Imagine essa situação corriqueira: você tem algo a fazer, seja profissional ou pessoal, que depende de uma informação. Uma simples pesquisa online, seja em sites de notícias ou de empresas, pode resolver. Nesse processo, você chega a uma página que aparenta ter tudo o que precisa. Problema resolvido? Sim, mas não, sem antes, concordar com sua nova política de privacidade. E, aí? Você concorda e acessa o conteúdo? O tempo urge. Na pressa, você aceita, sem ler. Ou se ler, percebe que é um documento jurídico que demandaria um advogado para esclarecer seus detalhes.

Esse exemplo ilustra o que tem acontecido, diariamente, com todos usuários da internet em países que criaram leis de proteção de dados. No Brasil, a já famosa LGPD passou a valer em plena pandemia, fazendo com que esse processo ocorra com cada vez mais frequência.

Uma lei, que implica em riscos econômicos substanciais para as empresas, faz com que o mercado se movimente para entender e implantar procedimentos que mitiguem suas ameaças. Inúmeros artigos foram escritos em torno da lei, mas sua essência é a proteção dos dados pessoais, de modo a salvaguardar as informações de pessoas físicas. Transparência, responsabilidade (das organizações) e consentimento (dos titulares) passam a ser o novo parâmetro nesta realidade.

Muitos negócios bilionários são construídos a partir de bancos de dados, mesmo que sua operação em si não seja lucrativa. A perspectiva de monetizar os dados pessoais é que faz com que investidores reconheçam a riqueza que está por vir. Sendo assim, todo o possível será feito para garantir a continuidade do acesso e uso dos dados.

Porém, se, por um lado, temos um avanço, pois passamos a ter o direito legal de conhecer o destino de nossos dados e de poder negar o seu uso indevido; por outro, vemo-nos diante de engodo procedimental. As empresas estão buscando se defender juridicamente e a criação da política de privacidade faz parte deste processo. Ao clicarmos no “concordo”, estamos abrindo mão de muito desses direitos, sem saber bem o que estamos concordando. Somos, assim, de certa forma, reféns do contexto, pois precisamos dos conteúdos e serviços, e, para isso, precisamos pagar esse pedágio e ceder. Se o mérito da lei era garantir o direito, talvez, ela possa estar falhando na prática.

Enquanto isso, o governo corre para estruturar uma entidade que fiscalize o cumprimento da LGPD, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). E considerando a amplitude da extensão da lei – que se aplica às informações pessoais capturadas e tratadas por empresas privadas, órgãos públicos ou até mesmo por pessoas físicas, seja online ou offline – não vai faltar trabalho para esses fiscais. E, na falta deles, multas já começam a ser aplicadas pelo judiciário.

Como será possível uma fiscalização de tamanha amplitude? Qual o tamanho da estrutura capaz de dar conta dessa missão hercúlea? Deveria ser o foco desta entidade fiscalizar ou educar e orientar? Eventualmente, uma frente de trabalho poderia ser a de criar uma plataforma de adesão única, em que as empresas e cidadãos se conectassem.  Na qual o titular dos dados pudesse escolher, num menu com linguagem simples e objetiva, quais termos aceita ou não. Evitando, assim, a cada website, ter que ler uma nova política, um novo contrato.

Da forma como a conformidade da lei está sendo implantada, os usuários vão sendo induzidos a concordar com termos que podem ser prejudiciais a eles próprios no futuro, em troca de conveniências e urgências cotidianas que se impõem.

A lei é positiva e um caminho sem volta, mas os direitos a ela associados e os desafios de sua implantação carecem ainda de debate. É mais do que uma questão jurídica ou cibernética. É um novo paradigma.

Cecília Andreucci é conselheira de administração, mestre em consumo e doutora em comunicação.