O ano passado entrou para a história como um dos períodos em que os estrangeiros se mostraram mais cautelosos em colocar dinheiro no País seja para o setor produtivo, seja para a Bolsa ou o financiamento do governo.

A projeção do Banco Central é que o ingresso de investimentos estrangeiros destinados ao setor produtivo (IDP) deva somar US$ 36 bilhões em 2020 (US$ 33 bilhões já entraram até novembro), praticamente a metade do volume que ingressou no mesmo período de 2019 e muito inferior ao registrado nos últimos anos. O IDP engloba investimentos mais duradouros no País, como em uma nova fábrica ou compra de participação em empresas já instaladas.

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Já nas posições em portfólio – ações na Bolsa, participações em fundos de investimentos e títulos da dívida federal -, foram retirados US$ 14,8 bilhões, maior volume desde 2016. A participação de investidores externos nos papéis do Tesouro Nacional, que chegou a 20,8% do total em maio de 2015, caiu para apenas 9,47% em novembro do ano passado – justamente quando a União mais precisava captar recursos para financiar o rombo recorde nas contas públicas por causa das ações no combate à pandemia.

Após meses de fuga do capital externo do País, os últimos meses de 2020 mostraram o começo do retorno dos investidores de portfólio, mas o ritmo ainda é insuficiente para reverter a forte saída de dólares do Brasil causada pelas incertezas sobre os rumos da economia. Embora haja um excesso de liquidez nos mercados globais, com dinheiro mais que disponível para voltar ao País, as incertezas fiscais, políticas e sanitárias brasileiras, incluindo os entraves para a vacinação em massa no País, mantêm os agentes estrangeiros com um pé atrás na hora de investir.

Fora do radar

 

“A existência de recursos no mundo é importante, mas não é tudo”, diz o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. “Uma empresa, quando decide investir, examina uma série de fontes”, afirma, elencando entre os fatores considerados a política ambiental, a área social e a governança. “Países que não se preocupam com essas três coisas saem do radar. E o Brasil está mostrando para o mundo um governo que menospreza o meio ambiente, é negacionista e não tem articulação política”, diz Maílson. “Quando olho a maneira como o governo é gerido, é de desanimar qualquer um.”

Além da Ford, que anunciou recentemente que vai sair de três plantas – Taubaté (SP), Camaçari (BA) e Horizonte (CE) – depois de um século no País, a japonesa Sony anunciou o fim da produção da fábrica em Manaus (AM) até março deste ano. Outra japonesa, a Mitutoyo, fechou a planta de instrumentos de medição em Suzano (SP) em outubro do ano passado. Já o grupo farmacêutico suíço Roche anunciou que deixará de fabricar medicamentos no País até 2024.

Risco fiscal elevado, dificuldade para implementar reformas, burocracia em excesso, caos tributário, insegurança jurídica, deficiência em infraestrutura são apenas alguns dos fatores que fazem o investidor estrangeiro pensar duas vezes antes de investir no Brasil. “Houve uma piora de imagem e de perspectiva. A contribuição do governo Bolsonaro para isso é a exacerbação da polarização política, que só causa danos ao País”, afirma o economista Mauro Schneider, da MCM Consultores Associados. “Vamos precisar de um tempo para voltar a sermos vistos como um país com perspectivas estáveis.”

Para o economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria Integrada, mesmo diante dos desafios que a atual crise impõe, a retomada mais forte da economia chinesa pode beneficiar o Brasil, com a volta de uma demanda mais aquecida por commodities que o País produz, mas o contexto político segue ainda “muito nebuloso”. “Não dá para contar com grandes reformas e grandes medidas capazes nos próximos meses”, diz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.