Aos 40 anos, Hugo Barra alcançou um status raro para um brasileiro no mercado global de tecnologia. Formado em Ciência da Computação pelo Massachussetts Institute of Technology (MIT), o mineiro de Belo Horizonte construiu uma trajetória invejável em pouco mais de duas décadas no setor. Depois de passagens por empresas como o banco de investimento Merril Lynch, a consultoria McKinsey & Co e a pioneira da internet Netscape, o executivo chegou ao Google, em 2008.

Na gigante de buscas, entre outras posições-chave, foi o vice-presidente responsável pelo desenvolvimento do sistema operacional Android. Em 2013, ele surpreendeu a todos quando trocou o emprego dos sonhos de muitos profissionais para liderar a expansão global da Xiaomi, fabricante chinesa de smartphones, que iniciava uma ascensão meteórica na categoria. Passados pouco mais de três anos, Barra segue justificando o título de brasileiro mais influente do mundo de tecnologia, concedido pela revista americana Wired.

Na quinta-feira 26, três dias após anunciar sua saída da Xiaomi, o executivo foi nomeado vice-presidente global de realidade virtual do Facebook. “Estou entusiasmado em compartilhar minha próxima aventura em meu retorno ao Vale do Silício”, afirmou ele, na rede social, em resposta à postagem feita minutos antes por Mark Zuckerberg, CEO e fundador do Facebook. “Hugo compartilha da minha crença de que a realidade virtual será a próxima grande plataforma de computação”, escreveu Zuckerberg. “Ele vai nos ajudar a construir o futuro e estou ansioso para tê-lo em nossa equipe.”

De olho em um mercado que, segundo a consultoria americana IDC, vai movimentar US$ 162 bilhões em 2020, gigantes do setor como Samsung, Google, Intel, Microsoft e o próprio Facebook não têm economizado esforços e recursos para ocupar espaço na realidade virtual. Há duas semanas, Zuckerberg afirmou que a rede social irá destinar US$ 3 bilhões a essa vertente na próxima década. O grande passo da empresa nessa direção foi dado em 2014, com a compra da Oculus VR, por US$ 2 bilhões. É justamente a divisão originada desse acordo que será comandada por Barra.

desafio: vice-presidente sênior da Xiaomi, Xiang Wang terá a missão de substituir Hugo Barra e comandar a expansão internacional da fabricante chinesa de smartphones
Desafio: vice-presidente sênior da Xiaomi, Xiang Wang terá a missão de substituir Hugo Barra e comandar a expansão internacional da fabricante chinesa de smartphones (Crédito:Divulgação)

Analista da consultoria Counterpoint, de Hong Kong, Tina Lu observa que a experiência de Barra lhe dá uma boa base para liderar o Facebook nesse segmento. “A própria Xiaomi tem uma iniciativa de realidade virtual e o Hugo estava muito envolvido com o projeto”, afirma. “A relação com uma tecnologia em alta vai permitir que ele volte ao centro das atenções na indústria.” Alberto Moel, analista do banco americano Bernstein Research, acrescenta: “Tenho certeza que Zuckeberg vendeu uma bela imagem do que eles podem alcançar nesse mercado”, diz. “E, provavelmente, é uma aposta muito melhor do que a expansão global da Xiaomi.”

Hugo Barra anunciou sua saída da Xiaomi na segunda-feira 23. Em postagem no Facebook, ele afirmou que a empresa está bem posicionada globalmente e que era a hora certa de voltar para “casa”. “Meus amigos, o que eu considero meu lar e a minha vida estão no Vale do Silício”, escreveu o executivo, que será substituído por Xiang Wang, vice-presidente da Xiaomi. Para analistas ouvidos pela DINHEIRO, outros fatores explicam a decisão. Fundada em 2010, a Xiaomi chamou a atenção do mercado em 2014, quando assumiu a liderança das vendas de smartphones na China.

Com a façanha, que lhe rendeu a alcunha de “Apple Chinesa”, a companhia ingressou no ranking global das principais fabricantes, faturou US$ 12,5 bilhões, em 2015, e foi avaliada em US$ 46 bilhões. O segredo do fenômeno foi combinar vendas diretas pela internet e aparelhos sofisticados, com preços mais acessíveis que os celulares rivais. Quando chegou ao Brasil, por exemplo, em junho de 2015, o aparelho Redmi 2, da marca, custava R$ 499. Modelos similares, como o Zenfone, da Asus, e o Moto G, da Motorola, tinham preços a partir de R$ 700. Sob o comando de Barra, ao tentar replicar a estratégia fora da Grande Muralha, a Xiaomi teve sucesso na Índia, com uma receita de US$ 1 bilhão em 2016.

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Fenômeno: com modelos sofisticados, como o Redmi 4, vendidos exclusivamente via internet, a Xiaomi assumiu a liderança no mercado chinês, em 2014

Mas não decolou em mercados-chave, como os Estados Unidos, onde suas ofertas seguem restritas a acessórios. “Acredito que Barra se sentia frustrado com os avanços tímidos nos mercados maduros”, diz Jan Dawson, analista da consultoria americana Jackdaw Research. Procurados, Barra e Xiaomi não comentaram. Primeiro mercado ocidental a receber os smartphones da marca, o Brasil é um exemplo dos percalços da Xiaomi. A empresa fechou sua operação local após pouco mais de um ano no País. “Em 2016, as vendas locais não chegaram a 10 mil unidades”, diz Ivair Rodrigues, sócio da consultoria IT Data. Ele aponta erros como a falta de ações de marketing e as vendas exclusivas pela internet.

A Xiaomi também perdeu terreno “em casa” para as compatriotas Huawei, OPPO e vivo. No terceiro trimestre de 2016, as vendas no país caíram 42,3%, na comparação anual, segundo a IDC. Nesse intervalo, a empresa deixou ainda de figurar no ranking global. A queda motivou mudanças. Em 2016, a Xiaomi inaugurou 54 lojas na China e planeja abrir mais de 200 neste ano. Em comunicado recente, Lei Jun, CEO e fundador resumiu o momento da companhia: “Nós sofremos os impactos por avançar tão rápido”, escreveu. “Agora temos que desacelerar e fazer ajustes. Mas o pior já passou.”