A cena parece inusitada: funcionários da Huawei observando um monitor usando uniformes e chapéus vinhos, lembrando a série sul-coreana Round 6, da Netflix. Mas nada maléfico está acontecendo na pós-moderna fábrica em Jundiaí, interior de São Paulo. Isso acontece porque câmeras com Inteligência Artificial embarcada monitoram a produção, a análise do dia a dia está sendo feita diretamente na nuvem e antenas de 5G conectam tudo dentro de uma área de 30 mil m2. E para ajudar na aura ficção científica, alguns colaboradores usam óculos de Realidade Aumentada. “Alguns”, pois os humanos são mantidos ao mínimo. O futuro é assim. “O Brasil foi o segundo país no mundo a ter escritório da Huawei fora da China. Consideramos estratégico”, disse à DINHEIRO Atilio Rulli, diretor sênior de relações governamentais da marca. Ela também tem um centro de distribuição e logística de 22 mil m2 em Sorocaba (SP), em que veículos e empilhadeiras autônomas autoguiados teriam gerado um ganho de 25% na eficiência da operação e diminuído o ciclo de produção de 17 para sete horas. “Vamos fazer 25 anos de parceria com o País em 2023”, afirmou o diretor, apesar de um gap quando pararam de vender celulares por aqui.

A corrida global mais visível de empresas como a Huawei é a de smartphones, mas a fábrica inteligente mencionada anteriormente não produz um modelo sequer de celular — você até consegue comprar um no Brasil, fabricado no exterior, mas o último lançado foi o Nova 5T em 2020, até o estoque acabar. Aqui, estão em outra: produzir rádios-base, placas processadoras, placas controladoras, que é o atual grande negócio que tornou a chinesa com sede em Shenzhen a líder no setor de infraestrutura de comunicação — além de marca mais valorizada (US$ 71,2 bilhões), na frente da Cisco (US$ 26,6 bilhões), segundo dados da Statista. No setor de consumo, tem um elogiado smartwatch, caixinhas de som, fones de ouvido, hubs para videoconferências, além de soluções empresarias como data center all-flash e em nuvem e toda a infra necessária de rede.

5G É O FUTURO O alvo um pouco mais à frente é o 5G, tecnologia em que ela detém o maior número de patentes entre todas as marcas. Na China, é dona de 55% do market share em smartphones 5G, e 57% das estações-base são da Huawei. Isso é parte do negócio de carrier network, que conecta celulares, sites, tudo aquilo que parece invisível a nossos olhos — e que é o business mais lucrativo da empresa. Globalmente, também exercem essa liderança, mesmo depois de receberem sanções dos Estados Unidos, que alegaram questões de segurança nacional. Isso causou problemas com seus sistemas operacionais Android em smartphones, pois a americana Google passou a não certificar apps para eles, fazendo com que a Huawei partisse para seu próprio OS, criticado por parecer muito com o Android.

“Críticas americanas às empresas chinesas existem há mais de dez anos. nesse período, a gente continuou expandindo os negócios” Atilio Rulli, diretor sênior de Relações Governamentais Huawei.

“As críticas americanas às empresas chinesas existem há mais de dez anos”, afirmou Rulli, ecoando palavras do fundador da marca, Ren Zhengfei. Para o também CEO de 77 anos, o silêncio e a discrição da Huawei ao longo dos anos ajudaram a criar suspeitas do governo americano, mas esse mercado não é seu pilar de sustentação, já que no ano seguinte às restrições, 2019, as receitas com vendas cresceram 35,8%. E no segundo trimestre de 2020, a Huawei, que está em 170 países, conseguiu um feito em smartphones: ficar à frente de Samsung e Apple em termos de total de aparelhos enviados para o mercado, batendo 20% do market share. Era um ávido competidor para atrapalhar as duas líderes, até as sanções o colocarem abaixo das Top 5 em envios. As relações com os EUA continuam fraturadas.

Mas a briga não acabou e a inteligência é a arma mais eficaz. Os exemplos internos na fábricas não deixam de ser testes iniciais para o futuro. “O 5G reduzirá custos e é uma porta para a indústria 4.0, com máquinas autônomas no campo e nas fábricas”, afirmou Rulli. A Huawei é uma das empresas que mais investem em pesquisa e desenvolvimento. Em 2021, colocaram nisso US$ 22,38 bilhões, o que representou 22,4% de sua receita total. E em dez anos, somaram US$ 132,54 bilhões em P&D. E já que estamos falando de números, no mesmo ano ela teve lucro líquido de US$ 17,83 bilhões. “No Brasil e no mundo, somos parceiros estratégicos para a transformação digital”, disse Rulli.