No último dia 8, o IBGE divulgou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de setembro, apontando que o terceiro grupo com maior variação foi o dos alimentos (1,02%). Itens como a carne, apresentaram diminuição mensal de 0,21%, mas ainda acumulam 24,84% de alta nos últimos 12 meses e os preços devem seguir altos até meados de 2022.

E o que explica o encarecimento dos produtos de alimentação nos supermercados?

Mercado externo

O agronegócio encontrou na alta do dólar a galinha dos ovos de ouro. Com a moeda norte-americana flertando na casa dos R$ 5,50 a R$ 5,60, vender para outros países recebendo em dólar, é muito mais lucrativo do que abastecer o mercado interno. Dado a alta demanda mundial por alimentos, os produtores estão vendendo como nunca e, por tabela, a oferta está menor no Brasil.

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Com esse “patamar de equilíbrio” alcançado pelo produtor agrícola, que se beneficiou da explosão do dólar frente o Real, o economista e pesquisador da FGV Ibre, Matheus Peçanha, explica que seria possível que o governo criasse mecanismos de controle das exportações, mas os custos colaterais seriam danosos para o governo Jair Bolsonaro.

“O governo poderia criar um imposto de exportação sobre a carne, mas existe um custo político para isso, já que o agronegócio é uma das bases eleitorais do presidente. Em outro sentido, fiscalmente oposto, seria possível criar algum tipo de subsídio para que essa carne ficasse no Brasil e fosse vendida aqui. Seria uma espécie de ‘hedge cambial’, complementando a receita do produtor com o que ele teria no mercado externo”, explicou o economista.

Nesse último cenário, o governo lidaria com o custo do próprio orçamento, dado que teria de furar o Teto de Gastos, e administrar problemas fiscais, de credibilidade e políticos.

Cadeia produtiva mais cara

E se o produtor navega na alta do dólar, ele precisa lidar com o alto custo da produção já que o mercado começa a sofrer com a escassez na oferta de um dos produtos essenciais para a produção: os fertilizantes. Insumos como fosfato, cloreto de potássio e ureia são importantes para manter culturas de soja e milho e viraram itens de primeira ordem nos países em que a economia está entrando nos eixos com a desaceleração da pandemia.

“Os preços externos não param de subir, a cadeia produtiva de alimentos não consegue se reorganizar ao que era antes da pandemia e não é uma questão somente de transporte, mas principalmente a alta no preço de fertilizantes no mundo inteiro, em que a grande produtora é a China”, avalia o economista da ESPM, Leonardo Trevisan.

Ele observa que pelo menos 35% da composição de custos do setor de alimentos é só de fertilizantes.

Pelo recorte dos Transportes, a operação logística também está mais cara, com a inflação dos combustíveis batendo a casa dos 40% no acumulado dos últimos 12 meses. Quem puxa a lista é o etanol, com alta de 64,77%, seguido por gás veicular (38,46%), gasolina (39,60%) e óleo diesel (33,05%), combustível que move os caminhões.

“Na questão da logística, com o diesel encarecendo o frete, essa alta vai durar enquanto a Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) seguir com a política de restrição da oferta, que não vai durar para sempre, mas não tem muita perspectiva de quando será encerrada”, observou o economista da FGV.

Seca

Reservatórios de todo o País estão lidando com a falta de chuvas durante o ano. O Sistema Cantareira, responsável por abastecer a região metropolitana e a capital de São Paulo, além de outras 10 cidades, por exemplo, opera com 28% da capacidade nesta segunda-feira (18).

Para contornar o problema, o governo federal ampliou a bandeira tarifária da energia para compensar o uso das usinas termelétricas (as mais caras do sistema elétrico) e importar mais energia para atender a demanda interna. Com a energia mais cara, produtores e revendedores repassam os custos para o consumidor, que paga mais caro.

“A perspectiva é de que neste verão esse problema hídrico se resolva, tanto que a bandeira mais onerosa vai até abril. Com isso se resolvendo, a inflação de alimentos vai ficar à mercê de safra e entressafra”, disse Peçanha.

E quando o carrinho de mercado vai ficar mais barato?

Ambos os economistas são diretos ao fazer uma análise de melhora no cenário para 2022, situação em que o preço da alimentação deve voltar a cair somente no segundo semestre.

Matheus Peçanha acredita que o sinal inflacionário começa a dar sinais de recuperação ainda neste ano, principalmente com a estabilidade do dólar em R$ 5,30 e o retorno das chuvas de fim de ano, mas os efeitos disso só serão sentidos em 2022.

“Até o primeiro trimestre, vamos ver os alimentos pressionados porque essa transmissão de queda é muito mais lenta do que a transmissão de alta. Até desinflacionar toda essa estrutura de custos demora um pouco mais de tempo”, apontou.

Trevisan aposta que a normalidade só voltará com as cadeias produtivas se regularizando, e o transporte voltando a lidar com os preços em processo de recuo.

“O próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) já sinalizou que talvez, para o segundo semestre, tenhamos uma regularização das cadeias produtivas e um início do controle do processo inflacionário”, indicou.