Estradas esburacadas, pontes inacabadas, portos do século 19, prédios públicos sucateados ou abandonados… Não é preciso andar muito para perceber que o Brasil investe pouco (e muito mal) os recursos da União. E isso ajuda a explicar porque nossa economia vive em uma espécie de Era Medieval da competitividade. Essa dura realidade foi constatada pela Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). O mais recente estudo da entidade mostra que em 1979 o Brasil investiu, em valores atualizados, R$ 930 bilhões em obras que serviriam para o País se tornar um polo do desenvolvimento mundial. Depois disso, especificamente entre 1980 e 2019, o volume somou R$ 45 trilhões. Se a cifra parece estrondosa quando olhada pela primeira vez, ela se torna vergonhosa quando comparada aos nossos pares emergentes. Caso o governo brasileiro tivesse acompanhado o ritmo da Índia, por exemplo, deveríamos ter investido mais de R$ 200 trilhões no mesmo período.

Mas a Índia é apenas um entre tantos exemplos. Sem investimentos suficientes para acelerar e dar competitividade à economia, o Brasil tem ficado para trás sob qualquer base de comparação internacional. Em números o estudo revela que entre 1980 e 2019, o País investiu 49 vezes o volume de 1979. No mesmo período, considerando outras nações emergentes, o multiplicador foi de 249 na Índia; 202 na Coreia do Sul; e 66 na África do Sul. Mesmo os Estados Unidos, a maior economia mundial, que já entraram no século 20 com boa parte de sua infraestrutura desenhada, foram investidas 81 vezes o valor de 1979 entre 1980 e 2019.

O diretor de Planejamento e Economia da Abdib, Roberto Guimarães, avalia que o baixo investimento e a má gestão dos recursos investidos minguaram a competitividade da indústria nacional nas últimas décadas. Para ele, como as despesas obrigatórias consomem quase todo o Orçamento, os cortes de gastos sempre recaem sobre os investimentos. O Orçamento previsto para este ano representa, segundo as contas da entidade, 25% do que foi há 15 anos.

SEM CAMINHO Falta de estratégia e má gestão fazem com que o Brasil gaste mal seus recursos públicos e deixe a desejar em praticamente todas as áreas da infraestrutura. (Crédito:Divulgação)

E como a engrenagem da economia precisa que os investimentos públicos e privados se movimentem de forma simultânea, essa falha do Estado desencoraja as empresas a investir. Nos cálculos da Abdib, a produção industrial brasileira poderia obter um adicional de R$ 6,5 trilhões se tivesse crescido como a Coreia do Sul, entre 2010 e 2021. Com relação ao México, R$ 5,1 trilhões (2,9 vezes). Com relação à África do Sul, teríamos dobrado a produção.

As perspectivas atuais também não são boas. Este ano os investimentos federais em infraestrutura atingiram o menor patamar que se tem notícia desde pelo menos os anos de 1940, ao menos quando avaliado o percentual em relação ao PIB. Nas contas da Fundação Getulio Vargas (FGV), os recorrentes cortes nos investimentos que começaram em 2015 fizeram com que os gastos com infraestrutura somassem míseros 0,1% do PIB, contra média de 0,5% da última década.

Na cartilha geral da gestão de recursos, endossada por economistas e pelo governo, qualquer valor inferior a 0,5% tem caráter paliativo. Bráulio Borges, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, é um dos que fazem esse cálculo. “É como tapar os buracos da estrada, só para mantê-la existindo”, comparou, ao apresentar os dados no ano passado. Para ele, o Brasil tem sérias deficiências de infraestrutura e precisaríamos estar investindo ao menos 0,5% do PIB, só para não depreciar o que já exite, para a ponte não cair. “Mas estamos caminhando para praticamente zerar o investimento público como proporção do PIB.”

PASSADO E apesar do inconsciente coletivo nos levar a pensar que o Brasil sempre foi assim, os números mostram que não. Quando havia uma participação maior do Estado no mercado, existia por consequência mais dinheiro público financiando infraestrutura. Na primeira metade do século 20, em especial em governos como o de Getúlio Vargas e JK, os investimentos giravam entre 1% e 2% do PIB. Mas esse gasto não vem ileso. Gastar mais exige arrecadar mais. E com a implementação da Ditadura Militar, cresceu vertiginosamente também o tamanho do Estado. Com o Estado exigindo mais dinheiro para se custear era uma questão de tempo até a conta deixar de fechar.

Desde então, a máquina pública ficou inchada e inviabilizou o investimento na modernização do País. Depois, para coroar nosso insucesso, a globalização e nossos pares emergentes fizeram o resto do trabalho para o Brasil despencar no quesito competitividade. Após anos gastando muito e mal, o economsita Paulo Rocha, destaca que agora é preciso arrumar a casa. “O Brasil tem que definir o que quer ser, além do agronegócio e da mineração.” Na prática ele quer dizer que pior do que não construir nada é se endividar construindo algo que liga nada a lugar nenhum, como temos feito até aqui.