As mudanças já eram evidentes nas primeiras aparições públicas. Depois de semanas aparecendo diante das câmeras apenas o suficiente para oferecer uma imagem para os telejornais, na segunda-feira 4, Dilma Rousseff respondeu pacientemente às perguntas dos jornalistas por quase uma hora, depois de se reunir com aliados para discutir por que não levou a eleição no primeiro turno. A campanha tucana demorou um pouco mais para vir a público: José Serra só apareceu na quarta-feira 6, em Brasília. Recebeu vencedores e perdedores das eleições e mostrou um PSDB unido, coisa rara. 

 

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Fernando Henrique Cardoso, escondido no primeiro turno, foi citado por Serra, assim como suas privatizações, que agora serão defendidas pelos tucanos. Nos dois lados da campanha eleitoral, novas estratégias já começaram a ser desenhadas.

 

A decepção com o segundo turno, para quem esperava já levar no primeiro, azedou o clima no comitê petista. O presidente Lula começou a semana com uma reunião para avaliar os resultados, já na segunda de manhã. 

 

No dia seguinte, recebeu no Palácio da Alvorada os governadores eleitos dos partidos aliados, para discutir a estratégia do segundo turno. Decidiu que Dilma deve se expor mais e se aproximar – fisicamente, pelo menos – dos jornalistas e do povo. Nada de cercadinhos, que passavam a impressão de arrogância. 

 

Na reunião de segunda à tarde, com os aliados, Dilma pediu que apontassem os pontos fracos da campanha. Depois de seguidas manifestações de desânimo, o governador da Bahia, Jaques Wagner, ponderou que o segundo não significava derrota. “Dilma é uma vencedora. Ela não tinha um piso eleitoral e teve 47% dos votos”, animou-se.

 

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A campanha de Dilma ganhou mais um coordenador, o deputado federal Ciro Gomes, do PSB. “Ele tem experiência de combate”, disse à DINHEIRO um integrante da campanha. Em outras palavras, Ciro não tem constrangimento em bater e pode dizer coisas que não ficariam bem na boca de Dilma. 

 

Um dos temas que mais irritaram os petistas foi a discussão sobre o aborto, que acabou tirando votos de Dilma entre evangélicos e católicos.  “Isso não faz parte do programa e vamos priorizar o debate sobre as diferenças entre os governos Lula e FHC”, afirmou na quinta-feira 7, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. As diferenças, disse ele, estão nas questões relativas às privatizações e ao marco regulatório do pré-sal.

 

Na campanha tucana, o segundo turno começou com a reabilitação do legado de FHC. Se o ex-presidente desapareceu da campanha no primeiro turno, agora seu nome já é mencionado abertamente. 

 

Os tucanos querem lembrar que a estabilidade econômica e os programas sociais começaram naquela época. Itamar Franco, eleito para o Senado, deve ter papel importante na difusão desse discurso em Minas Gerais, onde Dilma ganhou. 

 

O programa de governo, que está pronto, mas não chegou a ser divulgado por medo de que as ideias fossem “roubadas”, será tornado público também nesta semana, com ações específicas para cada região. 

 

A logística, que falhou no primeiro turno e deixou Estados como Bahia, Tocantins e Pará sem material de campanha, agora será melhorada. “Nos Estados maiores, onde cada cidade é visitada uma vez durante a campanha, se o material não chega é uma oportunidade perdida”, diz Flexa Ribeiro, senador eleito pelo Pará.

 

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A estratégia de comunicação tucana também mudou – e não apenas o slogan, “Serra é mais Brasil” – que  agora incorpora o nome do candidato. Para a campanha de televisão, Serra aumentou a equipe, que agora tem dez editores de vídeo para cuidar dos 20 minutos diários do horário gratuito de rádio e televisão, que recomeçou na sexta-feira. 

 

Para bancar a nova estrutura, o esforço é para arrecadar mais. Desta vez, com muito mais facilidade do que no primeiro turno. “Agora as coisas zeraram”, disse à DINHEIRO o presidente do comitê financeiro da campanha de Serra, José Gregori. 

 

“A roda da fortuna não tem vencedor pré-fixado e todos têm a mesma chance”, afirmou. Ele reconhece que houve dificuldades para arrecadar quando as pesquisas e os analistas políticos davam como certa a vitória de Dilma. 

 

As doações que tinham sido prometidas, mas não efetivadas, no fim do primeiro turno, agora começam a entrar no caixa da campanha. Na prestação de contas entregue no dia 2 de setembro, os petistas haviam arrecadado R$ 39,5 milhões, enquanto os tucanos tinham conseguido R$ 26 milhões. Agora, Gregori diz que o voluma já dobrou. “Está entre R$ 45 milhões e R$ 60 milhões”, afirma, prevendo que 60% dos gastos serão em publicidade. 

 

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Na avaliação do cientista político Mario Ajzenberg, da Universidade de São Paulo, há uma característica peculiar nessas eleições, já que os dois candidatos estão mudando suas estratégias. 

 

“Serra vai explorar a falta de identificação do eleitor com ela para crescer, enquanto Dilma vai investir na ideia de que Serra é filhote ideológico de Fernando Henrique”, afirmou. 

 

O cientista político Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais, lembra que Serra evitou o confronto direto com Dilma no primeiro turno, afinado com a máxima de que “quem ataca, perde”. 

 

Mas o segundo turno reúne condições para que o candidato tucano eleve o tom de debate para acentuar as diferenças. De fato, Serra já adotou, sutilmente, um discurso mais agressivo. 

 

Logo após a apuração das  urnas, o tucano fez um discurso em que agradeceu a Deus e a proteção à vida, numa velada crítica à defesa do aborto, razão que fez Dilma perder votos no primeiro turno.  

 

Ele tem dúvidas, porém, sobre o efeito da maior exposição de Dilma ao eleitorado. “Pode melhorar, mas não sei se lhe veste bem a figura de ‘Dilminha, paz e amor’”, analisa, lembrando o estilo contemporizador adotado por Lula, em 2002.

 

O apoio de Marina Silva, do alto de seus seus 19,5 milhões de votos, mobilizou tanto o PT quanto o PSDB na semana passada, mas condicionou qualquer apoio à adesão efetiva ao seu programa de governo. 

 

Dilma terá também que se cuidar para não perder parte dos apoios que já tem. O presidente do PMDB, Michel Temer, candidato a vice, pediu maior participação do partido na campanha. “Precisamos de uma integração maior do PMDB na campanha. Pelo meu intermédio”, afirmou. 

 

No Rio Grande do Sul, o partido vai se mobilizar pela campanha de Serra. “Vamos ter uma margem de um milhão de votos sobre a Dilma no segundo turno”, calcula Osmar Terra. Em Minas Gerais, onde o PMDB rachou depois da derrota de Hélio Costa e o clima com o PT azedou, os tucanos consideram que há boas chances de dispersar forças de apoio à Dilma. 

 

O PSDB também conta com a afinidade com o PV em vários Estados, onde os dois partidos já são aliados em governos locais. No Rio de Janeiro, Gabeira já declarou sua preferência por Serra. 

 

Em São Paulo, os tucanos buscarão atrair os verdes por meio de duas figuras do partido: José Luiz Penna e Fábio Feldman. Marina deve se manter neutra. Mas o que importa mesmo é o voto dos seus eleitores.

 

 

Privatização não é mais tabu

 

Desta vez, o PSDB pretende não repetir o erro de 2006, quando se envergonhou do processo de desestatização

 

O PT bem que tentou emplacar a mesma estratégia de 2006. Naquela campanha, o então candidato tucano Geraldo Alckmin começou a perder a eleição quando os petistas o “acusaram” de privatista, espalhando que ele iria vender as estatais que ainda estavam sob controle do Estado, como Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e Correios. 

 

O assunto nunca chegou a ser mencionado no programa de governo, mas a boataria pegou a ponto de Alckmin ter posado para fotos com uma jaqueta com o logo das empresas. Foi um erro. Em vez de defender o programa feito por Fernando Henrique Cardoso nos anos 90, que tornou a Vale o que ela é hoje e colocou telefones na casa dos brasileiros, Alckmin virou refém do discurso petista. 

 

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Soou falso: na disputa de 2006, Alckmin vestiu uma jaqueta com logos das estatais para dizer que não privatizaria

 

Desta vez, José Serra já deixou claro que não vai cometer o mesmo equívoco. No primeiro evento do segundo turno, na quarta-feira à tarde, em Brasília, Serra exaltou as privatizações feitas pelo ex-presidente tucano, que não apareceu no encontro, mas foi amplamente citado. 

 

É possível que o ex-presidente, excluído da campanha no primeiro turno, participe agora da segunda fase. “Eles falam em privatização. O governo Lula continuou a privatizar”, afirmou Serra, lembrando que o presidente privatizou os bancos do Estado do Maranhão e o Banco do Estado do Ceará. “Se privatizou, não era tão contra”, disse o candidato tucano. 

 

O ex-governador e senador eleito de Minas Gerais, Aécio Neves, também entrou na linha de frente desse discurso: “Quem é contra a privatização deveria jogar fora seu celular”, afirmou. 

 

Serra deve aprofundar no segundo turno este discurso, lembrando que o cenário hoje é bem diferente daquele dos anos 90, e que as privatizações trouxeram sim um saldo positivo para o País, especialmente a modernização da infraestrutura de telecomunicações. 

 

Com os investimentos privados, os brasileiros passaram a ter acesso a telefone em casa e ao então incipiente mercado de telefone móvel. Hoje, o País se tornou o quinto maior mercado de celulares no mundo, com 188 milhões de linhas habilitadas – quase uma por habitante. 

 

A campanha também quer discutir por que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não reverteu as privatizações, já que as critica. “Vamos jogar para a Dilma esta questão: vai reestatizar a Vale, a Embraer?”, disse o deputado Jutahy Junior, do PSDB da Bahia. “Se não foi bom para o País, por que o PT não revogou?”, questiona.

 

A questão não é reestatizar a Vale, que está entre as maiores empresas do mundo em seu setor. O problema é que, apesar de ser privada, o governo continua exercendo influência nela através do fundo de pensão Previ, que administra o patrimônio não do governo, mas dos funcionários do Banco do Brasil. 

 

Lula tem ainda outra maneira, bem menos de transparente, de privatização. Ele privatiza os recursos públicos para algumas empresas, com financiamentos subsidiados do governo. 

 

A política de formação de campeões nacionais, com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já serviu para a criação de uma telefônica “nacional” que depois foi parcialmente vendida para os portugueses, para a internacionalização de um grupo frigorífico, para a criação de um grande grupo no ramo alimentício, além de servir aos interesses políticos do presidente ao financiar obras no Exterior. Num cenário desses, o PSDB pode começar a expurgar seus demônios do passado.