Foi uma confusão tremenda. O Governo ameaçou quebrar a estoica “regra de ouro” do equilíbrio fiscal, segundo a qual a tomada de empréstimos pelo Estado não pode superar a sua disposição de investimentos no ano corrente em questão. Em outras palavras: é proibido buscar crédito para financiar custeio. Do contrário, se fere a lei e, nessa eventualidade, o presidente Temer poderia vir a ter o mesmo destino de sua antecessora Dilma, qual seja: o impeachment. Por uma questão de ajuste orçamentário, dada à herança maldita de um rombo financeiro monstro deixado pela gestão petista, Temer resvalou nessa opção. Cortou investimentos e a conta de entradas e saídas corria o risco de ficar desigual.

A oposição não perdoou. Deu-se corda para a acusação de irresponsabilidade fiscal. Nesse terreno pantanoso das contas públicas, qualquer deslize é fatal. Mesmo que praticado involuntariamente. Aos fatos: a dificuldade atual em se cumprir a “regra de ouro” se deve, fundamentalmente, à sucessão de déficits primários gerados pelas práticas inconsequentes adotadas de 2014 em diante. Dilma Rousseff – todos lembram — congelou tarifas de energia, dos combustíveis e quetais para praticar populismo. Distribuiu benefícios a rodo e concessões nos impostos para angariar apoios. Fez o diabo e bagunçou o orçamento.

Como cobrir esse buraco no caixa? Efetivamente, o Governo tem que aumentar dívida para pagar as chamadas despesas correntes, tais como aposentadorias e salários. Mas isso não pode. A “regra de ouro” não permite. A única alternativa plausível seria mudar a lei. Ou, como pretende agora segundo anúncio do Ministério da Fazenda, jogar todas as fichas na aprovação da reforma da Previdência. O recuo estratégico no campo fiscal foi de natureza política, mas se caiu em outra arapuca, também política, que é a disposição parlamentar para aprovar um tema tão amargo como o corte de aposentadorias em ano eleitoral.

De uma maneira ou de outra, a armadilha está posta. E as agências de risco já precificaram a situação reduzindo a nota do Brasil na semana passada. Pergunte-se de todo modo a dez entre dez empresas se, nas circunstâncias atuais, após anos de penosa recessão, elas teriam condições de cumprir uma “regra de ouro” nesses termos, caso algo parecido lhes fosse imposto? A resposta, unanimemente, seria não. Crédito para custeio torna-se ainda mais vital em meio a crises econômicas como a vivida recentemente.

Daí cabe outra pergunta: é crível o funcionamento de uma “regra de ouro” nessas circunstâncias, mesmo para a União? Não seria mais razoável uma gestão conjunta do Executivo e do Legislativo para arrumar a casa? Onde fica o bom-senso no caso? Obviamente, não se pode ferir outra cláusula pétrea das finanças federais que é a do compromisso com despesas vinculadas. A solução para se superar uma herança maldita, que ficou para todos os brasileiros, passa inevitavelmente pelo Congresso. A palavra – e a culpa por qualquer equívoco neste sentido – está com ele. Ou muda a “regra de ouro”, ou entrega a tão esperada reforma da Previdência.

(Nota publicada na Edição 1052 da Revista Dinheiro)