Nos últimos dias, as margens do rio Sena, em Paris, nem de longe lembravam o cenário de abandono observado desde o início de março, quando o governo francês impôs regras rígidas de isolamento social diante do avanço da Covid-19. Repleta de casais, crianças e pessoas praticando atividades físicas, a capital francesa parecia ter voltado à normalidade. Das quase 290 mil mortes pela doença em todo o mundo neste ano, 26,7 mil foram em território francês. Agora, a percepção é de que o pior já passou – e é hora de começar, com cautela, a voltar à vida. “Graças a vocês, o vírus regrediu.

Mas ainda está lá. Salve vidas, tome cuidado”, afirmou o presidente francês Emmanuel Macron, em postagem em uma rede social. Na quarta-feira 13, mais de 80% das escolas francesas reiniciaram as atividades presenciais. “Se a retomada for executada de forma responsável e gradual, reduziremos os riscos de uma segunda onda de contaminação”, disse Macron. A exemplo do que está acontecendo na França, países como Espanha, Bélgica e Turquia deram início aos primeiros passos rumo à normalidade, flexibilizando grande parte das restrições impostas pelo coronavírus. As aglomerações em espaços públicos e reuniões com mais de dez pessoas continuam proibidas, mas o ambiente está mais leve, dia após dia.

ANGELA MERKEL: A chanceler alemã foi dura no isolamento no início da crise. Agora,
o país europeu começa a fazer planos de afrouxamento das limitações sociais, assim como a França. (Crédito:Filip Singer)

Na Alemanha, maior economia da Europa, a chanceler Angela Merkel fechou um acordo nacional, com governadores e líderes das regiões mais populosas, para a reabertura de lojas, shoppings e escolas. As viagens a negócios e as permissões para reuniões, inclusive com estrangeiros, estão liberadas. O campeonato nacional de futebol, a multimilionária Bundesliga, vai retomar o calendário, inicialmente de portões fechados. Nos próximos dias, até piscinas e saunas, com número controlado de visitantes, deverão estar autorizadas a funcionar. As medidas de flexibilização poderão ser suspensas, caso o número de mortes volte a superar a proporção de 50 para cada 100 mil habitantes. “Percebo que a disciplina e o comprometimento da população alemã, que seguiu à risca as recomendações de Merkel, contribuíram para que o fim do isolamento pudesse ser antecipado e os negócios entre as empresas retomados”, afirma o economista Maurício Teixeira dos Santos, especialista em negócios bancários e financeiros no escritório Cescon Barrieu, em São Paulo. “Mesmo com muitos alemães acreditando que a Covid-19 não passa de uma conspiração, como acontece muito no Brasil, a forte cultura de comunidade entre os cidadãos está tirando o país mais cedo da crise.”

O governo japonês também estuda acabar, ainda este mês, com o Estado de Emergência decretado em 34 províncias do país. Como o número de casos começou a diminuir desde a semana passada, e os hospitais estão com estrutura ociosa em UTIs, a ideia de flexibilizar o isolamento vem ganhando força. Os governadores, contudo, mantêm incentivos para que os cidadãos evitem sair de casa sem necessidade. O ministro da Revitalização Econômica, Yasutoshi Nishimura, disse que, mesmo com a remoção do Estado de Emergência, não significa que as pessoas poderão agir livremente.

UNIÃO Enquanto muitos governos traçam seus planos individualmente, há um esforço para a definição de planos conjuntos. Um time de sete países que tiveram sucesso em conter a pandemia do novo coronavírus está consolidando uma aliança para reativar as economias com um incentivo ao comércio e ao turismo entre eles. Estão nesse grupo Áustria, Austrália, Israel, República Tcheca, Dinamarca, Grécia e Nova Zelândia, todos com grande dependência do turismo no PIB. O acordo tem como foco permitir viagens entre pessoas dessas nações, na esperança de que a medida alivie parte das perdas provocadas pelos fechamentos de fronteiras e proibição de voos internacionais. “Nossos países reagiram cedo, com força, e agora estamos em uma posição melhor”, afirmou o primeiro-ministro da Áustria, Sebastian Kurz, um dos idealizadores da aliança, na última semana, durante o primeiro encontro virtual entre os líderes desses países.

Assim como o turismo, a grande preocupação dos países mais desenvolvidos é com os prejuízos causados ao setor da educação. Na Austrália e Nova Zelândia, por exemplo, o mercado de intercâmbio estudantil representa cerca de 30% das receitas da economia vinda com os estrangeiros. Na França, que ficou com suas universidades e museus fechados por quase três meses, o governo deu sinal verde para a volta das atividades, mas sob um rigoroso protocolo de distanciamento. As salas de aula em países como Croácia, Holanda, Suíça, Grécia e Sérvia devem voltar à normalidade em junho, enquanto Dinamarca e Noruega já reiniciaram as aulas presenciais. “O mundo teme uma recessão mais pesada, e o setor da educação é fundamental dentro de um processo de reativação da economia”, diz Adriano Mussa, sócio e reitor da Saint Paul Escola de Negócios, que tem unidades em São Paulo e Fortaleza, e que está com as aulas presenciais suspensas desde 13 de março. “No Brasil, não será diferente. A volta dos investimentos deve retornar com mais vigor só depois do fim da pandemia.”
Embora alguns países estejam definindo estratégias conjuntas para o fim do isolamento social, há critérios bem claros para isso, e sem data para acabar. O grupo Áustria, Austrália, Israel, República Tcheca, Dinamarca, Grécia e Nova Zelândia estabeleceu que, para abrir o comércio e as viagens entre eles, será obrigatório o uso de máscaras, além da adoção de políticas de testes em massa, manutenção do distanciamento social em bares e restaurantes e permanência das fronteiras fechadas para países onde o vírus ainda circule com rapidez. Os líderes dos sete países defendem ainda ampliar a produção de testes, vacinas e equipamentos de proteção para diminuir a dependência da China.

DESCONFINAMENTO A aliança recebeu críticas, principalmente da Europa. Quatro dos países do grupo são membros da União Europeia, que fechou suas fronteiras para estrangeiros e trabalha em uma agenda própria de reabertura pós-pandemia. “Precisamos de critérios comuns na Europa sobre como restaurar a liberdade de movimento”, disse o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas. “Um concurso europeu de quem primeiro permite viagens turísticas nos levará a enfrentar riscos injustificáveis”. A Alemanha foi convidada a participar da primeira reunião da aliança, mas preferiu ficar de fora.

A própria Organização Mundial da Saúde (OMS), a maior defensora dos lockdowns e das políticas de isolamento social mundo afora, comemorou o início do desconfinamento. A instituição, no entanto, pediu atenção nos desdobramentos da doença ao longo do processo. O diretor do Programa de Emergências em Saúde da OMS, Michael Ryan, cobrou precaução e vigilância, principalmente em razão de alguns países não terem investido no aumento da capacidade de atendimento dos sistemas públicos de saúde. “Se a doença persistir em um nível baixo nos países que não têm capacidade de detectar os focos e identificá-los, existe o risco de a doença reaparecer”, afirmou Ryan.

Economias na UTI

Mesmo com os planos de retomada pós-pandemia, a verdade é que os países ainda não possuem dimensão do impacto que todas as medidas de isolamento vão causar na economia. Um sinal, no entanto, foi repassado na última terça-feira 12 pela OCDE (organização que reúne 37 das maiores economias do mundo). Por meio do CLI, uma espécie de termômetro do humor de consumidores e empresários, a queda da confiança na economia foi sensível. Na comparação com o índice de abril de 2019, a Rússia teve a maior queda, de 9,17%, seguida pelo Reino Unido, com 7,93%, e o Brasil, com 7,82%. Na quarta-feira 13 outro número alarmante da OCDE: a taxa de desemprego nos países membros passou de 5,2% em fevereiro para 5,6%, antes do pico do doença no mundo. “Os dados iniciais de abril sinalizam um aumento sem precedentes”, afirmou a organização.

O número de desempregados na área da OCDE, que agora inclui a Colômbia, aumentou em 2,1 milhões, para um total de 37 milhões em março. O aumento foi particularmente acentuado entre mulheres e jovens de 15 a 24 anos: subiu 1,0 ponto percentual, para 12,2%. Há ainda graves problemas no horizonte da maior economia mundo, os Estados Unidos, na quarta-feira o Federal Reserve (banco central norte-americano) estimou que a retomada será longa. Bancos e consultorias internacionais já falam em uma queda de 5% no Produto Interno Bruto do ano e o desemprego podendo ultrapassar os 25% da população economicamente ativa. Com todos esses desafios, ainda haja vida pós pandemia, há grandes chances dela ficar na UTI por alguns trimestres.