Doutor em psicologia econômica pela PUCRS, Nicolas de Oliveira Cardoso já atuava como investidor do mercado financeiro quando decidiu investigar, a partir de informações científicas, a influência dos vieses psicológicos nas decisões financeiras, tanto de consumidores quanto de investidores. Partindo da hipótese de que não é apenas o conhecimento sobre o mercado financeiro que influencia a tomada de decisão de investidores, ele obteve a orientação do professor de pós-graduação Wagner de Lara Machado, que há mais de uma década pesquisa o fenômeno do bem-estar e da saúde mental, para decifrar os processos psicológicos que levam alguém a se expor ao risco ou adotar cautela excessiva no momento de investir. “A saúde mental está intimamente associada a outros domínios de vida, como relacionamentos, espiritualidade, carreira e finanças pessoais”, afirmou Machado. Segundo ele, hoje é consenso no meio científico que questões financeiras representam uma das maiores fontes de estresse e preocupação, aumentando o risco de problemas mentais mais severos, como depressão e alcoolismo. “O estresse financeiro abala relacionamentos, leva ao workaholism e aumenta o risco de doenças cardiovasculares”, afirmou.

Vieses psicológicos podem ser entendidos como erros durante o processo de tomada de decisão. São “atalhos” mentais criados a partir de experiências passadas ou da aquisição de novas informações sobre o tema. Segundo Cardoso, se por um lado esses atalhos são úteis e auxiliam o corpo humano a economizar energia, por outro “podem resultar em julgamentos e decisões não racionais”. Ele cita como exemplo o viés de confirmação, que é a tendência a valorizar informações que reforçam tudo aquilo em que já acreditamos e a desvalorizar as que se opõem às nossas crenças. “O indivíduo que tem o hábito de deixar o dinheiro na poupança tende a ignorar as informações que apontam para a rentabilidade negativa da poupança frente à inflação”, disse Cardoso. Segundo ele, alguns pesquisadores sugerem a existência de mais de 200 tipos de vieses capazes de influenciar a tomada de decisão. Sua tese elencou os 19 mais relevantes.

As conclusões da tese de Cardoso e a experiência acumulada por Machado ajudaram a moldar uma nova empresa, a NeuroEconomics, que tem como sócio também o executivo Antônio Cássio dos Santos, um dos mais respeitados e influentes CEOs do setor de seguros da América Latina, cuja carreira inclui décadas à frente de empresas como a multinacional italiana Generali, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) e a presidência do conselho de administração da Wiz Soluções. “A NeuroEcomics é uma empresa que junta a experiência de cientistas do comportamento e a habilidade de desenvolver negócios e oportunidades para indivíduos, empresas, instituições e da regulação”, afirmou Cássio. Para isso, foi criado um “instrumento psicométrico” que avalia os vieses e o perfil psicológico dos investidores. Trata-se de um questionário capaz de classificar vieses em uma régua comportamental, indicando quais são os que mais comprometem a tomada de decisão e o desempenho no mercado financeiro.

ÓRGÃOS REGULADORES De acordo com os sócios, o instrumento foi elaborado seguindo diretrizes científicas e recomendações de órgãos reguladores de mercados internacionais. A NeuroEconomics validou sua metodologia junto a mais de 200 investidores e a um grupo de cinco pesquisadores. As métricas propostas se revelaram úteis tanto para proteger o patrimônio de quem investe quanto para aumentar os ganhos de que age de forma excessivamente conservadora. “Indivíduos que apresentam muito viés psicológico tendem a obter pior retorno nos investimentos, o que compromete a sua saúde financeira, física e mental”, disse Cardoso. “Apesar disso, os questionários utilizados pelos bancos e corretoras avaliam quase exclusivamente variáveis sociodemográficas”. Para ele, isso não é suficiente para diagnosticar o “perfil de risco”.

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“A NeuroEcomics junta a experiência de cientistas do comportamento e a habilidade de desenvolver negócios e oportunidades” Antônio Cássio dos Santos.

No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já realizou um estudo avaliando a relação entre personalidade, letramento financeiro e portfólio de investimentos. Ainda assim, a instrução normativa N° 539 da CVM, que dispõe sobre o dever de verificação da adequação dos produtos, serviços e operações ao perfil do cliente, não faz menção aos vieses e fatores psicológicos como ansiedade ou impulsividade. “Isso reduziria até o risco de processos judiciais devido a recomendação de produtos financeiros inadequados ao perfil dos clientes”, afirmou Cardoso. O sócio Machado destaca outras conclusão da metodologia: “Descobrimos que quanto maior o nível de vieses menor é a porcentagem do patrimônio alocada em investimentos de renda variável”. Ou seja, mais a pessoa tenta se proteger — e acaba desperdiçando oportunidades de ganho.