Gastos em alta, pandemia fora de controle, arrecadação sem trajetória definida, Orçamento público travado… Os fatores que compõe uma tempestade perfeita estão unidos no campo fiscal e político brasileiro. Depois de aprovar com três meses de atraso, no último dia 25, a Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2021, o Congresso jogou uma faísca no barril de pólvora de Brasília, onde quase tudo parece fora de lugar. E se o País está fora de ordem, a incapacidade de execução do Orçamento deste ano parece ser o ponto máximo. Conseguiu até o improvável, unir a todos. O Executivo, lideranças políticas, a oposição, especialistas, técnicos, todos concordam: ele é inexequível – palavra do próprio ministro da Economia, Paulo Guedes. E ele está certo. Rodeado de armadilhas capazes de derrubar um presidente por pedalada fiscal e recheado de projeções distante da realidade o relatório final vindo do Congresso é mais uma jabuticaba brasileira. E podre.

Vendo quão distante da realidade está o Orçamento, Guedes fez um apelo na terça-feira (30) para que o Congresso reveja os mais de R$ 26 bilhões destinados no Orçamento para emendas parlamentares. “As manobras contidas no texto tornam sua execução inexeqüível”, afirmou. Em um apelo aos políticos, Guedes pediu que haja bom senso e alinhamento para que os entendimentos políticos caibam nos orçamentos públicos. “Para que a gente cumpra o duplo compromisso, com a saúde dos brasileiros e a responsabilidade orçamentária”, afirmou. Segundo ele, o apelo da equipe econômica leva em consideração a necessidade de mais gastos para combater a pandemia de Covid-19. “Não quer dizer que tem de ficar estritamente dentro do teto o que for relacionado à Covid, mas precisa ser com valor definido.” Segundo o texto do Congresso, a pasta da saúde receberá neste ano R$ 136 bilhões, ante os R$ 160 bilhões de 2020.

“Sim, tem problemas” Arthur Lira, presidente da Câmara, afirmou que o Orçamento aprovado na Casa possui problemas estruturais que precisariam ter sido revistos. (Crédito:Pablo Valadares)

Para o economista-chefe do Banco Ourinvest, Welber Barral, ao se deixar um alto volume de recursos destinados à administração de deputados e senadores cria-se um ambiente que apenas fortalece as bases eleitorais para o pleito de 2022 e não leva em conta as reais necessidades do País. “Como está, o Orçamento não é realista”, afirmou. “A desconfiança do mercado é de como o governo vai resolver isso sem buscar saídas de contabilidade criativa, como as que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff.” O texto detalha que o déficit primário nas contas públicas deve chegar a R$ 247,1 bilhões, e a estimativa de rombo total no setor público é de R$ 251,1 bilhões (considerados estados, municípios e empresas controladas pelo Estado).

SEM CHANCES Da forma como foi aprovado, o Orçamento desagradou gregos e troianos em Brasília. Até mesmo o presidente da Câmara, Arthur Lira, alertou que resistência do Congresso em abrir mão de suas emendas pode deixar o País numa situação complicada e com riscos ao teto de gastos. Parlamentares mais equilibrados mentalmente argumentam ser irracional retirar recursos de despesas obrigatórias para bancar emendas. O Novo e o PSol – sim, o Novo e o Psol pensam a mesma coisa – apresentaram destaques que visavam diminuir o montante desviado. “Este é o pior Orçamento da história”, disse a deputada Sâmia Bomfim (PSol-SP). Outros nomes de peso na arena econômica, como Mansueto de Almeida, ex-secretário do Tesouro e hoje economista-chefe do BTG Pactual, e Carlos Kawall, do ASA Investments, concordam. “Eu, como secretário do Tesouro, teria medo de assinar documento com os valores aprovados pelo Congresso”, afirmou Mansueto, durante live do Valor Econômico. Kawall foi no mesmo tom. “A situação criada pelo Congresso é revoltante e precisa ser corrigida. A ação do Congresso, com conivência do governo, mostra desprezo pela situação do País”, disse.

Não bastasse todo esse nó, a ampliação na verba de emendas privilegiou projetos em estados de aliados do presidente Jair Bolsonaro. A manobra, que tirou dinheiro de despesas obrigatórias, como Previdência, também foi alvo de críticas de Paulo Guedes. Como está desenhado atualmente, rodovias, adutoras e barragens ganharam recursos no Orçamento após pressão de integrantes do Centrão por mais emendas parlamentares. Estados de políticos próximos de Bolsonaro, como Amapá, Amazonas, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte – que juntos têm 7,5% da população do País – estão entre os mais beneficiados. Completamente descolado da realidade, o Orçamento aprovado no Congresso não foi falha humana, mas um estrago premeditado.