O desarranjo inflacionário pelo qual passa o Brasil não é fenômeno exclusivo da economia interna, mas também de outras potencias no mundo, como a Alemanha e vizinhos europeus. No bojo dessas altas, gastos com energia e alimentos se revelam os principais vilões do poder de compra dos consumidores aqui e lá fora.

Nesta quinta-feira (30) o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) manteve projeção de alta de 8,3% para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e de 8,6% para o Índice Nacional de Preço ao Consumidor (INPC) em 2021. A variação do IPCA em 12 meses atingiu 9,68% em agosto, enquanto no acumulado do ano o IPCA bateu alta de 5,67%, valor acima do limite da banda inflacionária estipulada pelo Banco Central (5,25%).

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O próprio Banco Central já reconhece que a meta da inflação para 2021 será violada. No início do ano o alvo era ficar com o IPCA próximo de 3,75%, em um intervalo até 5,25%, mas em um relatório trimestral de inflação divulgado hoje pela instituição monetária, a probabilidade de chegar ao final de 2021 com uma taxa inflacionária de 8,5% (3,25% acima do limite) já é considerada realidade.

Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o economista Fernando de Holanda Barbosa acredita que o Banco Central demorou muito tempo para ajustar a política de baixas taxas de juros, o que, alinhado ao choque da pandemia e a crise hídrica, causaram inflação e ampliaram a dor de cabeça do Ministério da Economia.

“O Banco Central já não consegue mais controlar a inflação este ano e está olhando para a meta de 2022 e 2023. O efeito colateral disso [aumento dos juros] é que a economia vai subir muito menos em 2022 e será um ano de vacas magras”, ponderou Barbosa.

Europa começa a patinar com aumento inflacionário

Enquanto isso, na Alemanha a inflação bateu recorde em setembro e chegou a 4,1% ante 3,4% em agosto, o maior registro feito desde 1997, quando teve início a série harmonizada das economias da União Europeia. O mesmo seguiu na República Tcheca, que nesta quinta-feira (30) anunciou aumento da taxa de juros em 75 pontos-base, o maior desde 1997, para controlar a inflação que passa dos 4,1% e opera 1 ponto percentual acima da faixa de tolerância do Banco Nacional Tcheco.

“Na Europa você não teve uma desvalorização do Euro como aconteceu com o Real, e nem mesmo a moeda tcheca, neste contexto, desvalorizou. O que você tem é um certo desarranjo da oferta. A Alemanha estava desligando usinas nucleares e dependendo cada vez mais do gás natural da Rússia. E a Rússia, por sua vez, estava atendendo mais a demanda dos países asiáticos, que são países que contam com crescimento maior. Isso faz com que o preço do gás natural no mercado europeu aumente, por exemplo”, apontou Josilmar Cordenonssi, professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Pandemia acentuou problemas anteriores

Para os dois economistas ouvidos pela Dinheiro, o problema inflacionário é causado pela pandemia, mas é, também, um problema anterior, principalmente no Brasil, onde a questão fiscal assolou o governo Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e está longe de ser resolvido por Jair Bolsonaro.

“Desde o início do governo Bolsonaro temos essa crise fiscal, que foi agravada porque precisou dar dinheiro para resgatar as pessoas na pandemia. Se o governo não faz a política adequada, o Risco País aumenta e essa é uma variável que, quando sobe, a taxa de câmbio vai embora. Isso agravou os preços, porque quando as commodities sobem os preços sobem”, disse Barbosa.

Cordenonssi avalia que as cadeias produtivas durante a pandemia não acompanharam o auxílio emergencial e os auxílios fiscais nos Estados Unidos e na Europa. E para o ano que vem, com um cenário em que a vacinação estará adiantada e a covid-19 tende a estar controlada, os preços devem seguir altos no mundo inteiro exatamente porque muitos agentes econômicos como o setor do petróleo, por exemplo, operam de forma mais complexa e trabalhosa.

“Não sei se vai ter tempo suficiente para essa acomodação dos preços no ano que vem. Nos Estados Unidos está acontecendo um problema que é o de muita gente preferindo ficar em casa ao invés de voltar trabalhar. Isso está impulsionando os salários, que estão ficando mais altos e isso, com certeza, vai impactar a inflação lá. A Europa deve passar por um problema parecido”, observou Cordenonssi.

O Brasil, aponta o economista, não sofre com este problema porque a situação do desemprego interno já era elevada antes da pandemia, mas os reajustes salariais do ano que vem podem virar fonte de pressão inflacionária.