Para quem nunca se deu conta, o trabalho das mulheres contribui com 37% do PIB global. É muita coisa. Se fosse possível somar o trabalho doméstico não-remunerado – o cuidado com casa, filhos e família –, mais 9% entrariam nessa conta, produzidos pelas mãos das mulheres. Ou seja, parece óbvio que, para pensar em recuperação econômica pós-pandemia, é preciso colocar as mulheres – mais da metade da população do planeta, aliás – no centro das decisões sobre o que precisa ser feito agora.

Mas não é exatamente assim que o mundo gira. E, por isso, a ONU Mulheres e o Women20, grupo do G20 que propõe políticas e ações para igualdade de gênero aos líderes mundiais, estão fazendo circular esta semana um documento entre ministros das finanças e dirigentes de bancos centrais das maiores economias do planeta, provocando para que mudem seu modo de pensar. Os argumentos são tão poderosos quanto esses senhores (e uma ou outra senhora que, contrariando as estatísticas, chegou ali).

Até onde a vista alcança, já é possível dizer que as mulheres estão sendo as mais afetadas pela perda de empregos na pandemia, com 41% delas atuando em setores sem condições sequer de aderir ao trabalho remoto. Os negócios liderados por mulheres são os que mais estão quebrando pela falta de apoio a empreendimentos muitas vezes pequenos, mas fundamentais na comunidade e na economia nacional. O trabalho doméstico se multiplicou junto com o número alarmante de casos de violência entre as quatro paredes do isolamento, solapando sua capacidade de produzir renda e colocando a família em risco (no Brasil, 40% dos lares são chefiados por uma mulher, para dar uma dimensão do problema).

E então o documento cutuca o ponto certo: senhoras e senhores, quanto dos estimados 8 trilhões de dólares já direcionados pelos países membros do G20 à recuperação econômica têm as mulheres como objetivo principal?

Conta difícil de fazer, porque é bem pouco. O que há são iniciativas isoladas – aqui mesmo, dobrar o auxílio emergencial para mulheres chefes de família. Um ou outro benefício para concessão (suada!) de crédito, mas nada com a dimensão necessária para resolver problemas que, também pela dimensão, não são “das mulheres”, mas de toda a sociedade. Os especialistas já dizem que isso pode reverter anos de avanços sociais importantes e, ironicamente, atrasar a recuperação econômica de que tanto vamos precisar.

Os pontos principais destacados no documento não chegam a ser surpreendentes –  pelo contrário, também parecem óbvios em 2020. Mas basta ver os desdobramentos desta crise para entender que nem o óbvio vinha (e vem) sendo feito – coisas como garantir que haja mulheres nos fóruns de decisão sobre onde usar os recursos, para permitir que eles sejam adequados às necessidades específicas das mulheres. Ou criar medidas de apoio à sua empregabilidade e ao empreendedorismo feminino, hoje muito incensado da boca para fora e parcamente financiado da porta para dentro. Ou ainda expandir as redes de apoio social, olhando para a saúde e a segurança das mulheres tanto quanto para mecanismos relativamente simples de implantar como licença parental e ambientes de trabalho com zero tolerância ao assédio.

A ideia é continuar provocando os donos da chave dos cofres nacionais, os mesmos que agora vão se debruçar sobre planos de recuperação, para considerar (de uma vez por todas) que investir em mulher é investir em desenvolvimento social. Se alguém ainda precisa dos dados, o documento da ONU Mulheres e do W20 tem uma porção de links e referências. A internet tem mais um zilhão de estudos. Nós só não temos mais tempo de sobra para continuar duvidando do óbvio.