Os dados do mercado de trabalho aqui nos Estados Unidos têm deixado os economistas atordoados. A primeira surpresa veio no relatório de emprego referente ao mês de março, divulgado em 2 de abril. O consenso apontava para o fato de que mais de um milhão de americanos teriam conseguido entrar na folha de pagamentos dos setores público e privado. A realidade, no entanto, foi diferente: somente cerca de 260 mil trabalhadores conseguiram arranjar emprego.

O que teria acontecido? Poucas oportunidades? Um número mais baixo de novas vagas abertas? Com a gradual reabertura da economia na maioria dos estados, os relatos dos empregadores vão na direção contrária: precisamos contratar e não temos encontrado profissionais, dizem os representantes das indústrias mais afetadas.

Os relatos conferem com a realidade dos números. O ‘U.S. Bureau of Labor Statistics’ divulgou na semana passada o relatório JOLTS, acrônimo para ‘Job Openings and Labor Turnover Survey’. Os dados indicam que em abril foram criadas 998 mil novas vagas de emprego. Segundo a pesquisa, o total de vagas a serem preenchidas é superior a nove milhões, o maior índice da série histórica. Com esse ritmo na criação de vagas de trabalho, o índice de desemprego deveria estar convergindo rapidamente aos níveis pré-pandemia, de 3,6%. Apesar disso, o último número divulgado gira em torno dos 6%.

Na minha visão, essa dicotomia tem duas razões. A primeira, e menos importante, é que muitas escolas ainda não voltaram a ter aulas presenciais – e com as crianças assistindo a aulas online fica muito difícil trabalhar fora de casa. A segunda, e mais relevante, é que boa parte dos americanos recebeu, recentemente, US$ 1.400 do governo como parte do auxílio aprovado no último pacote de incentivos do governo Biden, o ‘American Rescue Act’. O mesmo plano aprovou, adicionalmente, a extensão do auxílio adicional ao seguro-desemprego de US$ 300 por semana até setembro.

Assim, apesar da reabertura da economia e da franca recuperação que se observa, a realidade é que os pacotes mais recentes de auxílio têm servido como um desincentivo à procura de empregos. Em muitas situações, a combinação do seguro-desemprego com o adicional aprovado excede o salário que o setor privado oferece. Há muita gente sem emprego por aí ganhando mais do que se estivesse empregada.

Há duas soluções possíveis para esse problema: ou se antecipa o fim dos auxílios emergenciais ou se incentiva o setor privado a pagar salários mais altos. A primeira alternativa, fiscalmente mais responsável, retira a mão do governo de um cenário que o mercado consegue resolver sozinho. A segunda cria uma externalidade que força o aumento de salários, com a consequente pressão nos índices de inflação. É nessa direção que o governo tem pretendido seguir.

O aumento dos salários cria, como consequência, um aumento do preço final dos produtos. Ao contrário da inflação de commodities, essa pressão nos preços tem caráter mais permanente do que temporário. As commodities se comportam em ciclos, com momentos de alta e baixa. Já os salários se incorporam à curva de custos das empresas e, em um ambiente de crescimento já acelerado por estímulos monetários, coloca mais lenha na inflação.

O alento é que os estímulos adicionais ao seguro-desemprego terminam em setembro. É possível que esse ciclo seja quebrado nos próximos meses e que, nesse meio tempo, as empresas não sancionem aumentos expressivos de salários adiando contratações ou com ganhos adicionais de produtividade. Considerando que a demanda existe e é forte, porém, adiar contratações significa perder receita e mercado. Assim, o balanço de riscos para a inflação, a olhos de hoje, é mais desfavorável: o campo da inflação temporária ainda é o majoritário, mas é a pressão sobre os salários que vai ditar a dinâmica desse processo.

Com o mercado de ações americano nas máximas históricas, um ambiente de incerteza no campo da inflação favorece os ‘value investors’. Isso já vem acontecendo desde novembro do ano passado, e deve continuar durante o segundo semestre deste ano. As ações de vanguarda, medidas por múltiplos de vendas e não de lucros, devem continuar o ajuste para baixo. E as ações do setor financeiro devem ser as mais beneficiadas.

Esperemos de fato que a inflação seja temporária. A conferir.