A China é o principal parceiro comercial brasileiro e as relações entre as duas nações nunca foram tão importantes para o País. Em meio a tensões de guerra comercial e desaceleração da economia mundial, o Brasil recebeu, em janeiro, um novo embaixador chinês, Yang Wanming. E seu principal objetivo é estreitar ainda mais os laços bilaterais.

O embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, está no País há dez meses. Logo de cara, enfrentou um desafio, as críticas que o recém-eleito presidente Jair Bolsonaro fez aos massivos investimentos chineses no Brasil. Para ele, isso são águas passadas e o importante mesmo é aumentar a capacidade de negócios entre os dois países. “Hoje em dia, mais de 300 empresas chinesas investem no Brasil, sendo que 25 estão entre as top 500 do mundo”, diz Yang. Antes gigante incontestável de crescimento, hoje a China mostra números mais tímidos – para seus padrões – e sofre ataques, diplomáticos e econômicos, do seu principal rival, os Estados Unidos. Yang, no entanto, minimiza os efeitos desses fatores para a economia chinesa e considera a ação americana antiética. “Sem nenhuma base de fatos, Washington impôs restrições a empresas chinesas de alta tecnologia. Isso é um gesto de má fé.”

DINHEIRO – Antes da posse de Jair Bolsonaro, ele e a equipe fizeram algumas declarações que aparentemente “jogaram água fria” nas relações sino-brasileiras. O problema foi resolvido?

YANG WANMING – O novo governo do Brasil mantém boas interações com a China e, em conjunto, os dois países já conseguiram resultados positivos. Em maio deste ano, o vice-presidente [Hamilton] Mourão realizou uma visita à China, e se encontrou com o presidente chinês, Xi Jinping. Essa visita deu início a um planejamento para a cooperação pragmática bilateral em todas as áreas. No mês passado, o conselheiro de Estado e ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi, veio ao Brasil. Os dois lados têm elevado os esforços por uma Parceria Estratégica Global China-Brasil que sirva de exemplo para a cooperação China-América Latina, a cooperação Sul-Sul e a cooperação entre mercados emergentes. Na minha opinião, o governo Bolsonaro e a sociedade brasileira possuem amplo consenso quanto a fortalecer a amizade entre a China e o Brasil.

DINHEIRO – E daqui em diante?

WANMING – O presidente Bolsonaro anunciou sua visita à China em outubro e o presidente Xi Jinping também aceitou o convite para participar da 11ª Cúpula do BRICS no Brasil em novembro. Haverá também visitas frequentes entre os dois governos, parlamentos e partidos políticos. Acredito que esses contatos estreitos elevarão a Parceria Estratégica Global China-Brasil.

DINHEIRO – Qual é a perspectiva para o investimento chinês no Brasil?

WANMING – Hoje o estoque do investimento chinês no Brasil é de cerca de US$ 80 bilhões, sendo a China uma das principais fontes de investimento estrangeiro no País. O investimento está se expandindo dos setores tradicionais, como a agricultura e a mineração, para novas áreas, como eletricidade, energia, inovação científica e tecnológica, manufatura. Hoje em dia, mais de 300 empresas chinesas investem no Brasil, sendo que 25 estão entre as top 500 do mundo. O governo brasileiro está focado nas reformas previdenciária e tributária e, com isto, as empresas chinesas veem com bons olhos o ambiente de investimento do Brasil. A longo prazo, o investimento chinês terá oportunidade de crescer ainda mais.

DINHEIRO – Qual a importância do Brasil para o comércio exterior da China?

WANMING – O Brasil possui recursos abundantes e mercado imenso. A China tem o maior número de consumidores de classe média no mundo. A China e o Brasil possuem uma cooperação comercial altamente complementar, e são dois parceiros naturais. Aliás, a China é o maior parceiro comercial e o maior destino de exportação do Brasil por 10 anos consecutivos. Em 2018, a balança comercial sino-brasileira superou US$ 110 bilhões, recorde para a América Latina. Hoje a China não só adquire produtos agrícolas diferenciados do País, como itens de alto valor agregado. Mas o Brasil não está oficialmente incluído na iniciativa One Belt, One Road [plano de investimento chinês na Eurásia, no que no que é chamado de a Nova Rota da Seda].

DINHEIRO – Como está a iniciativa One Belt, One Road?

WANMING – A iniciativa visa estimular a interconectividade de comércio, infraestrutura, investimento e pessoal. Isso condiz com a ideia do novo governo do Brasil de trazer investimento para auxiliar no crescimento interno, ao tomar a infraestrutura como base desse processo. Isso ajudará o Brasil a ter mais oportunidades de investimento e a eliminar os gargalos de desenvolvimento. Na próxima etapa [da iniciativa], os dois lados vão se comunicar sobre como se alinhar além de organizar a construção conjunta do One Belt, One Road.

DINHEIRO – Mesmo sem oficialmente fazer parte da iniciativa “Cinturão e Rota”, o Brasil receberá investimentos desse programa?

WANMING – A China considera o Brasil um parceiro natural para a iniciativa “Cinturão e Rota” (BRI). Por um lado, como líder na América Latina, o País reúne todas as condições para se tornar um dos principais participantes da extensão da BRI na região. Valendo-se da iniciativa BRI, os dois lados podem fortalecer a coordenação das políticas macroeconômicas, aproveitar melhor a potencialidade da nossa parceria, promover a melhoria da cooperação pragmática e proporcionar benefícios recíprocos. Em termos de investimentos do programa de modo geral, de seis anos para cá, a China destinou aos países parceiros mais de US$ 90 bilhões. Segundo a previsão de instituições financeiras internacionais, o investimento chinês no exterior chegará a US$ 2,5 trilhões nos próximos dez anos, cobrindo grandes projetos de energia, infraestrutura e recursos naturais, assim como setores de comércio eletrônico, cultura, educação e turismo.

DINHEIRO – Desde o início da guerra comercial China-EUA, as exportações brasileiras de soja para a China aumentaram. É possível que os americanos reconquistem o mercado de soja? Ou o Brasil seguirá como importante exportador do grão à China?

WANMING – O agronegócio tem sido um importante componente da cooperação pragmática China-Brasil e o comércio de produtos agrícolas, como a soja, responde por mais de 40% do volume total bilateral. Fatores externos podem ter certo impacto, mas não vão tirar o Brasil da posição de principal exportador de soja para a China. O que quero enfatizar é que, desde que os EUA iniciaram a guerra comercial, as vendas brasileiras de soja para a China subiram. No entanto, a longo prazo, o comércio China-Brasil será prejudicado por essa guerra. Primeiro, porque ela traz danos ao sistema multilateral de comércio, mina a confiança do mercado internacional e eleva o risco de uma recessão econômica mundial, e economias emergentes, como a brasileira, sofrerão consequências negativas. Segundo, porque essa guerra corrói a normalidade das cadeias globais de suprimento, de valor e de produção, trazendo incerteza à parceria comercial sino-brasileira numa perspectiva de médio e longo prazo.

DINHEIRO – A guerra comercial entre a China e os Estados Unidos teve impacto na economia chinesa?

WANMING – A economia chinesa será afetada pelos atritos comerciais, mas não terá impacto substancial e efeitos colaterais podem ser superados. O mercado chinês segue atraente para os investidores estrangeiros. No primeiro semestre, o investimento estrangeiro na China subiu 7,2%. Segundo pesquisa do Conselho Empresarial EUA-China (USCBC), 95% das empresas americanas manterão ou ampliarão investimentos na China.

DINHEIRO – A taxa de crescimento econômico da China está inferior a 7%, qual é o motivo?

WANMING – Atualmente, a economia da China mantém avanço estável e a taxa de crescimento do PIB permaneceu dentro de uma faixa razoável por vários anos consecutivos. No primeiro semestre deste ano, a economia chinesa cresceu 6,3% sobre um ano antes. A alta, de fato, desacelerou em comparação com os anos anteriores como resultado da combinação de múltiplos fatores, mas devemos enxergar que o aumento de 6,3% ainda está à frente das principais economias do mundo. Especialmente, em vista do volume da economia chinesa, mesmo com crescimento anual de 6%, o ganho econômico ultrapassará US$ 800 bilhões. No World Economic Outlook, do Fundo Monetário Internacional (FMI), a previsão de crescimento mundial em 2019 foi reduzida para 3%, mas a projeção da China subiu.

DINHEIRO – Quais medidas a China tomará para manter o crescimento econômico?

WANMING – A China não vai recorrer a medidas de estímulo maciço, ou voltar à antiga abordagem de crescimento de curto prazo em detrimento do desenvolvimento de longo prazo. A China continuará aprofundando suas reformas, ampliando a abertura, desburocratizando a gestão e descentralizando o poder para reduzir os impostos e taxas em grande escala a fim de estimular a vitalidade do mercado e a criatividade social em massa.

DINHEIRO – Mas o governo continua a investir em grandes obras de infraestrutura e na produção de bens de consumo. Isso não leva a um aumento no endividamento?

WANMING – Até agora, o risco da dívida do governo local da China é controlável. No final de 2018, o saldo da dívida em relação aos recursos financeiros era de 76,6%, muito abaixo da linha de alerta internacional de 100% a 120%. A China toma medidas rigorosas para reforçar o controle em resposta aos problemas e riscos ocultos de alguns governos locais em termos da dívida pública. O governo chinês continuará a ter um papel ativo no financiamento para apoiar os grandes projetos em andamento. Por outro lado, é necessário assegurar que os títulos do governo local não corram risco.

DINHEIRO – A população chinesa está envelhecendo. A China precisará reformar a previdência?

WANMING – Em termos do montante, o rendimento dos fundos da previdência social é superior ao pagamento. No entanto, com a subida da taxa de envelhecimento populacional, o governo promove uma série de medidas para aprimorar o sistema. A primeira é reduzir contribuições pagas pelas empresas. Em segundo lugar, os departamentos financeiros de todos os níveis do governo aumentarão o subsídio para o fundo da previdência social. E, em terceiro lugar, serão adotadas medidas abrangentes para promover o desenvolvimento sustentável do sistema da previdência social, como continuar proporcionando a transferência de parte do capital estatal para alimentar o fundo da seguridade social; acelerar a integração nacional da previdência social e estabelecer uma base institucional mais sólida.

DINHEIRO – Os EUA acusam a China de usar a tecnologia 5G para espionagem. Qual é a resposta do governo chinês sobre isso?

WANMING – Por algum tempo, os Estados Unidos mobilizaram o aparato de Estado para difamar, sem nenhum fundamento, a Huawei e sua tecnologia 5G. Até tentaram impedir terceiros países, como o Brasil, a desenvolver parceria com a empresa. Seu objetivo é usar essa tecnologia para suprimir o desenvolvimento de outros países e preservar seus próprios privilégios. Isso prejudica a abertura e a inclusão do mercado, mina as regras internacionais de justiça, equidade e não-discriminação e impede a partilha, entre os países, do dividendo da quarta revolução industrial. Não há legislação na China que autorize uma instituição a obrigar as empresas a fornecer informações de inteligência. Como maior fornecedor mundial de equipamentos de telecomunicações e líder em 5G, as operações da Huawei atendem mais de um terço da população do planeta. Hoje a empresa assumiu 50 contratos comerciais de 5G com 30 países, sendo 20 europeus. Sem nenhuma base de fatos, Washington impôs restrições a empresas chinesas de alta tecnologia, como a Huawei, e isso é um gesto de má fé.

DINHEIRO – O Brasil é um dos mercados potenciais de 5G da China?

WANMING – O 5G é uma tecnologia de ponta. É uma conquista de toda a comunidade internacional na inovação e está relacionado ao crescimento da economia global. O Brasil tem uma demanda urgente por redes de telecomunicações. A aplicação da tecnologia 5G promoverá o desenvolvimento econômico do Brasil e removerá o gargalo da infraestrutura. Assim, a China está disposta a compartilhar conquistas científicas e tecnológicas com o Brasil. Vamos aproveitar as oportunidades trazidas pela nova etapa da revolução tecnológica e alcançar o progresso comum.