David Neeleman, que tinha entre seus acionistas os fundos Gávea, de Armínio Fraga, e o americano TPG, foi abortada pelo menos três vezes ao longo dos últimos dois anos. Para o investidor, é hora de aproveitar as oportunidades, mantida a cautela regulamentar quando se trata de investimentos em ações. “Agora há boas empresas chegando ao mercado, e por preços razoáveis”, diz Pereira, da Guide.