No próximo sábado, 26, dona Ina Martins Baptista, 54 anos, não irá passar o dia com a família. A jovem Sandra Helena Carneiro, 29 anos, também terá de adiar os planos de lazer do final de semana. João Paulo Felício, 47 anos, um senhor extremamente religioso, já avisou a paróquia: vai faltar à missa. Ina, Sandra e João são funcionários da tecelagem gaúcha Tevah, especializada em moda masculina de alto padrão. Em vez de aproveitarem o dia de folga, estarão vestidos com seus tradicionais uniformes verdes trabalhando a todo vapor na fábrica instalada em Porto Alegre. Vão felizes da vida para o batente. Neste dia, as centenas de máquinas de costura, overloques, as tábuas de passar roupa, os moldes, tesouras, enfim, estarão em operação para produzir algo sublime: solidariedade. Serão oito mil peças de roupa para creches, asilos e entidades de apoio a crianças com síndrome de Down. Idéia simples, não é? Mas quantas empresas no País fazem isso? A iniciativa de transformar, uma vez por ano, a fábrica em fornecedora de associações filantrópicas ganhou aplausos de todos os lados. Neste sábado, o dia da solidariedade da Tevah será ancorado por uma grande campanha com o mote Mude o Brasil. Outdoors espalhados por Porto Alegre anunciam o evento e na fábrica da empresa espera-se a presença de governadores, empresários e da primeira-dama Ruth Cardoso. ?Não temos dinheiro para doar, mas podemos emprestar para as entidades o que temos de mais precioso: tempo?, diz a funcionária Sandra.

O pai da idéia é um jovem senhor de 44 anos, simpático, fanático pelo Grêmio,que dirige a empresa ao lado do irmão Eduardo e do pai Israel. Guarde o nome: Daniel Tevah. Ele, como a maioria dos brasileiros, costumava fazer sua parte no ?social? doando dinheiro. Em 1998, descobriu, em conversas nas próprias entidades, que a maioria dos recursos doados ao ano mal dava para pagar os funcionários que prestam serviços em creches e asilos. ?Sobrava muito pouco para eles comprarem remédios, mobília e roupas?, conta Daniel. Assim, surgiu a vontade de emprestar sua fábrica para o social. ?Não poderia obrigar os funcionários a trabalharem no sábado?, lembra Daniel. ?Passei uma circular explicando a idéia e esperava a adesão de uns 10% a 15% do pessoal?. Naquele ano, no primeiro Sábado da Solidariedade, Daniel levou um susto: dos 400 funcionários da Tevah, 450 se apresentaram. Você leu certo, sim. Os empregados não só abraçaram a causa como arrastaram para a fábrica parentes e amigos. No ano seguinte, a coisa extrapolou. Pessoas alheias à fábrica e aos funcionários foram bater à porta da Tevah. Ficou famosa, por exemplo, a história de uma garota de 15 anos, funcionária do McDonald?s, que se apresentou à portaria da Tevah ainda vestida com o uniforme da rede de fast-food e disse: ?Acabei de sair do meu trabalho, soube da campanha e queria ajudar. Sei me virar com máquinas de costura?.

Voluntários sobrando, era preciso, então, fazer uma certa adaptação no sistema produtivo. Os funcionários da Tevah estavam acostumados a cortar, alinhavar e montar ternos, jaquetas, paletós, camisas e calças sociais. Agora teriam de fazer cobertores, lençóis, pijamas de lã para idosos, abrigos infantis, macacões para recém-nascidos e até capas plásticas para forrar colchões. Nesta última tarefa, uma comissão de funcionários ficou encarregada de buscar o know-how de produção em uma pequena empresa local. Algumas máquinas foram adquiridas para viabilizar a fabricação das capas e o projeto estava montado. ?É o maior exemplo de que filantropia não é coisa de rico?, diz Daniel. ?Se alguém tem dinheiro para montar uma fundação, ótimo. Para quem não tem, basta boa vontade?.

Nesta quarta edição do Dia da Solidariedade, Daniel pretende convencer alguns empresários a adotar a mesma postura da Tevah e não apenas aplaudir. O governo gaúcho, por exemplo, é um grande entusiasta da iniciativa, mas o apoio pára por aí. Vale outra historinha para ilustrar o descaso. Em 1998, o presidente de honra do PT, Luis Inácio Lula da Silva, participou do Sábado da Solidariedade na Tevah e mostrou-se indignado com o fato de o governo, então administrado por Antônio Britto (PMDB), cobrar 17,5% de ICMS das mercadorias produzidas naquele dia. Lula disse que iria tomar providências. Um ano depois, na gestão Olívio Dutra, do PT, nova carga de ICMS, sob alegação de que não se poderia abrir exceções.

O Brasil ainda engatinha em matéria de responsabilidade social. Não há políticas definidas para a atividade e o pouco que se faz ainda está longe dos padrões americano e europeu. ?Tem empresário que acha que o fato de gerar empregos já esgota sua cota de contribuição à sociedade?, afirma Daniel Tevah. ?Não é preciso mexer no bolso. Basta dar a estrutura e ver o que seus funcionários são capazes.? Quando fala de responsabilidade social, os olhos de Daniel brilham. Ele é fanático pelo assunto. Nas horas de folga, devora livros sobre o tema. ?A verdade é uma só: todas as soluções simples deram certo?, afirma. A Tevah começou assim, de maneira simples. De uma pequena alfaiataria, transformou-se hoje em uma rede de 11 lojas e uma indústria. Está completando 42 anos e, em 2002, começa a expansão para outros Estados. Os negócios vão indo muito bem. Talvez seja um prêmio pela conduta.