Na entrada principal da sede da XP Investimentos, que fica no 100 andar de um moderno edifício da Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, um capacete original de Ayrton Senna, protegido em uma caixa de acrílico transparente, decora a recepção. “As vitórias impossíveis de Senna, a forma como ele lidava com as situações desafiadoras, mesmo com um carro pior, é algo que me motiva”, disse o CEO Guilherme Benchimol. “Eu me inspiro muito nos valores dele.” De fato, mais do que um simples adorno, a peça simboliza a trajetória da empresa que passou de uma modesta corretora com quatro funcionários, em 2001, para a maior companhia independente de investimentos do País, com R$ 170 bilhões em custódia. Na noite de 9 de agosto, o Banco Central aprovou a aquisição de 49,9% da XP pelo Itaú, mas exigiu a preservação de sua independência. Confira sua entrevista:

DINHEIRO – Como o sr. recebeu a notícia do sinal verde do Banco Central para venda de parte da XP Investimentos para o Itaú?

GUILHERME BENCHIMOL – Esse processo foi um pouco cansativo. A operação demorou 15 meses. Antes disso, tivemos seis meses de quase IPO. Então, estamos nessa batida há quase um ano e nove meses. É uma fase em que não ficamos concentrados só no negócio. Isso muda a rotina porque gera incertezas. Nos preparamos para abrir o capital e, no meio disso tudo, começamos as conversas com o Itaú. Mas temos a certeza que foi o melhor caminho. Mas, no caso das restrições impostas ao negócio, o que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e o Banco Central quiseram permitir é que o nosso ecossistema ficasse preservado, sem nenhum tipo de interferência do Itaú.

DINHEIRO – Tudo correu como planejado?

BENCHIMOL – Achamos que o trâmite seria menos tenso e menos midiático. Ao longo da jornada, acabamos tendo algumas inseguranças. Seria uma compra que chegaria até 74,9% e, se porventura, daqui a 15 anos, o Itaú quisesse comprar o controle, ele teria essa opção. O processo voltaria ao Cade e ao Banco Central novamente. Agora, esse percentual está limitado a 50% e, daqui a quatro anos, o Itaú poderá submeter a uma nova compra de 12,5%, totalizando 62,5%, se o BC aprovar. Não haveria concentração sem uma eventual aprovação lá na frente.

DINHEIRO – As restrições foram rígidas?

BENCHIMOL – Não. Essas constrições foram conversadas ao longo do caminho. Não foi uma surpresa. Com certeza, se pudéssemos voltar no tempo, faríamos o mesmo, tudo de novo. Temos a convicção de que estamos com o parceiro certo. Ter o maior banco privado do País como nosso acionista, em vez de ter o mercado como acionista, nos faz seguir com ainda mais confiança.

DINHEIRO – A XP tinha planos de comprar algum concorrente?

BENCHIMOL – O plano era crescer organicamente. Óbvio que agora estamos impedidos de comprar pelos próximos oito anos, pela restrição do BC. A prioridade era crescer organicamente pelos próximos três ou quatro anos, mas poderíamos avaliar alguma aquisição depois de seis ou sete anos. Era um horizonte mais difícil de enxergar.

DINHEIRO – O tema da concentração bancária influenciou o BC a tomar essa decisão?

BENCHIMOL – Acho que tem esse tema, mas o principal ponto, já que não somos banco, é que a maior parte das pessoas enxerga a XP como um ecossistema vivo. É legítima, então, essa preocupação com a concentração.

DINHEIRO – Então, o foco é concorrer mais com os bancos?

BENCHIMOL – Sim. Os bancos são lugares que funcionam muito bem, mas cobram taxas muito maiores. Somos uma empresa que começou pequenininha e foi lutando contra isso. Então, quando chegou o Itaú, a primeira leitura das pessoas é que o banco queria mudar nossa cultura. Mas essa nunca foi a intenção deles. O controle da companhia ia continuar sendo nosso. Com o Itaú, ganhamos mais credibilidade, mais autoridade. Ter um sócio que não interfere no dia-a-dia, mas que dá a chancela, nos permite crescer, lutar contra ele próprio e contra os bancos. As corretoras não eram vistas como algo seguro. No imaginário das pessoas, não tinham a mesma credibilidade de um banco comercial. Isso mudou.

DINHEIRO – Esse receio cresceu porque muitas corretoras quebraram…

BENCHIMOL – Sim, mas também muitos bancos quebraram. As corretoras no Brasil sempre foram vistas como casas de risco. Trilhamos um caminho diferente. Ter o Itaú como sócio é algo que ajuda nisso. O ponto é que, hoje, as pessoas investem nos bancos, mas os bancos acabam não oferecendo as melhores soluções. Por esta razão, acabamos tendo um espaço muito grande. Atualmente, 95% dos R$ 5,5 trilhões do mercado de investimentos no Brasil estão dentro dos bancos. Dos 5% que estão fora dos bancos, que equivale a R$ 250 bilhões, temos R$ 170 bilhões. Na economia americana, 90% das aplicações estão fora dos bancos. Olhe o tamanho da oportunidade que empresas como a nossa acabam tendo.

DINHEIRO – Por que o Brasil é tão diferente dos EUA na questão dos investimentos?

BENCHIMOL– Por conviver com juros maiores, o brasileiro se acostumou com o CDI alto, com alta liquidez, baixa volatilidade e baixo risco. Em outras economias mais maduras, o investidor tem de comparar mais corretoras independentes para encontrar as melhores opções. Mas isso também vai acontecer aqui no Brasil.

DINHEIRO – Mas a XP não acabou ficando muito grande?

BENCHIMOL – Nós estamos crescendo rápido há muitos anos. Temos hoje R$ 170 bilhões em custódia. Vamos fechar o ano com R$ 225 bilhões. No meio do ano passado, tínhamos R$ 100 bilhões. Encerraremos o ano com 900 mil clientes. O plano do IPO, antes do início das negociações com o Itaú, era chegar R$ 550 bilhões em ativos até 2020. Agora, estamos montando um plano novo. Vai ser muito mais do que isso. Com esses números, as pessoas olham para nós com mais confiança. Temos vários projetos que serão colocados em prática. Estávamos como uma mola comprimida. Vamos fortalecer nossa imagem. No ano passado, gastamos R$ 30 milhões em mídia. Neste ano, vamos investir R$ 100 milhões. Isso mostra o tamanho do nosso projeto.

“Tão importante quanto um Congresso engajado é um presidente que dê a direção”Sessão do Congresso nacional (Crédito:Roque de Sá)

DINHEIRO – Qual é o maior desafio diante de um crescimento tão rápido?

BENCHIMOL – Temos vários obstáculos e desafios internos. O maior deles, talvez, seja crescer sem perder a essência da nossa cultura. Estamos quase dobrando de tamanho a cada ano. Há cinco anos, tínhamos 500 pessoas na empresa. Hoje temos 1.600 executivos. Começamos 2018 com mil. Vamos terminar o ano com 1.700, além dos 3.500 agentes credenciados autônomos. Em 2001, eu era CEO de uma empresa com quatro pessoas. Em 2002, de uma empresa que tinha dez pessoas. Em 2010, CEO de uma empresa com cem pessoas. O crescimento acelerado vai me obrigando a me transformar o tempo todo como executivo.

DINHEIRO – A XP tem contratado muitos ex-bancários?

BENCHIMOL – Normalmente, ex-gerentes bancários são as pessoas mais bem-sucedidas dentro da XP. São pessoas que, nos bancos, têm uma relação de confiança com o cliente, mas não estão felizes porque sabem que não vão crescer em renda em médio e longo prazos, não têm produtos de qualidade, têm metas que não os deixam encantar o cliente como gostariam. A média de renda é de R$ 15 mil, mas tem consultores autônomos que tiram R$ 300 mil por mês na XP. Quando os gerentes saem do banco, se juntam a projetos independentes e ficam mais felizes e ganham muito mais. Não conheço nenhum gerente de banco que esteja feliz.

DINHEIRO – Como está a concorrência?

BENCHIMOL – Nossa concorrência é contra os bancos. Dado o nosso pequeno ‘market share’, é mais inteligente atacar o próprio Itaú, o Santander, o Bradesco, o Banco do Brasil. Lá os clientes não têm um serviço focado em investimentos e pagam taxas caras. Os bancos são fechados e não são focados no interesse do cliente. Talvez daqui a cinco ou dez anos, possa existir disputa entre corretoras.

DINHEIRO – E a disputa entre bancos tradicionais e as fintechs?

BENCHIMOL – A economia mudou muito rápido e os bancos estão ainda com estruturas antigas, com muitas agências, muitos gerentes. Isso gera um custo fixo muito mais alto e impede que eles se tornem competitivos para os clientes. Justamente nesse ambiente é que conseguimos crescer. Os bancos tentarão ser mais digitais, com custos menores. Mas é uma jornada. Não se consegue virar esse transatlântico de maneira rápida.

DINHEIRO – A XP pretende comprar alguma fintech?

BENCHIMOL – Estamos olhando para todas. Aquela que nós considerarmos que faz sentido para o nosso negócio, podemos comprar. Estamos olhando o mercado o tempo inteiro, antenados nas oportunidades.

DINHEIRO – Há espaço para tantas fintechs?

BENCHIMOL – Há, sim. Mas acho que as fintechs precisam mudar a mentalidade. Hoje elas estão muito mais preocupadas com a próxima rodada de investimentos do que com a capacidade de deixar seu negócio sustentável. Hoje, 99,9% das fintechs no Brasil são deficitárias. E não percebem que ficam em uma sinuca de bico, dependendo da próxima rodada. Tem que se respeitar os conceitos básicos da contabilidade empresarial: a receita menos a despesa precisa ser positiva.

DINHEIRO – Por que existe essa cultura?

BENCHIMOL – Hoje existe dinheiro sobrando no mundo, e no Brasil também. Se você tem um bom projeto, uma boa ideia, é muito fácil conseguir dinheiro. Isso acaba gerando, naturalmente, a indústria das rodadas de investimento.

“Os bancos estão com estruturas antigas, muitas agências, muitos gerentes”Fila em agência do banco Santander, em São Paulo (Crédito:Divulgação)

DINHEIRO – Em agosto do ano passado, o sr. disse à DINHEIRO que a XP tinha planos de se tornar um banco. Em que estágio está isso?

BENCHIMOL – Entramos com um pedido no Banco Central em 2016 e está super encaminhado. É um processo que deve estar liberado no primeiro trimestre de 2019. Mas não é que queremos nos transformar em banco. O banco será um produto do cliente que investe com a gente. Nossa visão é promover a desbancarização dos investimentos. A proposta é oferecer linhas de crédito muito mais baratas para quem tem aplicações na XP. O ativo do cliente será a garantia.

DINHEIRO – Como o sr. está enxergando as eleições?

BENCHIMOL – Independentemente de quem será o próximo presidente, será preciso fazer as reformas. O Brasil está em uma situação que, se quem assumir o governo e não fizer as reformas de bate pronto, o dólar e os juros vão subir, voltaremos a ter recessão, os empresários investirão menos e, por consequência, haverá um aumento do desemprego.

DINHEIRO – Então o sr. não acredita que será eleito um presidente de esquerda? O candidato Ciro Gomes, por exemplo, já disse que irá revogar a reforma trabalhista…

BENCHIMOL – Muita gente diz coisas que são compatíveis com aquilo que seu público quer escutar. Falam isso durante a campanha, mas têm postura diferente quando assumem o governo. Prova disso é o Lula, em 2002. A economia é uma ciência exata. No final, temos um Estado que gasta mais do que arrecada. Quando essa conta não fecha, as pessoas começam a confiar menos no País.

DINHEIRO – Como o sr. está vendo essa aproximação do candidato Jair Bolsonaro com o mercado?

BENCHIMOL – Não tenho candidato. A XP é uma empresa apartidária. Acho que qualquer candidato que entrar no governo terá de fazer as reformas, gerar renda e emprego. Qualquer governo que queira ter uma agenda de assistencialismo, que não seja voltado a sanear a estrutura, não vai sobreviver.

DINHEIRO – Como o sr. avalia as equipes econômicas apresentadas pelos candidatos?

BENCHIMOL – Tenho visto pessoas muito qualificadas se juntando aos candidatos. Se a economia não for consertada, as coisas não vão funcionar. Não consigo enxergar nenhum presidente chegar ao governo e não dar andamento às reformas da previdência e a tributária. Terão que sanear o déficit público. O Brasil gasta mais do que arrecada e fica sem condições de investir em infraestrutura, em hospitais e em educação.

DINHEIRO – As reformas são impopulares…

BENCHIMOL – Tem que se escolher qual é o caminho. Se não fizermos as reformas, acontece que os juros vão subir e o dólar vai sair de controle. A locomotiva do País são os empresários. Um País austero cria empregos naturalmente. Então, precisamos fazer escolhas e acabar com as distorções que impedem que isso aconteça. Claro que quem perde um benefício, fica incomodado. Mas ele precisa pensar no todo. Talvez, o filho dessa pessoa que perdeu um benefício, possa ter um futuro mais garantido.

DINHEIRO – Como está sendo 2018 e o que esperar do ano que vem?

BENCHIMOL – Está sendo um ano muito difícil porque o governo Temer não conseguiu fazer a maior parte das reformas que gostaria. Um ano de incertezas. Estou otimista com o ano que vem. Com as reformas, teremos um ambiente muito mais próspero, com mais crescimento e investimento.

DINHEIRO – É mais importante o próximo presidente ou o próximo Congresso?

BENCHIMOL – A composição dos dois. Um presidente que consiga dar uma direção clara para o Brasil e um Congresso que apoie o presidente escolhido pelo povo. Mas tão importante quanto um Congresso engajado é ter um presidente que inspire e dê uma direção, um plano consistente. O Brasil está carente de esperança.