Por Victor Borges

BRASÍLIA (Reuters) – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta quarta-feira que considerou “exemplar” a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que deu ganho parcial ao governo em julgamento de conjunto de ações sobre descontos do ICMS, que, pelas contas da equipe econômica, têm impacto potencial de até 90 bilhões de reais por ano para os cofres federais.

Em entrevista a jornalistas em Brasília, Haddad afirmou ainda que, a seu ver, a decisão do STJ não será derrubada.

A decisão unânime foi proclamada pela primeira seção do STJ apesar de o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), ter concedido mais cedo nesta quarta-feira uma liminar para tornar sem efeito qualquer decisão do STJ relacionada ao tema.

Pela decisão do STJ, ficou definido que o governo federal poderia cobrar Imposto de Renda das empresas (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre benefícios fiscais concedidos por Estados, desde que não sejam classificados como crédito presumido e que atendam a requisitos legais.

A corte avaliava se descontos na cobrança do ICMS, concedidos por Estados a empresas, fazem parte ou devem ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

“Considerei o julgamento exemplar. O voto do relator foi acompanhado por outros oito ministros. Isso dá muita confiança que estamos no caminho certo para remover do sistema tributário aquilo que está impedindo a busca de um equilíbrio orçamentário”, afirmou Haddad na noite desta quarta-feira, na portaria do Ministério da Fazenda.

O ministro afirmou ainda que o Orçamento brasileiro é desequilibrado por conta das despesas com salário mínimo, saúde e educação – áreas em que houve, nas palavras de Haddad, “cortes enormes”.

“A tabela SUS não é reajustada há mais de dez anos”, disse o ministro. “O problema é o chamado gasto tributário, o dinheiro que sai pelo ralo nessas decisões que acabam conturbando o sistema tributário brasileiro. E essa conta era altíssima, prejudicava o governo federal em quase 70 bilhões de reais e outros 20 bilhões de reais a Estados e municípios pobres, que deixavam de receber o FPE (Fundo de Participação dos Estados) e o FPM (Fundo de Participação dos Municípios).”

O ministro defendeu que a decisão do STJ é uma reparação dos estragos nas contas públicas e disse estar tranquilo de que a decisão do tribunal será mantida.

“Ela recompõe o Orçamento federal, e isso dará mais garantia de crescimento com baixa inflação”, acrescentou.

Haddad afirmou ainda que a liminar concedida pelo ministro André Mendonça, não preocupa o governo. Ele argumentou que a liminar chegou ao STJ depois que a sessão já havia sido iniciada.

“E você não pode suspender uma sessão iniciada. Os votos já foram proferidos. A unanimidade, até para minha surpresa, foi conquistada”, disse.

ARCABOUÇO FISCAL

O ministro avaliou que a decisão do STJ vai dar o “conforto” de que o novo arcabouço fiscal, em tramitação no Congresso, “veio para ficar”.

“Ele é estável, crível, vamos perseguir os objetivos dele. Virou uma cruzada isso aqui. Vamos tomar Jerusalém e vamos arrumar as contas públicas desse país para a gente ter paz. E parar um pouco de inventar gastos, inventar renúncia”, disse.

Economistas de fora do governo têm defendido que, para ser eficaz, o novo arcabouço dependerá de um aumento considerável de arrecadação por parte do governo. A decisão desta quarta-feira do STJ iria neste sentido.

OCDE ALERTA SOBRE CARF

O ministro também explicou que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) destacou que a votação no Congresso sobre a medida que instaura a volta do chamado “voto de qualidade” nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) pode se tornar um empecilho para o ingresso do Brasil à entidade, caso a proposta não seja aprovada.

“A OCDE colocou claramente obstáculos ao ingresso do Brasil na OCDE se a MP (medida provisória) que nós mandamos e vamos mandar agora como projeto de lei com urgência constitucional não for votada para pacificar (a questão)”, afirmou.

O Carf é responsável por julgar em nível administrativo litígios tributários, e o voto de qualidade autoriza o presidente do colegiado a desempatar os julgamentos. O fim do mecanismo implicava em benefício automático a contribuintes em casos de empate.

O mecanismo foi extinto durante o governo de Jair Bolsonaro e depois restaurado por medida provisória no governo Lula. No entanto, a MP que retomava a previsão do voto de desempate em julgamentos do Carf não chegou a ser apreciada, e o tema deverá ser reeditado na forma de um projeto de lei com urgência constitucional.

Haddad também disse que a OCDE e outras instituições apontaram indícios de que o fim do voto de qualidade foi usado como instrumento de corrupção.

“MPF entrou com ação contra 11 pessoas do Carf, por venda de voto. Não é só a OCDE alertando o Brasil, o Tribunal de Contas está alertando o Brasil sobre uma potencial fonte de corrupção no Carf, e agora a comprovação pelo MPF de que representantes do setor privado, para garantir o empate e derrubar o auto de infração, estavam vendendo votos. Isso é muito grave”, disse o ministro.

“Então nós temos também oportunidade de corrigir outro problema grave que vinha drenando cerca de 15 a 20 bilhões de reais por ano”, acrescentou.

(Por Victor Borges, em Brasília, e Fabrício de Castro, em São Paulo)

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