O mercado brasileiro de motos teve muito a comemorar em 2021. Impulsionado pelo delivery, que ganhou força com as medidas de isolamento social em decorrência da pandemia, e pela alta dos combustíveis, principalmente no ano passado, o segmento estabeleceu recordes. A produção alcançou 1.118.790 unidades, o melhor resultado desde 2015, e as vendas chegaram a 1.157.369 exemplares, alta de 26,4% em relação a 2020 e 7% superior a 2019, período pré-crise sanitária. Os números divulgados pela Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) animam Alexandre Cury, o executivo que comanda a Honda Motos no Brasil afirma ter experimentado todas as sensações em 2021. “De um começo muito ruim, dramático, com o impacto da segunda onda da Covid-19”, disse. “E depois, com o avanço da vacinação e outras questões, fechamos o ano respirando melhor.”

A marca japonesa não reduziu a marcha. A produção no polo industrial de Manaus chegou a 933.932 unidades no ano passado, crescimento de 23% na comparação com as 757.866 do período anterior. E as vendas também aumentaram. Saíram de 711.494 na temporada 2020 para 882.079 em 2021, alta de 24%, com 76,3% de participação. A também japonesa Yamaha, com 17,4% de marketshare (201.666), e a chinesa Shineray, com 1,2% (13.767), ocuparam, respectivamente, a segunda e a terceira colocações. “Superar 2020 foi fácil. Ficamos dois meses sem produção, zero. Mas batemos 2019, um ano sem pandemia”, afirmou Cury.

A exemplo das últimas quatro décadas, o carro-chefe da Honda em vendas foi a CG, com 315.141 exemplares. O volume corresponde a um terço do total comercializado pela marca na última temporada. Já em 2020 foram 269.226. O modelo é líder de vendas desde os primeiros anos de criação, em 1976. Neste período, passou por transformações tecnológicas, no motor, freios, faróis. “Mas nunca perdeu a essência”, disse o executivo. “É o veículo mais emplacado da história (13,5 milhões de unidades).”

EM ANDAMENTO Fábrica da Honda em Manaus recebe investimento de R$ 500 milhões para melhorar a eficiência. (Crédito:Lalo de Almeida)

A marca também viu crescer a procura por scooters. No acumulado entre janeiro e o final de outubro, foram emplacadas 88.340 unidades no País, segundo levantamento da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo). O crescimento chega a 46,9% em relação ao mesmo período de 2020. A Honda tem dois modelos na liderança do segmento. São eles a PCX 150, na ponta, com 28.135 exemplares negociados em 2021, seguida pela Elite 125 (21.797). A concorrente Yamaha NMax 160 ABC vem em terceiro, com 19.956 veículos comercializados.

As scooters são vistas como soluções de mobilidade urbana, principalmente pela economia de combustível. Alguns modelos chegam a rodar 40 quilômetros com 1 litro de gasolina. O câmbio do tipo CVT dispensa o uso de embreagem. Com isso, o usuário só precisa sentar e acelerar. Para o executivo, a scooter representa um novo mercado, muito relacionado à questão do trânsito, principalmente nas grandes capitais. “Os clientes deste segmento utilizam a scooter como meio de locomoção acessível e mais rápido”, disse o executivo. E por que scooter? “Porque é automática, a maioria tem ABS, porta-capacete, tomada para carregar o celular, start stop e as cores se assemelham muito às de automóveis.”

O line-up variado da marca — são ao menos 25 modelos à disposição — e a capilaridade da rede, com 1,1 mil pontos oficiais pelo País, são vistos como importantes aliados para o sucesso da Honda no Brasil, onde já está há 50 anos. O portfólio atende diversas necessidades, como lazer e trabalho, e tem preços que variam de R$ 7,7 mil na Pop a R$ 170 mil na Fireblade. Modelos como Pop, CG, Biz, Bros, Twister, XRE 300 só existem no Brasil, o principal mercado da bandeira fora da Ásia. “Acho que essa luta por atender bem, com produto local, ajudou muito essa participação de mercado. Acima de 500cc os produtos já são mais globais.”

DE OLHO NO BOLSO Motoristas têm trocado o automóvel pela motocicleta para minimizar os impactos dos aumentos dos preços dos combustíveis. (Crédito: Romildo de Jesus)

PROJETOS Até abril, a bandeira irá promover uma renovação na categoria de alta cilindrada. Estão previstas as chegadas da nova CB 1000, que é a flagship das nakeds, e da NC 750X, “um SUV das motocicletas”. Além disso, a Honda deve finalizar até o fim do primeiro trimestre o plano de investimento de R$ 500 milhões, iniciado em 2019, na planta de Manaus. O aporte inclui iniciativas para redução de custo. “Buscamos ganho de eficiência. Nossa fábrica é de 1976. Teve um crescimento meio orgânico em alguns momentos, mas precisávamos fazer uma série de reestruturações.”

Apesar do sucesso nas vendas e dos pouco mais de 7 mil colaboradores da planta de Manaus estarem na ativa, nem tudo é motivo de satisfação na Honda. A empresa enfrenta fila de até três meses para a entrega de alguns modelos. E os motivos são variados, segundo Cury. Há restrição de fornecimento de componentes que carregam semicondutores — ou seja, chips — nas motocicletas de alta cilindrada (acima de 450cc no mercado brasileiro, ou 500cc para a marca). “Isso acontece nas motocicletas que agregam muita eletrônica, muitos sensores, como a GL Goldwing, que chega a ter airbag. No entanto, nada comparável à crise dos automóveis.”

Já nos modelos de baixa cilindrada, que também têm eletrônica, não há falta de componentes e, sim, um desafio muito grande de logística, principalmente no custo, que chegou a triplicar. A líder CG, por exemplo, tem de 92% a 95% de índice de nacionalização, com alguns componentes importados. O executivo enumera os desafios, que incluem, por exemplo, adotar frete aéreo, porque não há contêiner. “O custo de logística disparou. Subiu em dólar e o nosso real depreciou demais. Esse é o grande gargalo hoje. Não é a produção em si do componente na origem.”

O diretor destaca também a alta no preço das commodities, como o aço, utilizado no chassi; o alumínio, no motor; além de borrachas e resinas. “Todas essas commodities dispararam. E em dólar.” Ele afirma que a marca não consegue transferir isso na ponta. Segundo ele, a Honda e os seus fornecedores têm feito esforço para tentar repassar o mínimo possível aos preços. “Mas não tem jeito, senão a conta não fecha.” Cury acredita que ainda haverá muitos desafios de aumentos de custos no primeiro semestre deste ano.

ESSÊNCIA MANTIDA A Honda CG passou por diversas transformações nos últimos 45 anos sem perder a liderança do mercado. As vendas no período superaram as 13,5 milhões de unidades. (Crédito:Divulgação)

As incertezas se estendem a questões econômicas, como a alta da inflação, que consequentemente reduz o poder de compra da população, e do câmbio. Isso sem contar o desemprego elevado. “Temos clientes de classe D até AAA”, disse. Mas o core são os B-, C e D. E pessoas com uma renda mais baixa estão mais expostas a essa situação de desemprego. Por outro lado, os combustíveis em alta servem de alento para o setor. Em 2021, a gasolina e o diesel subiram 44% nos postos pelo Brasil, de acordo com levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Muitos motoristas têm trocado o automóvel pela motocicleta, mais econômica. “A questão financeira acaba dando estímulo para a motocicleta. E também como ferramenta de trabalho. É uma fonte de renda. E não é só o delivery”, afirmou. “Tem muito mototáxi em alguns centros pelo País, como o Rio de Janeiro.”

O economista Marcos Fermanian, presidente da Abraciclo, acredita em um mercado ainda aquecido neste início de ano, mas evita fazer projeções de longo prazo em meio à pandemia. Para ele, a chegada da variante Ômicron contaminou os mercados globais com pessimismo e, no Brasil, “há incertezas no cenário político-econômico que podem impactar negativamente o desempenho do setor”, disse. Fato é que, independentemente das dúvidas quanto ao futuro, a Honda acelera a produção e espera alta superior a 10% no faturamento em 2022.