Quando experimentei os primeiros sintomas de uma gripe diferente, um pouco mais forte, estávamos no início do isolamento social. Há dois meses, só quem fosse internado com forte suspeita de Covid-19 tinha chance de fazer o teste para diagnóstico da doença. A gripe demorou para ir embora. Perdi o olfato, o que me deixou com a pulga atrás da orelha. Será? No final de abril, surgiu a chance de fazer o teste na rede privada, prova e contraprova. O resultado foi claro: pelos níveis dos anticorpos IgG, tive Covid-19.

É estranho — para dizer o mínimo — receber uma notícia dessas. Há o alívio inicial por ter superado a doença de forma quase assintomática e, aparentemente, não ter infectado ninguém, coisa impossível de se ter certeza. O que mais me chocou foi pensar que, como eu, milhões de brasileiros ainda serão infectados. É quando a ficha cai.

No início da pandemia, e bem antes de saber quando poderia ser testado, escrevi o seguinte: “Nossas escolhas vão determinar como irá se comportar o sistema de saúde e, em última instância, a vida dos infectados. Deixo a discussão para quem conhece o assunto, mas gostaria que dela participassem não apenas médicos e profissionais de saúde, mas a sociedade. O cerne da questão envolve bioética e, portanto, valores
e escolhas.”

A Covid-19 impõe renúncias momentâneas e definitivas — de vidas, de empresas, de planos para o futuro, de relações, de felicidade… Concordo com o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, quando disse que não podemos dar preço a uma vida. Mas essa decisão nos será imposta, queiramos ou não. Aliás, isso já está acontecendo.

Tenho 65 anos, estou no grupo de risco. Se não tivesse Covid-19 estaria escrevendo um texto que não recomendasse estritamente manter e reforçar o afastamento social?
Provavelmente, sim. É extremamente triste assistir ao derretimento da atividade produtiva. E aos efeitos cada vez mais terríveis da paralisação econômica que, como sempre, baterão com força na população desassistida. Escola fechada para um garoto pobre, por exemplo, significa refeições a menos, o fim do acesso a computadores e internet, sem falar da defasagem de aprendizado em razão da paralisação das aulas.

“Os africanos ocidentais recordam prontamente a devastação causada por paradas mais longas. Os alunos mais velhos de hoje ainda têm claro como o fechamento prolongado da escola durante o surto de Ebola, em 2014, levou a um aumento nas gestações não planejadas de adolescentes e no abandono escolar relacionado”, apontou uma reportagem da revista The Economist, publicada no final de abril.

O que fazer, então? Como achatar a curva de contágio para impedir o colapso do sistema de saúde e, ao mesmo tempo, não sufocar a atividade econômica? É fácil defender o isolamento morando bem, dispondo de 50 m2 por pessoa, e com garantia de salário ao final do mês.

Mas o Brasil é profundamente desigual. Portanto, não há modelo nem resposta certa, na minha opinião. O que não significa abdicar de responsabilidades. Pelo contrário.

Assistimos todos os dias a ações que unem ONGs, empresas e comunidades em iniciativas a fim de garantir o mínimo de saúde e dignidade a quem mais precisa.
Felizmente, gestos de empatia e solidariedade não têm faltado nessa hora escura. Que eles sirvam de exemplo às instâncias de poder, todas elas, e aos nossos dirigentes. O que esses gestos mostram é que sem entendimento, sem disposição para negociar, não há solução eficaz.

*Milton Rego é presidente-executivo da
Associação Brasileira do Alumínio (Abal)