Passar noites em claro é comum para quem ocupa cargos de alto escalão, tanto no setor público quanto no setor privado. A pressão sobre esses executivos normalmente é proporcional ao seu contracheque mensal. Mas há sempre aquele dia em que, diante de um imprevisto, a adrenalina e o estresse disparam, e a sua capacidade de liderança é testada no limite, gerando uma marca indelével em sua carreira. No caso do presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, a data inesquecível é o 17 de maio, quando foi feita a divulgação das bombásticas gravações de Joesley Batista contra o presidente Michel Temer.

Naquela noite, o presidente do BC estava ocupado com a visita de integrantes do Fundo Monetário Internacional (FMI). Porém, diante de um noticiário político em chamas, o economista teve poucas horas para vestir o uniforme de bombeiro e preparar uma estratégia coordenada com o Ministério da Fazenda e o Tesouro Nacional, cujo objetivo era, segundo suas próprias palavras, “intervir para manter os mercados funcionando normalmente” no dia 18 de maio.

Ilan, como é chamado no mercado, passou no teste. Apesar do salto de quase 30 centavos no dólar em apenas um dia (alta de 9%) e da perda de seis mil pontos no índice Bovespa (queda de 8,8%), os analistas aprovaram a ação da autoridade monetária, que não hesitou ao oferecer liquidez abundante ao mercado e evitou o caos. Até aquele momento, com menos de um ano cargo, Ilan e sua equipe de diretores tinham apenas apagado incêndios originados no exterior, como o Brexit no Reino Unido e a eleição de Donald Trump, em 2016. Esbanjando credibilidade, o economista de 51 anos vem superando todos os desafios e, por isso, é o EMPREENDEDOR DO ANO da revista DINHEIRO em 2017.

Em 11 de janeiro de 2017, o guardião da moeda tivera outra conquista memorável, com a divulgação, pelo IBGE, do índice oficial de inflação (IPCA) de 2016. Não estourar o teto da meta (6,5%) foi a coroação de um trabalho árduo, que começara seis meses antes. Quando tomou posse em junho de 2016, Ilan tinha pouco tempo para esfriar o IPCA, que acumulava uma alta de 8,8% em 12 meses. Caso contrário, teria de escrever uma carta ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para justificar o descumprimento da missão. Poucos analistas acreditavam nesse “milagre” e muitos sugeriram ao presidente do BC que ajustasse a meta de 2016, evitando a necessidade da carta. Ilan bateu o pé, manteve a regra do jogo e finalmente, naquele dia 11 de janeiro, vibrou com os 6,3% de inflação anunciados pelo IBGE.

Ilan Goldfajn (à esq.) e Henrique Meirelles (à dir.) conferiram credibilidade econômica ao governo Temer. A queda dos juros está turbinando a retomada do PIB (Crédito:Evaristo Sa / AFP)

Com o dragão da inflação devidamente amestrado, Ilan e seus oito diretores do Comitê de Política Monetária (Copom) vêm reduzindo os juros básicos (Selic) – já são nove cortes seguidos, de 14,25% para 7,5% ao ano. Esse afrouxamento monetário está turbinando o consumo, que é atualmente o principal motor da retomada econômica. Na sexta-feira 1º, o IBGE divulgou o terceiro crescimento trimestral consecutivo do PIB (leia o balanço completo em www.istoedinheiro.com.br). Nos dias 5 e 6 de dezembro, o Copom deve promover o décimo corte, provavelmente levando a Selic ao patamar mais baixo da história, de 7%.

É justamente por causa do período de silêncio pré-Copom que o presidente do BC, não pôde responder perguntas sobre temas econômicos. Sendo assim, a entrevista à DINHEIRO (leia ao final da reportagem) possibilitou a abordagem de assuntos nem sempre usuais quando o personagem é uma autoridade monetária. Um deles diz respeito à sua decisão de trocar um cargo bem remunerado de sócio e economista-chefe do Itaú Unibanco por uma missão espinhosa no poder público. “O trabalho no BC é a forma com que posso contribuir para o bem público”, diz Ilan. “Estudei em universidade pública e fiz mestrado e doutorado em economia com bolsas de estudo, e é hora de retribuir.”

Nascido na cidade de Haifa, no norte de Israel, Ilan graduou-se em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fez mestrado na Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) e doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). Antes de trabalhar no Itaú, foi sócio da Ciano Investimentos e consultor do FMI e do Banco Mundial. Sua primeira passagem pelo BC aconteceu na gestão de Armínio Fraga, entre 2000 e 2002, na qual foi diretor de política econômica.

Quando Fraga passou o bastão para Henrique Meirelles, em 2003, Ilan permaneceu no BC por mais sete meses, período em que angariou a simpatia de Meirelles. “A administração do Ilan é impecável”, afirma José Julio Senna, ex-diretor do BC. “Ele reconquistou a credibilidade do Banco Central.” O desafio atual de Ilan chega a ser inusitado dado o histórico hiperinflacionário do Brasil. Ele não pode entregar uma inflação anual abaixo de 3%, pois a meta é de 4,5%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.

Até meados de novembro, o índice oficial acumula alta de 2,77% em 12 meses. Se o dragão continuar hibernando, Ilan corre o risco de ser obrigado a escrever uma carta a Meirelles justificando a inflação demasiadamente baixa. Um erro pelo qual o presidente do BC não será criticado por nenhum consumidor. Quanto ao seu futuro, Ilan é enigmático. Ele evita comentar se aceitaria permanecer no próximo governo, a partir de 2019. A única certeza é a de que, após cumprir sua missão no BC, ele voltará a trabalhar no setor privado.


“A maior contribuição para a estabilidade é nos mantermos o mais apolítico possível”

Eleito EMPREENDEDOR DO ANO pela DINHEIRO, o presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, fala sobre as conquistas de sua gestão. Devido à reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), nos dias 5 e 6 de dezembro, o homenageado estava impedido de responder perguntas sobre economia e política monetária.

Por que o sr. trocou uma posição rentável no setor privado [no Banco Itaú] por uma missão espinhosa?
O trabalho no BC é a forma com que posso contribuir para o bem público. Sempre pesquisei e trabalhei em áreas da economia (macroeconomia, política monetária etc.) que me aproximaram do BC. Estudei em universidade pública e fiz mestrado e doutorado em economia com bolsas de estudo, e é hora de retribuir.

Como foi a sua conversa com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles?
Foram alguns encontros sempre muito proveitosos e agradáveis.

O sr. aceitou prontamente o convite ou consultou a família e amigos? Voltar ao BC já era um desejo?
Como já tinha trabalhado no BC como diretor, voltar ao BC era uma possibilidade. Sempre consulto minha família e as pessoas mais próximas.

Encerrada a gestão de Armínio Fraga no BC, em 2002, o sr. acabou ficando mais sete meses na gestão do Meirelles, no começo de 2003. Nos dois casos (em 2003 e em 2006), a inflação era de dois dígitos. Comparando os dois períodos, o sr. diria que os desafios eram parecidos ou agora foi pior?
Cada passagem tem seu desafio. Em 2003 era uma transição após um ano conturbado de 2002, onde havia dúvidas quanto ao futuro. Felizmente, o novo governo adotou as medidas apropriadas e a situação se estabilizou. Nessa passagem de 2016, a mudança na direção da política econômica, com reformas e ajustes, e a firmeza na política monetária permitiram a inflação cair e a economia começar a se recuperar.

Qual foi o momento mais difícil até agora na presidência do BC?
Cada dia, seu desafio. Tivemos desafios de vencer a inflação alta, quando muitos acreditavam que não seria possível, ou, quando esperamos ancorar as expectativas antes de flexibilizar a política monetária. Tivemos vários choques, como o Brexit ou a eleição do Trump, sem falar do dia 18 de maio, que nos obrigaram a intervir para manter os mercados funcionando normalmente. Projetos relevantes no Congresso, de interesse do BC, foram debatidos intensamente, e aprovados no final. Tivemos choques positivos também, como a queda da inflação de alimentos.

Qual foi a maior vitória ou satisfação até agora? Teria sido o não estouro da meta em 2016, quando parte do mercado até sugeria uma meta ajustada?
Foi importante termos ancorado as expectativas, o que permitiu a queda de inflação e dos juros, com impacto na recuperação da economia através dos ganhos do poder de compra. Também foi importante avançar na agenda BC+, que é a agenda de trabalho lançada de forma transparente no final de 2016, nos seus quatro pilares: Cidadania Financeira, Arcabouço Legal mais Moderno para o BC, SFN Mais Eficiente e Crédito Mais Barato.

Na entrevista que concedeu à DINHEIRO em 2016, o sr. defendeu a autonomia formal do Banco Central. Não houve espaço político?
Acredito que a autonomia formal do BC é um avanço institucional, que irá reduzir prêmios de risco e permitir juros estruturais menores, com consequências favoráveis para o crescimento sustentável e a inflação baixa e estável.

O sr. aceitaria um convite para permanecer no BC no próximo governo, dependendo de quem for eleito?
No BC, acreditamos que a maior contribuição que podemos dar para a estabilidade econômica e financeira é nos mantermos o mais apolítico e neutro possível, fazendo nosso trabalho de forma técnica.

Pretende voltar ao setor privado?
Sim, pretendo voltar ao setor privado, em algum momento, após minha contribuição ao setor público.

Dentre os elogios que os economistas fazem ao sr., e que justificam o prêmio de Empreendedor do Ano pela revista DINHEIRO, estão a credibilidade e a comunicação eficiente. O sr. imaginava ter esse reconhecimento?
Temos feito um esforço considerável de nos comunicar de forma transparente e eficiente. Me sinto honrado pelo reconhecimento. Também sei que ainda temos de fazer muito mais para responder às justas expectativas da sociedade.


Confira o Especial completo “Empreendedores do Ano de 2017”:

Frederico Trajano é o empreendedor do ano 2017 em e-commerce

Flavia Bittencourt é a empreendedora do ano 2017 no varejo

Guilherme Paulus é o empreendedor do ano 2017 em serviços

Celso Athayde é o empreendedor do ano 2017 em impacto social

Paulo Cesar de Souza e Silva é o empreendedor do ano 2017 na indústria