Por Ricardo Brito e Bernardo Caram

BRASÍLIA (Reuters) – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem se distanciado da disputa entre o governo e o Banco Central, mas parlamentares aliados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva planejam convocar o presidente do BC, Roberto Campos Neto, a prestar esclarecimentos sobre a política de juros no país.

Enquanto as críticas de Lula se intensificaram nas últimas semanas, Haddad manteve discrição, com poucas falas públicas direcionadas à autoridade monetária, nenhuma delas em tom de ataque ao trabalho de Campos Neto. Em reuniões fechadas com parlamentares e ministros, também não subscreveu as declarações duras do presidente sobre o BC, segundo os relatos.

Uma fonte do Ministério da Fazenda afirma que Haddad quer manter boa relação com o presidente do BC. Ela pondera que o ministro não pretende se voltar contra as posições de Lula, embora as críticas do presidente tumultuem o ambiente para a gestão econômica.

No comando do Ministério da Fazenda há pouco mais de um mês, Haddad tem se destoado da retórica do governo, evitando críticas diretas ao BC, além de ter buscado aproximação com Campos Neto após assumir o cargo.

O ministro já questionou o nível dos juros no país, mas sem atribuir culpa direta ao BC. Em janeiro, afirmou que a taxa real de juros está “fora de propósito”, considerando a desaceleração da atividade e da inflação, mas disse que esse cenário foi motivado por uma “farra eleitoral” do governo anterior, o que seria um legado do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Um dos participantes do encontro do conselho político que ocorreu na manhã desta quarta com Lula e Haddad, o presidente do União Brasil, deputado federal Luciano Bivar (PE), disse que, na reunião fechada, o presidente novamente demonstrou desconforto com a taxa de juros praticada no país. O titular da Fazenda, segundo ele, não falou sobre o Banco Central e preferiu focar na agenda com o Congresso, destacando o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária.

Outro presente ao encontro, o presidente do PSB, Carlos Siqueira, disse à Reuters que, na reunião a portas fechadas, Haddad comentou que o governo tem um programa a cumprir e uma das promessas foi gerar crescimento econômico e emprego, citando que o componente da taxa de juros pode interferir nessa questão. Segundo ele, contudo, não foi uma fala em tom de ataque.

“Esse assunto apareceu (na reunião) e acho que o presidente tem razão em tentar que a política econômica e a monetária andem de forma harmoniosa”, disse Siqueira, para quem os juros nas alturas vão inibir investimentos no país.

Na terça, Haddad reuniu-se com senadores da bancada do PT e, segundo duas fontes, não tocou na polêmica sobre a taxa de juros. Os senadores, de acordo com as fontes, também não entraram nesse tema.

Lula chegou a dizer em entrevistas que o Senado –Casa pela qual o presidente do Banco Central teve seu nome sabatinado e que acompanha e fiscaliza os trabalhos da autoridade monetária– tem de ficar “vigilante” sobre a atuação de Campos Neto em relação à taxa de juros.

O presidente já disse também não existir justificativa para o atual patamar da taxa Selic e classificou as justificativas do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC sobre o assunto como “uma vergonha”. Lula se referiu ainda a Campos Neto como “esse cidadão”.

EXPLICAÇÕES AO CONGRESSO

Apesar das críticas de Lula, está descartado, por ora pelo menos, segundo uma das fontes petistas, qualquer tipo de movimento para buscar alguma saída legal que levasse à exoneração de Campos Neto por descumprir parâmetros de trabalho –nos dois últimos anos, a meta de inflação não foi cumprida, o que é a principal tarefa do banco. Isso está previsto na lei que instituiu a autonomia da autoridade monetária.

Ainda assim, parlamentares da base aliada querem chamar o presidente do BC para prestar esclarecimentos em comissões da Câmara e do Senado nos próximos dias sobre a política monetária do banco. Requerimentos de convocação do dirigente já foram ou serão apresentados, segundo os relatos, e também se espera a instalação das comissões temáticas para que os pedidos sejam votados.

“É natural que a Câmara, o governo, através de suas lideranças, ouça o Campos Neto sobre juros”, disse o presidente do União Brasil, que dá razão para as queixas de Lula sobre a taxa Selic.

O núcleo duro do governo e aliados, segundo um deputado experiente do PT com trânsito no Planalto, está ciente de que, se os juros se mantiverem em 13,75% ao ano, o país terá dificuldades econômicas este ano –a previsão é de crescimento de 0,79% em 2022, segundo o mais recente boletim Focus do Banco Central.

“Nossa principal luta é crescimento e emprego, mais do que reforma tributária e arcabouço fiscal”, disse o parlamentar do PT. “Se não mudarmos essa política de juros, será a derrota do nosso projeto político”, reforçou.

Esse parlamentar considera que, no momento, a preocupação maior é mudar a rota da Selic para ajudar na retomada da economia e, por isso, Lula tem feito ataques a Campos Neto. Embora conscientes com o problema, a preocupação menor dos parlamentares é com a pressão sobre juros futuros.

Após o café com as lideranças das base do governo, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, enfatizou que não há qualquer intenção por parte do governo de mudar a atual lei da autonomia do BC e negou que haja pressão sobre qualquer mandato da autoridade monetária.

“Não existe nenhuma iniciativa do governo de mudança da lei atual do Banco Central e nenhuma pressão sobre qualquer mandato de qualquer diretor. A lei estabelece ali claramente: você tem mandados que serão cumpridos até o final”, disse Padilha.

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