Infileirados em um hall em frente a uma porta de vidro repleta de sacos de areia para proteção, a equipe da State Service of Special Communication and Information Protection of Ukraine preparava-se para receber medalhas, no dia 16 de abril, do presidente Volodimir Zelenski. “É muito importante que tenhamos uma moderna e ininterrupta conexão com nossos parceiros no Ocidente desde o primeiro dia da guerra”, disse o chefe de Estado na entrega. E quem tem feito essa guerra de bits com a Rússia, que invadiu o país em 24 de fevereiro sob justificativa de desmilitarização e desnazificação do território, é outro grupo com nome autoexplicativo e que trabalha interligado à comunicação, o Computer Emergency Response Team of Ukraine (Cert-UA). “A Ucrânia não está em guerra só em terra, mar e ar. Somos parte do primeiro confronto no mundo em escala total, incluindo uma ciberguerra”, afirmou à DINHEIRO Victor Zhora, diretor do Escritório de Transformação Digital da Ucrânia.

O contato brasileiro com o Cert-UA passou por várias etapas de confirmação e segurança, até mesmo envio de documentos comprobatórios. A preocupação tem razão de ser, pois qualquer e-mail, mensagem de Whatsapp ou telefonema ­— sim, eles ligaram para se certificar que o número vinha do Brasil — pode infiltrar algum vírus e criar monitoramento ou interrupção no sistema de comunicação ucraniano. Apesar da foto solene de entrega de medalhas, a Ucrânia é um país em guerra há dois meses, com número estimado de mortos, dos dois lados, segundo a Reuters, de 46 mil pessoas.

O quadro atual mostra a resiliência de um pequeno país frente a um de dimensões continentais, quase uma caricata batalha Davi contra Golias, retirando as implicações históricas e políticas, que vêm de longe. Um exemplo do que acontece por lá é justamente a tentativa do grupo hacker Sandworm de derrubar no mês passado o sistema de energia elétrica ucraniano, que deixaria mais de 2 milhões de pessoas no escuro — incluindo o escuro da comunicação, impensável para a estratégia e logística militar da Ucrânia. Com isso, a Cert-UA está, na verdade, no front de batalha, em uma das primeiras e mais importantes trincheiras. E a arma recente não foi um tanque ou um míssil, foi um malware.

Com o debochado nome de Industroyer2, ele foi introduzido de maneira bem-sucedida e interrompeu em março um estágio no sistema da estação de energia conhecido como Scada. Tão logo detectado, foi colocado em quarentena. Mas semanas depois, hackers conseguiram seu intuito no sistema de TI, deixando algumas regiões sem comunicação. Empresas parceiras do país, como a Vodafone, rapidamente alocaram novas torres até tudo voltar à relativa normalidade. Zhora admite que estão tendo sorte. “O Sandworm é um grupo hacker muito conhecido e sua conexão com o governo russo já foi revelada anteriormente pelas autoridades americanas.”

ATAQUES MASSIVOS Uma das usinas do país é alvo constante. Já aconteceu em 2015. Em 2016, o Sandworm conseguiu um breve blackout na Ucrânia. Em dezembro de 2021, outra tentativa. A Ucrânia diz que desde janeiro os russos não param de lançar massivos ciberataques. Alguns com êxito, como modificar websites, entrar em um canal de TV ou temporariamente bloquear serviços variados on-line. Zhora reforça que ninguém está 100% protegido de ciberataques e graças aos satélites da Starlink, de Elon Musk, os militares têm comunicação sem interrupção. “Temos de ter resiliência para minimizar as consequências. Os ucranianos, com a guerra, estão mais unidos, o que nos faz mais fortes e destemidos.”

A equipe já agradeceu parceiros externos, como a Microsoft e a firma de segurança virtual eslovaca Eset. O centro coleta e compartilha informações com parceiros internacionais, incluindo empresas líderes no setor de segurança. “E somos muito gratos”, disse Zhora que, por prevenção, não informa se a equipe trabalha remotamente ou em algum prédio governamental. O fato é que nenhum ataque em grande escala conseguiu seu total intento na batalha do grande contra o pequeno. “Subestimar seu inimigo nunca é uma boa ideia”, afirmou Zhora.