Numa única canetada, no primeiro dia útil de 2020, a Brasil Bolsa Balcão (B3) – empresa resultante da fusão entre a BM&FBovespa e Cetip – abriu mão do equivalente a R$ 250 milhões (comparativo dos últimos doze meses) em receitas para conceder descontos no mercado de ações. Em termos práticos, a bolsa brasileira zerou a taxa de custódia e de manutenção da conta para pessoas físicas com até R$ 20 mil em ações e reduziu tarifas para quem possui entre R$ 20.000,01 e R$ 100 mil e também para grandes negociadores.

Em entrevista à imprensa, Gilson Finkelstain, presidente da B3 disse que o objetivo da medida é atrair investidores de varejo, fundos e estrangeiros para aumentar o volume e a liquidez da bolsa brasileira. “Além dos benefícios para pessoas físicas, há também incentivos para fundos e estrangeiros com a equalização das taxas”, disse.

A estratégia não é nova. Desde a fusão em março de 2017, a empresa busca premiar por meio de incentivos os participantes do mercado (bancos, corretoras, gestoras e plataformas de investimentos) quando ocorre aumento de negociação e da base de clientes. Graças aos estímulos e ao ambiente favorável de juros baixos, em 2019, por exemplo, o número de investidores pessoas físicas ativos cadastrados na bolsa de valores dobrou de 813,3 mil para 1,678 milhão, com destaque para 506 mil contas em São Paulo e 150,8 mil no Rio de Janeiro.

“Assumimos o compromisso de dividir
os ganhos com o mercado. É um modelo que reduz preço à medida que aumenta o volume negociado” Gilson Finkelstain, presidente da B3. (Crédito:Paulo Guereta/Photo Premium)

Ao mesmo tempo, vale lembrar que a B3 possui capital pulverizado (85,3%), dos fundos da Blackrock (4,49%) e da Capital World Investors-CWI (9,65%), além de 0,56% de papéis em tesouraria. Entre as ações em livre circulação há pelo menos 1,6 mil investidores institucionais (fundos), 2 mil pessoas jurídicas (empresas) e mais de 65 mil investidores pessoas físicas na composição do capital social da empresa. Ou seja, nada mais natural que a companhia divida os resultados com sua ampla base de acionistas, em geral, clientes ao mesmo tempo. “Assumimos o compromisso de dividir ganhos com o mercado.

É um modelo que reduz preço à medida que aumenta o volume.

A redução da receita pode ser mitigada com o crescimento da negociação”, disse Finkelstain.

A novidade do início de 2020 é que o movimento da B3 pode estar relacionado ao recente acordo que a companhia assinou com a concorrente ATS em 23 de dezembro último sobre o preço de serviços da depositária (guarda ou custódia dos ativos). Segundo Marcel Campos, analista de setor financeiro da XP Investimentos, o acordo entre os competidores marca o fim de mais de dois anos de arbitragem e de mediação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na questão do acesso ao mercado acionário brasileiro. “Acreditamos que esse acordo deixa a ATS mais próxima de entrar no mercado de negociação e compensação (CCP), com dois pontos-chave a serem monitorados: aprovação regulatória e adesão de corretoras”, afirmou

Campos. “O tom do regulador nos leva a crer que o mesmo deve olhar com carinho para uma possível autorização da ATS na negociação e compensação, sendo a grande questão a adesão de corretoras ao projeto.”

Questionado sobre a relação da nova política de tarifação com a entrada de competidores, Finkelstain respondeu que a concorrência é internacional. “Somos tão competitivos quanto os mercados lá de fora”, afirmou.

DESCONTOS DE ATÉ 95% Nesse novo ambiente concorrencial, a B3 deu descontos de até 95% para pequenos investidores de varejo, com até R$ 20 mil em ações. Além da isenção da taxa mensal de custódia e de manutenção da conta (R$ 110 por ano), a tarifa cobrada na negociação de ações caiu 10%. “Entre os investidores pessoas físicas 65% não vão pagar tarifa sobre custódia na depositária”, disse o presidente da B3. Na faixa entre R$ 20.000,01 e R$ 100 mil, a redução das tarifas é de 63%, e para aqueles com posição superior a R$ 100 mil, o desconto atinge 57%. “Espera-se um ganho para todo o mercado”, afirmou. Na previsão de Finkelstain, a adaptação no sistema da bolsa para atender o público de varejo deverá ficar pronta ainda no primeiro semestre desse ano. “Vamos fazer todas as implementações o mais rápido possível”, disse.

O executivo não fez qualquer estimativa sobre qual o número de novos investidores do varejo que devem começar a negociar ações por causa da redução dos custos, mas destacou que muitas corretoras consideravam as taxas de custódia como um barreira de entrada para pequenos investidores. “Essa tarifa fixa era um gargalo para atrair pessoas físicas. Mas não temos uma expectativa de quantas pessoas virão para o mercado brasileiro de ações”, afirmou.