Venda de veículos pelo celular e criação de uma plataforma própria de compartilhamento de corridas estão entre as inovações da BMW, uma das marcas líderes na transformação da indústria automobilística global

Em janeiro deste ano, o brasileiro Aksel Krieger deixou a cadeira presidencial que ocupava havia vinte anos no setor financeiro do grupo BMW para encarar um novo desafio: ser o novo CEO da montadora no Brasil. Desde que assumiu o comando da operação, Krieger decidiu centralizar as apostas nos automóveis elétricos. “Ainda há um processo de adaptação pela frente, mas acredito que esse ajuste será rápido”, diz. Nessa entrevista à DINHEIRO, o executivo fala sobre as novidades da marca para 2020, as implicações do possível acordo entre União Europeia e Mercosul e a relevância da tecnologia na estratégia da operação.

DINHEIRO — Faz menos de seis meses que você assumiu a presidência do grupo BMW no Brasil. O que você tem de diferente dos executivos anteriores?

AKSEL KRIEGER — A base que foi feita aqui no passado foi muito bem desenhada pelos meus antecedentes. Eu vim de outro background de experiência. Tenho 20 anos ao lado de serviços financeiros e só agora houve essa troca para a montadora. Gostei bastante dessa transição do banco para o lado de carro, produto, marketing e mais contato com o consumidor. A primeira mudança que eu consegui fazer, e que o mercado também está exigindo nesse momento, é focar na experiência do cliente e em eletrificação. Só para você ter uma ideia, cerca de 400 carros elétricos e híbridos devem ser comercializados neste ano e mais de mil em 2020. Já estamos vendo os primeiros passos desse plano sendo implementados.

DINHEIRO — Quais são as novidades que podemos esperar da BMW Brasil em 2019?

KRIEGER — A nova série 3 com a linha 330i M Sport já chegou na nossa fábrica em Araquari (SC), a SUV X5 também já está disponível para o mercado, além do i8 e o X7 chegando no portfólio. No curto prazo, os brasileiros podem esperar a série 8, série 3 e a série 4. A grande novidade para o segundo semestre será o lançamento da primeira pré-venda de carro via aplicativo no Brasil. Fechamos uma parceria com a Rappi para que o consumidor consiga fazer a encomenda de um carro de entrada pelo próprio celular.

DINHEIRO — O que motivou essa ação?

KRIEGER — Como o mercado mudou e o cliente agora é diferente, nós precisamos experimentar outras formas de pagamento. Na China, por exemplo, as pessoas conseguem pagar o veículo por meio de um aplicativo de mensagens. O que eu quero dizer é que é importante se adequar e testar novas ferramentas. Essa é uma maneira que a gente encontrou de divulgar o produto, mas também de reforçar o nosso posicionamento de ser uma empresa de tecnologia. Hoje em dia nós não vendemos só um carro, vendemos uma série de serviços junto com ele.

“Todo mundo carrega a bateria do celular todos os dias, a ideia é replicar essa mentalidade para o carro elétrico” (Crédito:iStock )

DINHEIRO — Considerando as novas tecnologias, como você enxerga o futuro da indústria automotiva?

KRIEGER — Estamos em uma fase de competir e cooperar com as duas indústrias ao mesmo tempo, pois, no fim do dia, tudo isso funciona de forma conjunta e complementar. Fora do Brasil a BMW já usa a DriveNow, uma plataforma de compartilhamento de corridas dentro da própria marca.

DINHEIRO — De que forma a tecnologia mudou a forma de fazer negócios na BMW?

KRIEGER — A indústria automotiva está passando pela maior e mais rápida mudança da história. Antigamente, um veículo tinha apenas o motor de combustão, mas hoje você já pode encontrar esse mesmo modelo em uma versão elétrica, híbrida e também em combustão. A possibilidade de trabalhar com três tipos de motores diferentes era algo impossível de se imaginar no passado. Do ponto de vista da BMW, a tecnologia está empregada em tudo. Quando um cliente compra um dos nossos veículos ele já tem acesso ao BMW ConnectedDrive, um aplicativo em que o proprietário pode localizar o carro em tempo real, abrir e fechar as portas, ligar o farol e acionar a buzina pela plataforma.

DINHEIRO — Existe algum tipo de tecnologia que a BMW adota em outros países, mas não no Brasil?

KRIEGER — Não. Tudo o que a gente usa no exterior também temos no Brasil. O brasileiro é um público que gosta muito de tecnologia e é o que mais utiliza as ferramentas disponibilizadas pela BMW em comparação com o resto do mundo. É por esse motivo que adaptamos o mercado por completo.

DINHEIRO — Para onde vai a indústria automotiva?

KRIEGER — O futuro é elétrico, com certeza. Vamos passar por um período de adaptação e o carro híbrido vai ser uma boa solução porque a infraestrutura ainda está crescendo e será possível ter o melhor dos dois mundos. Em cidades maiores, como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, há uma infraestrutura maior e é possível ter um carro puramente elétrico. Para atender essa demanda, aceleramos o número de projeto: a meta antiga era entregar 25 mil carros elétricos até 2025, agora aceleramos esse objetivo para 2023.

DINHEIRO — Como estão as vendas do I3, o primeiro carro elétrico à venda no Brasil?

KRIEGER — A BMW foi a primeira empresa a trazer esse tipo de veículo no Brasil e agora estamos trabalhando com um foco imenso com o I3 e o I8 daqui para frente. O I3 foi um modelo com boa aceitação no mercado brasileiro, mas temos consciência de que precisamos ter mais plataformas de carregamento espalhadas pelo Brasil.

DINHEIRO — Há intenção de produzir esse modelo por aqui?

KRIEGER — O carro elétrico ainda não apareceu no radar, mas é uma ideia que tem futuro e não podemos descartar. Quem sabe um modelo híbrido aqui no Brasil funcione melhor, a gente nunca descarta a possibilidade.

DINHEIRO — O País já está preparado para esse mercado?

KRIEGER — Já temos uma legislação favorável nesse aspecto. Em São Paulo, por exemplo, não há mais rodízio para veículos eletrificados, então eu vejo que o País já está começando a se movimentar dessa maneira. Além disso, existem alguns incentivos fiscais que contribuem para colocar o Brasil nessa direção.

“Não vejo benefício no curto prazo para as montadoras, mas o sinal de livre comércio pode ajudar na economia do Brasil” (Crédito:Divulgação)

DINHEIRO — Como está esse segmento em outros países?

KRIEGER — Em termos de infraestrutura, alguns países estão de fato um pouco mais à frente. Na Europa há um fator positivo em relação ao número de pontos de carregamentos, então é claro que eles têm uma vantagem porque começaram um pouco antes nesse movimento. Por outro lado, o brasileiro se adapta muito rápido às novas tecnologias em comparação com os outros países do mundo. Eu acho que nós podemos alcançar as outras regiões.

DINHEIRO — Quando esse mercado deve atingir maturidade no Brasil?

KRIEGER — É difícil dizer, mas considerando um cenário de maior presença dos híbridos nos próximos cinco anos, acredito que em até 15 anos vamos ter um pouco mais de participação. Precisamos estar preparados.

DINHEIRO — Do ponto de vista do consumidor, o que falta para alavancar?

KRIEGER — Precisamos ajudar e educar os consumidores com os elétricos. No processo de venda já é normal explicar um pouco mais sobre esse tipo de veículo e sobre a tecnologia que ele carrega. Ainda há um processo de adaptação pela frente, mas eu gosto de fazer uma comparação com o celular: todo mundo carrega o aparelho e usa ele todos os dias, a ideia é replicar essa mentalidade para o carro elétrico. Haverá essa fase de ajuste, mas acredito que o processo será rápido.

DINHEIRO — A BMW abriu a primeira fábrica no Brasil, em 2014, por conta dos inc entivos do programa Inovar Auto. Com a aprovação do Rota 2030, ainda vale a pena manter a planta?

KRIEGER — A BMW nunca pensa em curto prazo. Quando houve o investimento no Inovar Auto, a empresa não olhou apenas para o período em que duraria o beneficio do programa. Ao abrir uma fábrica, olhamos para o ambiente de negócios com uma projeção de 15 a 20 anos.

DINHEIRO — Há planos de abrir uma nova fábrica?

KRIEGER — Não, a nossa fábrica tem capacidade e tecnologia suficientes para crescer e exportar.

DINHEIRO — Qual é a sua avaliação sobre o regime tributário do Rota 2030?

KRIEGER — Ainda faltam algumas coisas no Rota 2030. Com o Inovar, por exemplo, existiam isenções que agora se perderam um pouco. Acredito que é necessário voltar e olhar para o segmento premium como um todo, afinal, não temos o mesmo volume que as montadoras de massa e precisamos ganhar escala e competitividade. É uma situação difícil porque mesmo se eu quiser exportar no Brasil eu tenho que pagar imposto. Como eu explico para um chileno que ele vai ter que pagar um imposto de 15% no carro por conta do Brasil? Precisamos melhorar esse ambiente de negócios e ainda faltam regras para quem trabalha com baixo volume e alta tecnologia.

DINHEIRO — O cenário deve melhorar com a possível união entre União Europeia e Mercosul?

KRIEGER — Isso ainda vai demorar um pouco para acontecer, cerca de 7 anos. O acordo também prevê um esquema de cotas: será possível trazer 50 mil carros da Europa para o Mercosul sem tarifa de importação, mas apenas 32 mil virão para o Brasil para serem divididos entre todas as montadoras. Esse não é um volume tão expressivo, ainda mais se você pensar que não sabemos como será feita essa divisão. No curto prazo, portanto, não vejo um benefício rápido para as montadoras. Porém, mostrar para o mercado que há um sinal de livre comércio pode atrair mais investimentos, melhorar a previsibilidade e ter um fluxo de capitais positivo entre os países. A economia do Brasil pode ser muito ajudada nesse sentido.

DINHEIRO — Como você vê o mercado premium no Brasil?

KRIEGER — O crescimento desse segmento com relação ao mercado total é similar. A nossa estimativa é crescer cerca de 10% em 2019 e até 15% em 2020.

DINHEIRO — Esse resultado tem relação com a entrada do novo governo?

KRIEGER — Eu evito falar de política e sobre o passado, mas ter paz durante a transição de um governo para o outro abaixou a poeira e agora já é possível enxergar os próximos quatro anos. Isso traz uma confiança para o setor de maneira geral.

DINHEIRO — O que precisa acontecer para impulsionar os negócios?

KRIEGER — A aprovação da reforma da Previdência é favorável e a reforma tributária também ajudaria muito a BMW. O volume de pessoas que nós temos para calcular os tributos de todo esse ambiente de negócios é muito alto. O Brasil tem essa complexidade elevada que, se evitada, seria mais fácil focar nos negócios e nos produtos em vez de tributação.

DINHEIRO — Há novos planos de investimentos no radar?

KRIEGER — A BMW investiu R$ 125 milhões na estrutura fabril catarinense no segundo semestre de 2018 para produzir os modelos BMW X4 e BMW Série 3. Além disso, o aporte de R$ 1 bilhão feito nos últimos quatro anos [2014-2018] trouxe três produtos novos para o Brasil. Esses nos deixam confortáveis para um bom tempo daqui para frente.