Se o ritmo da retomada de pedidos da fabricante de autopeças Sawem se mantiver nos próximos meses, a empresa abrirá em breve mais uma temporada de contratações. A expectativa é a de recuperar as 47 vagas que foram fechadas durante a crise, entre 2014 e 2016. A companhia paulista já conseguiu reabrir um turno e recompor 10% da força total de funcionários do pico. Viu ainda a utilização da fábrica na zona leste de São Paulo subir para 65% da capacidade, depois de operar por meses usando apenas metade do parque industrial. “Nosso pico de produção, em 2013, foi de 5 milhões de peças por mês”, diz o diretor financeiro, Leonardo Braz. “Durante a crise, a produção caiu 40%.” Enquanto a recuperação vai ficando mais clara, o desafio é correr atrás do atraso para tentar modernizar a linha de produção. “O nosso parque fabril está muito defasado e depreciado porque passamos um período fazendo apenas manutenção corretiva”, afirma Braz. “Agora estamos comprando novos equipamentos e tecnologias mais avançadas.”

Os sinais de que a crise da indústria vai ficando para trás estão por todas as partes e têm como maior símbolo o segmento de veículos automotores, onde se encaixa a Honda, principal cliente da Sawem. Recentemente, a Toyota anunciou estudos para a criação do terceiro turno de trabalho, o que significará a produção por 24 horas pela primeira vez em 60 anos de atuação da marca japonesa no País. Com um crescimento de 17,2% em 2017, o segmento foi o principal motor para o avanço dos parques fabris como um todo. O resultado positivo de 2,5% na produção industrial foi o melhor desta década e reverteu a sequência de três anos de queda. Para 2018, as expectativas são de um novo impulso. Com uma melhora no volume fabricado, as projeções do Bradesco indicam um crescimento de 3,2% do PIB industrial, o que seria o primeiro avanço desde 2013 (leia quadro ao final da reportagem).

Dois fatores explicam a retomada. Um deles é a exportação, que permitiu a utilização de estoques e a volta da produção. O segundo, o aumento do consumo nacional, impulsionado pela queda de juros, da inflação e do desemprego. Na prática, os consumidores passaram a gastar mais. Impulsionada por esse estímulo interno, a empresa catarinense de lingeries 2 Rios já percebeu uma melhora nas vendas. Voltou a ampliar a mão de obra e a reutilizar máquinas que estavam paradas. “Voltamos a contratar, abrimos novas lojas e acreditamos que até o meio do ano estejamos com uso de 100% da nossa capacidade instalada”, afirma o presidente da companhia, Matheus Fagundes. Durante a crise, a estratégia foi ampliar a gama de atuação para novas linhas, como os nichos plus size e mães em período de amamentação, para não depender apenas das vendas tradicionais de lingerie sofisticadas. Na retomada, isso se torna um diferencial.

De volta ao pico: a fábrica têxtil da 2 Rios, em Santa Catarina, espera utilizar toda a
capacidade instalada até o meio do ano (Crédito:Divulgação)

Apesar dos sinais de aquecimento na indústria, os especialistas mantêm cautela em relação ao setor, em especial após o longo período de prostração. “Estávamos numa posição muito ruim”, afirma Tabi Thuler, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Mesmo com melhoras, ainda estamos recuperando as perdas.” Nas previsões do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), se mantido o ritmo de avanço atual, somente em dezembro de 2024 a produção alcançaria o pico registrado em julho de 2013. A consequência é uma defasagem tecnológica. “Países emergente sempre têm de correr atrás dos líderes”, afirma o economista do Iedi, Rafael Cagnin. “Crises como essa dificultam esse processo, pois fragilizam as empresas e bloqueiam projetos.”

A contenção de gastos na indústria pôde ser vista nos contratos da Ecosan Soluções, fabricante de equipamentos de saneamento. Durante a crise, os novos projetos industriais minguaram, restando apenas o braço de manutenção. “As indústrias tiveram uma queda de demanda”, afirma André Telles, presidente da Ecosan. “Com isso, não tinham mais fábricas para expandir e postergaram nossos serviços.”  O impacto se somou à retração de obras do outro grupo de clientes, as construtoras, e forçou um ajuste na produção. Somente um quarto das máquinas continuou sendo utilizado e mais de 75% dos funcionários foram dispensados. A virada começou em 2017, com três novos projetos de construção, um deles do setor automotivo. A capacidade utilizada subiu para 50% e houve readmissão de pessoal. Hoje, o grupo tira proveito do período recente de dificuldades. “A crise nos ensinou a sermos mais produtivos”, afirma Telles. “Um funcionário teve de aprender a fazer mais de uma tarefa e isso se tornou parte da nossa política de trabalho.”

Depois de um período tão longo de dificuldades, nem sempre é fácil e rápido discutir investimentos para aumentar a qualidade da produção. O mais natural é que se espere uma clareza maior na tendência de crescimento primeiro. “Com a crise, muitas empresas ficaram com pouco dinheiro em caixa”, afirma Flávio Castelo Branco, gerente executivo de política econômica da Confederação Nacional das Indústrias (CNI). “Além disso, incertezas macroeconômicas, como quem ganhará as próximas eleições, fazem com que o empresário adie seus investimentos.” Por quanto mais tempo as incertezas se prolongarem, pior para o País, que ficará para trás na corrida global de competitividade.