Se fosse preciso um sinal de largada, ele foi dado por Fernando Henrique no encerramento da Cúpula das Américas, em Quebec. ?Agora começa o trabalho duro. Daqui para frente estão os tópicos quentes de negociação da Alca?, disse o presidente no sábado, dia 21. Ao lado dele, durante a entrevista no 23º andar do hotel Hilton, o chanceler Celso Lafer cofiava o cavanhaque com ar preocupado. É que cabe a ele, como comandante em chefe do Itamaraty, a tarefa de organizar a pequena equipe de diplomatas brasileiros para enfrentar não apenas a guerra da Alca, mas também as negociações com a União Européia, com a Comunidade Andina e com a Organização Mundial do Comércio ? para não mencionar as tratativas bilaterais com o México e a África do Sul. ?Estamos trabalhando em todas essas coisas simultaneamente? preocupa-se o ministro.

?Já somos um ator global, embora ainda sejamos pequenos comerciantes globais.? O problemab é que à nossa nova posição de influência mundial não corresponde uma burocracia diplomática de Primeiro Mundo. Bem o contrário. ?Em algumas áreas importantes, estamos tão sobrecarregadas que se alguém tiver uma dor de barriga o País não negocia?, diz Roberto Gianetti da Fonseca, secretário da Câmara de Comércio Exterior. O secretário estima que não passem de 15 os ?negociadores completos? de que dispõe o Brasil.

Para alterar essa situação, existe uma idéia grande no ar e um monte de pequenas improvisações em curso. A idéia grande é a criação em Brasília de uma espécie de USTR ? o órgão americano com 200 técnicos que responde por todas as negociações comerciais dos EUA. Esse projeto vislumbra uma estrutura permanente na qual especialistas da Fazenda, Desenvolvimento e Casa Civil dariam suporte aos diplomatas do Itamaraty. Assim como o USTR, que tem status de ministério, esse núcleo negociador responderia diretamente ao presidente da República. ?Não sei, não?, avalia o ministro Alcides Tápias, do Desenvolvimento. ?Às vezes essa estrutura se justifica, em outras, não.? O temor do empresário-ministro é investir para atender um surto de negociações e descobrir, passada a correria, que se criou um outro corpo ocioso dentro do Estado. Mas esse receio talvez subestime a intensidade das novas demandas internacionais que pesam sobre o País. ?Nós nunca mais vamos voltar à situação de isolamento?, acredita Lytha Spindola, a secretária de Comércio Exterior que está envolvidíssima nas negociações da Alca e do Mercosul. ?Agora que a economia se abriu, o Brasil não vai mais parar de negociar.? As discussões da Alca, por exemplo, vão se estender até janeiro de 2005, e nelas o Brasil tem uma posição proeminente. Conseguiu, em Quebec, o comando do Comitê de Assuntos Institucionais ? uma espécie de relatoria das negociações que vai dar ao Itamaraty uma enorme influência no rumo das coisas, mas vai demandar muito trabalho.

Fernando Henrique, ciente das carências do governo, tem avisado que uma negociação bem-sucedida da Alca depende de um esforço maior do que o Itamaraty e os Ministérios são capazes. ?Esse trabalho envolve os empresários e a sociedade?, diz o presidente. ?Temos de ter informações preto no branco, de cada setor, e o governo não consegue fazer isso sozinho.? O México, que negociou um acordo de livre comércio com Estados Unidos e Canadá, tinha em Washington uma equipe permanente de 150 pessoas, entre elas empresários e advogados, para dar suporte aos negociadores. É com isso que sonha o presidente brasileiro. Na vida real, como não existe organização empresarial de apoio às negociações, o que ele terá é o resultado de uma improvisação: o Itamaraty vai jogar os 20 formandos deste ano do Colégio Rio Branco em um curso intensivo de negociação comercial. E o ministro Lafer fala de ?reformulação do Itamaraty? e de reagrupamento dos diplomatas em grupos temáticos de negociação. O fato é que o Ministério acordou tarde para o impacto da Alca e tem apenas 60 diplomátas em seu departamento econômico, contra 80 no departamento político. É a mesma estrutura de 50 anos atrás, e com ela o Brasil não vai longe.

DE POU A MACARRONE

A pergunta, agora, não começa mais com ?se?. A questão que ronda os mercados internacionais é ?quando? a Argentina vai entrar em ?default?. Até o Fundo Monetário Internacional (FMI), com o qual o país tem um acordo e obteve, no ano passado, empréstimo de US$ 40 bilhões admite, na prática, a iminência do calote. Técnicos têm sugerido a autoridades de países emergentes a tomada de empréstimos preventivos no próprio Fundo para evitar os riscos do contágio da moratória. O temor é que um movimento de fuga de capitais na Argentina se repita por outros países.

Em Buenos Aires, o presidente Fernando de la Rúa tentou aliviar as tensões. Implodiu Pedro Pou da presidência do Banco Central na quarta-feira, 25, e colocou no lugar Roque Maccarone, numa manobra traçada pelo ministro da Economia, Domingo Cavallo. A saída de Pou foi recomendada a De la Rúa por uma comissão de investigação que concluiu que o ex-presidente do BC fora negligente na fiscalização de bancos acusados de lavagem de dinheiro. Maccarone é considerado pragmático, cauteloso e fiel a Cavallo. No curtíssimo prazo, o gesto deu resultado. A bolsa argentina subiu 2,1% e houve recuperação no valor dos títulos do país negociados no mercado internacional. O mais importante, a ajuda financeira insinuada em Quebec pelo presidente George Bush, não apareceu. Sem dinheiro novo, a luz no fim do túnel da Argentina está cada vez mais fraca.