Velejador oceânico capaz de empreender uma solitária volta ao mundo, o executivo do setor de mídia e doutor em Filosofia da Comunicação Andrés Bruzzone apontou sua bússola para uma borrasca que ameaça afundar a democracia: o ciberpopulismo. Esse é o tema do livro que ele acaba de lançar e que coloca sob o microscópio um fenômeno político derivado em grande parte daquilo que o artista visual Roy Ascott chamou de “dilúvio das informações”. Em sua primeira viagem como escritor, Bruzzone mergulhou no caótico turbilhão causado pelas redes digitais para mapear as ameaças à democracia causadas pela combinação de técnicas de propaganda do século 20 e a eficiente manipulação de dados possibilitada pela tecnologia atual.

Se Ciberpopulismo – Política e Democracia no Mundo Digital (Editora Contexto) conduz ou não a um porto seguro cabe ao leitor concluir. O mérito do timoneiro, nesse caso, não está em encontrar uma rota de fuga para as alterações estruturais que a tecnologia impõe à sociedade. A navegação de Bruzzone interessa mais pela paisagem que revela. Em muitos casos, desoladora. Segundo o autor, “os otimistas têm boas razões para acreditar que a revolução digital vem para fazer nossa vida melhor.” Ainda que liste benefícios como a educação a distância, ele não demora a revelar que “uma relação amorosa que se assemelhasse à nossa relação com uma rede social seria taxada de doentia.” Em uma palavra: vício. “E, enquanto nos lamentamos ao perceber quanto tempo perdemos na frente do computador ou do celular, as ações do Facebook crescem e alguns executivos ganham bônus: o engajamento aumentou”, escreveu.

É em parte por entender que o capitalismo de mercado está ameaçado pela concentração de poder das gigantes da tecnologia Amazon, Apple, Google, Microsof e Facebook que a União Europeia e os Estados Unidos buscam formas de restringir sua atuação. Se a Amazon pode distorcer o sistema de livre mercado a partir do acesso aos dados de todas as transações de seus clientes e do emprego de inteligência artificial para fazer o que quiser com eles, é possível, segundo o autor, que os sistemas eleitorais e de representação política estejam igualmente ameaçados.

No Brasil, a eleição de Jair Bolsonaro comprovou essa ameaça. Ela foi diagnosticada, entre outros, pelo sociólogo e pesquisador das redes sociais Manuel Castells, autor de 26 livros e doutor honoris causa por 18 universidades. Dele, Bruzzone cita uma afirmação sobre as impressões que teve em uma visita ao País, em 2019: “Vocês estão vivendo um novo tipo de ditadura. As instituições estão preservadas, mas se manipulam tanto por poderes econômicos, quanto por poderes ideológicos. Isso se faz acusando de corrupção qualquer tipo de oposição. Como a corrupção está em toda parte, então persegue-se apenas a corrupção de políticos e personagens que se oponham ao regime. Esse tipo de ditadura só pode funcionar com um povo cada vez menos educado e mais submetido à manipulação ideológica. Nosso mundo da informação é um mundo baseado nas redes sociais e nas redes sociais há de tudo. Elas permitem a autonomia dos indivíduos, acreditávamos que era um instrumento de liberdade e é, mas é uma liberdade que é usada tanto pelos manipuladores quanto pelos jovens que tentam mudar o mundo”.

Ainda que sejam poucos os jovens que tentam fazer do mundo um lugar melhor a partir das redes sociais, há um movimento que parece ser uma boia de salvação para o dilúvio de fake news propagadas pelo bolsonarismo desde antes da eleição e que cresce a cada depoimento na CPI da Pandemia. Criado e mantido anonimamente, o Bolsoflix é uma plataforma de vídeos com críticas ao presidente e ao governo federal.

A polarização que caracteriza o Brasil atual e que se tornou um risco para a sociedade dificilmente será pacificada por meio do uso das mesmas estratégias de ciberpopulismo que apoiam Bolsonaro. Mas tentar fazer frente ao discurso de ódio sem levar em conta o poder de persuasão das redes é negar a realidade. Como reconhece Bruzzone ao final de seu livro, “Não basta culpar as redes sociais nem banir contas de distribuição de fake news.” Ele recomenda “não apoiar caminhos espúrios de juízes supostamente iluminados e desconfiar dos heróis personalistas”. É difícil fazer isso quando o barco está afundando e impera o salve-se quem puder. Mas bem pior é apenas observar, inerte, o naufrágio.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO