O mundo anda muito barulhento. Os ruídos vêm de todos os lugares – das buzinas, da reforma do vizinho, das mensagens que chegam a todo momento no celular e da própria mente, inquieta com tantos estímulos. Não à toa, o desejo por um pouco de quietude está em alta, e o mercado já percebeu isso. Um levantamento da Global Wellness Summit (GWS), organização internacional que reúne líderes de diversos setores da indústria do bem-estar, revelou que o silêncio está entre as principais tendências de investimento. Mas esse fenômeno já começou a aparecer em várias partes do mundo.

Fernanda Semler, do Botanique: “Silêncio é o luxo do nosso tempo” (Crédito:Kadu Schiavo)

Aeroportos, como os de Londres e Bristol (Inglaterra), Barcelona (Espanha), Varsóvia (Polônia) e Helsinque (Finlândia) criaram salas de embarque nas quais o silêncio é quase uma obrigação. Sutilmente, fazem anúncios apenas nos portões de embarque, salvo em casos de emergência. Informações sobre voos aparecem em displays e mensagens de texto que chegam via aplicativos. Restaurantes também passaram a promover refeições silenciosas. A rede asiática Ichiran, com 60 endereços no Japão, Hong Kong e Nova York, é famosa tanto por seu ramen (prato típico a base de caldo e macarrão) quanto por sua política de silêncio e suas cabines individuais. Nos spas Viva Mayr da Alemanha e da Áustria, fazer a refeição em silêncio é um dos pilares do programa alimentar, juntamente com o ato de mastigar de 30 a 50 vezes cada pedaço de comida. As possibilidades são numerosas, passando por campanhas de turismo como a da Finlândia, cujo slogan é “Silêncio, por favor” – que apela à contemplação para promover suas atrações naturais –, a fabricantes como a Bose, famosa por gerar uma boa qualidade e potência de som, agora combate a poluição sonora. A marca desenvolveu o fone de ouvido QuietComfort, com tecnologia de eliminação de ruídos externos. O modelo custa US$ 350, em média, nos Estados Unidos.

Mergulho no silêncio: de hotéis de luxo como o Botanique (Crédito:Elemento Comunicação)

O estresse causado pelo uso intenso dos dispositivos digitais, como o celular, é uma das causas por essa demanda maior por silêncio. A sobrecarga de informações gera um “barulho eletrônico”. “Imaginava-se que o nível de ruído da vida fosse diminuir, mas ele é crescente”, analisa o professor Silvio Passarelli, diretor das faculdades de administração e de economia da FAAP. O barulho aumenta os riscos associados ao estresse, como falta de concentração, dificuldade para dormir, aumento da pressão arterial e até depressão. Já umas duas horas de silêncio por dia podem, por exemplo, melhorar a memória, segundo pesquisa da Duke University, da Carolina do Norte (EUA).

Mergulho no silêncio: Aeroportos como o de Helsinque investir em silêncio é agregar valor ao negócio

Para mergulhar no silêncio, muitos recorrem aos spas. A rede de luxo Mandarin Oriental, que tem mais de 20 hotéis em 30 países, costuma promover em dezembro, em plena temporada de festas, a Noite Silenciosa: um retiro sem tecnologia, sem música, sem conversa. Só os hóspedes e a natureza, acompanhados por terapeutas (quietos) que realizam tratamentos corporais. É justamente a ideia de silêncio, nem tanto a de luxos como a quantidade de fios de algodão egípcio, que mais tem mobilizado a hotelaria. Zonas de silêncio nas quais é proibido levar celular; vidros e paredes com proteção acústica; jardins zen; salas de meditação – tudo é voltado para a tranquilidade.

O mercado do bem-estar é estimado em US$ 3,7 trilhões, e o silêncio é uma das oito principais tendências de investimentos desse segmento Fonte: Global Wellness Summit

No Botanique Hotel & Spa, em Campos do Jordão, o silêncio foi prioridade no projeto arquitetônico, conta a proprietária Fernanda Ralston Semler, casada com Ricardo Semler, investidor que foi CEO do grupo Semco e, nos anos 90, ganhou fama com best-sellers como “Virando a Própria Mesa”. “O silêncio é o luxo do nosso tempo”, afirma Fernanda, que idealizou um programa de detox digital que funciona em uma vila isolada na propriedade. A proposta inclui tratamentos corporais, gastronomia personalizada, atividades e uma série de mimos em meio à natureza. “Ficar sem celular, sem conexão com a internet, é altamente renovador. A pessoa volta com a cabeça mais fresca e afiada.” A diária do detox digital é de R$ 2.330,00, sendo que o programa prevê hospedagem mínima de três noites.

O som do silêncio: a Bose desenvolveu um fone que reduz ruídos externos, intensificando a experiência de ouvir música ou de não escutar nada (Crédito:Divulgação)

Os benefícios do silêncio também foram o mote do livro “Silêncio – na Era do Ruído”, do escritor norueguês Erling Kagge. O autor ficou conhecido nos anos 90 por atravessar sozinho, durante 50 dias, a Antártica, se tornando a primeira pessoa a alcançar o Pólo Sul nessas condições. A partir de sua experiência, ele traz um discurso otimista de que o silêncio é essencial para a sanidade. E que estaria ao alcance de todos, em qualquer lugar: no Pólo Sul, mas também “no chuveiro, ou na pista de dança”, conforme um trecho do livro.

Não é preciso, portanto, buscar apenas o isolamento para ter sossego. “O ideal”, diz Caio Esteves, coordenador do MBA em Place Branding das Faculdades Integradas Rio Branco, “é considerar o silêncio como um ativo a ser planejado mais de forma coletiva do que individual”. Ou seja, encarar o silêncio não como algo que leve ao isolamento, mas como um estímulo aos sentidos e à atenção no mundo, nas pessoas. Afinal, somos seres sociais.

Rede Ichiran: aposta em uma experiência mais introspectiva e menos interativa, em que os clientes sentam em cabines individuais (Crédito:Divulgação)