Há 20 anos me dedico a estudar o processo de desumanização na saúde, assim como possíveis meios para sua humanização. E não é sem vivo interesse que acompanho a penetração desses conceitos no mundo corporativo como um todo. Mas, além da inegável boa vontade das propostas, o que observo, tanto num caso quanto no outro, são suas perceptíveis fragilidades e equívocos.

Acostumados a identificar na formação profissional um processo de treinamento que objetiva o desenvolvimento de competências e habilidades técnicas, fomos levados a acreditar que a implementação de atitudes e comportamentos humanizados poderia ser incutida de forma semelhante. Passamos a acreditar que funcionamos como nossos computadores, que podem ser programados para processar tarefas específicas. Nesse sentido, não deixa de ser curioso e eloquente o fato de que as propostas de humanização tenham sido denominadas “programas”.

A difusão do tema para além da saúde e sua inserção no mundo corporativo exige atenção especial de gestores e empresários. Tal como ocorreu na saúde pública, a introdução das propostas de humanização nas empresas corre o risco de falhar ou produzir efeitos colaterais caso não estejam fundamentadas numa perspectiva antropológica ampla e pertinente.

Para humanizar é preciso ultrapassar a visão algorítmica que impera na educação corporativa. Humanização nunca será resultado de treinamento. Ela deve ser entendida como a ampliação de todas as capacidades e possibilidades da pessoa e deve partir da mobilização de todas as dimensões da experiência humana; não apenas a cognitiva, mas também a afetiva e a volitiva (desejo, vontade). Ou seja, qualquer proposta de humanização, para que seja efetiva, deve sim envolver inteligência e razão, mas também — e principalmente — afetos e vontade. Mais do que propor “programas” deve-se propor “experiências” que despertem sentimentos, mobilizem a reflexão e confluam na transformação.

Para promover um autêntico processo de humanização, que redunde no desenvolvimento integral da pessoa e impacte na saúde do indivíduo — e, por consequência, na da empresa, com ganhos de produtividade e lucratividade —, é preciso proporcionar experiências que desencadeiem a expressão e o compartilhamento de sentimentos e afetos, e que estes sejam então trabalhados e desenvolvidos pela reflexão, preferencialmente de forma coletiva e cooperativa. Experiências envolvendo, por exemplo, a leitura e a discussão de obras literárias já vêm sendo desenvolvidas com excelentes resultados no mundo corporativo.

A literatura, especialmente as obras clássicas, apresenta-se como ferramenta privilegiada da humanização no meio empresarial, ampliando não apenas o repertório cultural e a criatividade, mas também colaborando com a melhora da saúde psíquica e social, na medida em que fomenta o autoconhecimento e a autorrealização.

Uma vez que o desafio da humanização apresenta-se como uma das principais questões para o mundo corporativo, torna-se urgente refletir sobre seu real significado e os meios para chegar à sua realização. Não é possível uma verdadeira humanização sem o resgate e a proposição da experiência das humanidades – e, de maneira especial, das artes e da literatura.

(*) Dante Gallian é professor da EPM-Unifesp, coordenador
do Laboratório de Leitura e colaborador
da Responsabilidade Humanística