Ler o Brasil não é algo para amadores. É possível mergulhar nos mais recentes dados de consumo de mídia, e respectivos dispositivos, e sair deles tanto com a percepção de que o copo está meio cheio quanto o copo está meio vazio. Na conta positiva se pode comemorar que o País tenha hoje 126,9 milhões de usuários de internet, ou 70% da população com mais de 10 anos. Equivale a um México. Pela visão negativa, o exemplo pode ser a quantidade de domicílios das classes D e E com notebook: míseros 3%, contra 90% na classe A. Os números são da pesquisa TIC Domicílios 2018, lançada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br).

O fato de não haver computadores portáteis nas casas das classes D e E – muito menos desktops (presente em apenas 2% dos domicílios) – não significa, no entanto, que essas pessoas todas estejam desconectadas. Entre 2015 e 2018, a massa de usuários das camadas mais pobres da população saiu de 30% para 48%. Indiscutivelmente um marco. A questão, no entanto, “precisa ser vista em perspectiva”, diz Victor Corte Real, diretor do curso de Design Digital da PUC-Campinas e doutor em ciências da comunicação pela Universidade de São Paulo. Porque no universo digital, inclusão não é sinônimo de igualdade. “O dispositivo utilizado no acesso é decisivo no tipo de experiência e na sua qualidade”. Ter internet somente por wi-fi por alguns momentos do dia quando se está na rua não é o mesmo que acessar um computador em casa com conexão de alta velocidade.

E a pesquisa confirma esse consumo móvel. Majoritariamente os brasileiros acessam a web por meio de celulares (97%). A conectividade em movimento tornou-se onipresente e insuperável. O celular, aliás, se tornou tão inescapável na casa dos brasileiros (93% dos domicílios)quanto aparelhos de televisão (96%). E estes, aliás, com mais recursos e versões que permitem navegar pela web, já respondem por 30% dos acessos à internet. Ainda atrás de computador (43% das pessoas), que vê sua performance desabar – era de 80% há cinco anos –, o que deixa evidente que a televisão perderá apenas dos smartphones na hora de conectar.

Mesmo que as pessoas não invistam naquele modelão smart e high tech para ver Domingão do Faustão e sim Netflix – ou YouTube, navegar pelas redes sociais e até fazer compras – não é possível dissociar dispositivo de experiência. “Um desktop permite interações bem mais complexas que um smartphone e ainda muito mais em relação a um aparelho de televisão”, diz Victor Corte Real. “Consumir internet pela televisão, muitas vezes, pode se assemelhar ao velho formato emissor-receptor (passivo), com a única diferença de que o conteúdo pode ser visto a qualquer hora.” Não deixa de ser uma experiência pobre.

Outro ponto de destaque na TIC2018 é a avidez do brasileiro por soluções digitais de consumo. Entre os usuários de internet do País, 32% já pediram táxis ou motoristas utilizando aplicativos, o que soma 40,8 milhões de pessoas. É quase uma Argentina chamando Uber e 99. Mesmo quimeras – como aversão à compra de produtos e serviços no mundo digital – parecem estar em processo de desconstrução, já que 28% dos usuários de internet pagaram para assistir a filmes ou séries, 12% realizaram pedidos de refeição e 8% desembolsaram algum dinheiro para consumo de música. Fazer comércio eletrônico definitivamente se tornou um hábito nacional – 60% dos brasileiros conectados já pesquisaram preços de produtos e serviços e mais da metade deles (34%) fez compras ou encomendas on-line.

CHAME O CARTÃO O especialista Victor Corte Real diz que o acesso facilitado ao universo de cartões de crédito foi elemento igualmente decisivo na equação. Sua avaliação é ratificada tanto pela TIC2018 (69% dos brasileiros que compraram algo por e-commerce utilizaram cartão de crédito) quanto pela pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) que mostra que entre os consumidores que utilizaram cartão de crédito, num período de 12 meses, 21% portavam bandeiras vinculadas a fintechs e bancos digitais –número que cresce entre os mais jovens, chegando a representar 32% dos casos. Os principais atrativos foram justamente os argumentos das campanhas das instituições financeiras digitais: isenção de anuidade e juros e taxas menores em relação aos bancos convencionais.

A pesquisa TIC2018 foi feita em 23 mil domicílios, entre outubro de 2018 e março de 2019, com pessoas acima dos 10 anos. Retrata um País de forte inclusão digital, mas ainda distante de reduzir suas desigualdades na qualidade e na experiência desse consumo on-line. O lado positivo, como diz Victor Corte Real, é que depois da inclusão em massa caberá colocar na agenda as discussões relacionadas ao tipo de internet que vamos ingerir.