A abertura de capital da varejista online de artigos esportivos Netshoes na Bolsa de Nova York (Nyse) é um marco para as startups brasileiras.

É a primeira vez que uma startup local consegue não só realizar o seu IPO (Oferta Pública Incial, da sigla em inglês), como o faz em uma bolsa internacional.

Os mais saudosistas vão lembrar do auge dos anos 2000, quando dezenas de startups surgiram com um plano de negócios em mãos que, invariavelmente, incluía a abertura de capital na bolsa eletrônica Nasdaq, nos Estados Unidos.

Quase a totalidade dessas empresas ficou pelo caminho, sendo sugadas pelo estouro da bolsa pontocom. Muitas faliram porque, além das dificuldades econômicas da época, não tinham um plano de negócio consistente.

Sob vários aspectos, a abertura de capital da Netshoes, fundada pelo empresário Marcio Kumruian, pode ser considerada um sucesso. O plano era captar US$ 100 milhões. A varejista online, no entanto conseguiu US$ 148,5 milhões, quase 50% acima da meta. Suas ações foram vendidas a US$ 18.

Mas, apesar de bem-sucedido, o IPO da Netshoes mostra as dificuldades de gerar um unicórnio no mercado brasileiro, jargão usado para se referir às startups que valem mais de US$ 1 bilhão.

Havia expectativa de que a Netshoes poderia ser, oficialmente, o primeiro unicórnio brasileiro. Análises pré-IPO diziam que seu valor poderia chegar a mais de US$ 1 bilhão. Mas a empresa de Kumruian foi avaliada em aproximadamente US$ 560 milhões.

No mundo, existem 186 empresas iniciantes nessa situação, segundo a consultoria americana CB Insights. Nenhuma delas ainda nasceu no Brasil. A mais valiosa é o aplicativo de transporte americano Uber, cujo valor estimado é de US$ 68 bilhões.

Os Estados Unidos são o país com mais unicórnios do planeta, com 97 startups bilionárias. Em seguida, vem a China, com 43. A Índia tem 9 e o Reino Unido, 7.

Na América do Sul, há apenas dois unicórnios. A LifeMiles, um programa de fidelidade da companhia aérea Avianca, da Colômbia, e a Decolar, site de turismo online da Argentina.

Por que não nasceram ainda unicórnios no Brasil? Cinco razões explicam a dificuldade de gerar esse animal mitológico com um chifre em espiral no centro da sua testa:

1 – Tamanho do mercado
Os mercados americanos e chineses são muito maiores que o Brasil. Em geral, as startups começando atuando em seus países de origem e depois miram para fora. No Brasil, as empresas iniciantes, além de estarem em um mercado menor, não pensam em aumentar suas fronteiras.

2 – Número de startups
Apesar dos avanços dos últimos anos, o Brasil conta com pouco mais de quatro mil startups. É um número significativo, mas muito pequeno se comparado com os EUA. Unicórnios, como se sabe, são raros. Quanto mais empresas iniciantes, mais chance de achar um.

3 – Ecossistema de inovação brasileiro
Só agora, está se reestruturando uma cadeia para se investir em startups, que passa por universidades, aceleradoras e incubadoras. O ciclo para conseguir capital é longo. Começa com investidores-anjos, passa pelo seed money (capital semente) até chegar as séries maiores de investimento, quando fundos de venture capital mais estruturados começam a aportar recursos nas empresas iniciantes.

4 – Pouca competição pelos aportes

O Brasil ainda não tem cultura de investimento em venture capital. Nos EUA e na Ásia, todos os “family offices” aportam recursos nesses fundos, o que não acontece por aqui. Sem competição pelos aportes, fica mais difícil conseguir melhores avaliações.

5 – Falta de ideias inovadoras

A cultura do clone não ajuda a aumentar o valor das empresas. Ao contrário. Os grandes investidores americanos estão em busca de projetos inovadores em áreas com potencial de expansão.

Quais os candidatos a se transformarem no primeiro unicórnio brasileiro? A Netshoes era um deles – e ainda pode ser. Na lista, quatro outras empresas têm chance. O aplicativo de táxi 99, que recebeu aporte de US$ 100 milhões da chinesa Didi Chuxing, encabeça os favoritos. A fintech Nubank é outra presença certa nessa lista. A Movile, dona do iFood, e a PSafe, que desenvolve um aplicativo de segurança para Android, também são nomes fortes.

A única certeza é que unicórnios são raros. Mais raros ainda nestes trópicos.